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2. O CAIS DE QUE FALAMOS

2.1 Restrições à expansão imobiliária no Recife

O Recife é uma das menores capitais brasileiras12com aproximadamente 220 mil metros quadrados - o correspondente a 0,2% da extensão territorial de Pernambuco- e, como poucas, com sérias restrições em relação à ocupação. Está no delta de rios, dispõe de manguezais relevantes ambientalmente e não se pode prescindir de preservá-los - embora os aterros tenham sido habituais, como já dissemos. Conforme Cavalcanti (2010), em termos geológicos e geográficos, os bairros centrais do Recife são fruto do assoreamento dos rios e de vários aterros realizados pelo homem ao longo dos anos e que estreitaram os caminhos fluviais a medida que alargaram ilhas e

penínsulas. Estas áreas alagadiças contam com solo mole, considerado impeditivo para realizar empreendimento com rentabilidade, já que exigiriam um estaqueamento profundo para as fundações de qualquer construção. Outros impedimentos também conformam o território recifense quando se trata de novas construções.

Por ser uma cidade histórica, há uma massa de monumentos e prédios de valor13 considerável para a memória e que exigem preservação compulsória. Num nível local, há mais de 260 construções consideradas Imóveis Especiais de Preservação (IEP)14, “aqueles constituídos por exemplares isolados, de arquitetura significativa para o patrimônio histórico, artístico e/ou cultural, os quais interessam à cidade preservar. ” (RECIFE, 2019). Algumas construções anexam esses prédios às suas obras, é o caso do Edificio Castelinho, em Boa Viagem que transformou o antigo restaurante de mesmo nome, edificação histórica do Recife e uma das primeiras às margens da Avenida Boa Viagem, em seu salão de festas (LELIS, 2017).

Figura 5: Edifício Castelinho é, atualmente, salão de festas de edifício

Fonte: Guga Matos/ JC Imagem

Há, ainda, outros 33 imóveis aos quais a Prefeitura considera, “que isolados e em conjunto, possuam área verde contínua e significativa para amenização do clima e qualidade paisagística da cidade, cuja manutenção atenda ao interesse do Município e ao bem-estar da coletividade”. Nestes, a ocupação do solo obedece aos parâmetros

13Disponível emhttp://www.cultura.pe.gov.br/pagina/patrimonio-cultural/material/tombamento/ http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1450/

Ainda sobre o valor histórico de suas construções, destaque-se que, conforme o Diario de Pernambuco (2019), em março de 2015 a área operacional do Pátio Ferroviário das Cinco Pontas15, localizado no terreno do Cais José Estelita, foi incluída na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário pelo Iphan, órgão a quem compete receber, administrar e zelar pela guarda e manutenção dos bens, sejam móveis ou imóveis, de valor artístico, histórico e cultural provindos da extinta RFFSA.

Também pode ser apontada como restrição à expansão imobiliária no Recife a dimensão de seus terrenos. Com lotes pequenos, para que um empreendimento de grande porte seja realizado é necessário que vários sejam agregados. Assim, além da dificuldade de encontrar um número grande de terrenos contíguos disponíveis para a venda, a unificação é, como em todos os processos burocráticos no país, um trâmite demorado.

É necessário apresentar, ainda, a lei dos 12 bairros, como ficou conhecida a Lei de Reestruturação Urbana da Cidade do Recife, que direciona a construção em 12 bairros16 da Capital pernambucana. Por meio dela foi criada uma Área de Reestruturação Urbana (ARU) em 2001 com o objetivo de: I. requalificar o espaço urbano coletivo; II. permitir os usos múltiplos no território; III.condicionar o uso e a ocupação do solo à oferta de infraestrutura instalada, à tipologia arquitetônica e à paisagem urbana existentes; IV. definir e proteger áreas que serão objeto de tratamento especial em função das condições ambientais, do valor paisagístico, histórico e cultural e da condição socioeconômica de seus habitantes; e V. respeitar as configurações morfológicas, tipológicas e demais características específicas das diversas localidades da ARU (RECIFE, 2001).

A ARU está subdividida em Zona de Reestruturação Urbana (ZRU) e Zonas de Diretrizes Específicas (ZDE), as quais também se subdividem de acordo com características físicas e ambientais. A lei dos 12 bairros definiu regras para o

15Atualmente, apenas consta na lista um “armazém com características de casario no Pátio Ferroviário de Cinco

Pontas”, incluído em maio de 2010.

16 A lei cria uma Área de Reestruturação Urbana composta pelos bairros Derby, Espinheiro, Graças, Aflitos,

Jaqueira, Parnamirim, Santana, Casa Forte, Poço da Panela, Monteiro, Apipucos e parte do bairro Tamarineira, estabelece as condições de uso e ocupação do solo nessa área.

adensamento nessas zonas, que vão desde o parcelamento do solo, com gabaritos específicos, à regulação da Taxa de solo natural no terreno, o coeficiente de utilização deste e os afastamentos das divisas do terreno. Com isso, as áreas para a expansão imobiliária em parte do Recife foram ainda mais diminuídas.

Outra restrição é a presença de um aeroporto dentro da cidade. O cone de aproximação do terminal Internacional do Recife/Guararapes - Gilberto Freyre conforma as construções no entorno da pista (BRASIL, 2015). A lei municipal 18338/2017 dispõe sobre as condições de uso e ocupação do solo na Zona Especial do Aeroporto (ZEA) e afirma que “Os projetos destinados às construções, reformas e regularização de imóveis situados nas AEA`s, obedecerão ao gabarito e demais restrições estabelecidas nas normas baixadas pela autoridade aeroportuária competente ” e demais órgãos responsáveis.

Figura 6: Imagem de portaria do DECEA que regulamenta objetos projetados no espaço aéreo

Fonte: DECEA (2019)

Uma prova da exiguidade de território no Recife é que a Capital foi uma das poucas a não dispor de domicílios voltados à faixa 1 do Programa Minha Casa Minha Vida. Conforme pesquisa encomendada pelo Jornal do Commercio à Brain Inteligência Corporativa, que traçou o perfil do programa no Grande Recife, entre 2015 e 2019 apenas cinco empreendimentos do MCMV foram lançados na capital, sendo uma das capitais brasileiras com menos oferta desse tipo de imóvel (CARVALHO, 2019). Conforme Carvalho, se noutras capitais do Nordeste, como Salvador e São Luís, a oferta de moradia pelo programa ultrapassa os 50%, no Recife são menos de 5%.

Figura 7: Percentual de unidades vendidas do MCMV no Recife em relação com outras capitais (4 trimestre de 2018)

Fonte: JC Online (2019)

Com isso é possível admitir que o Recife dispõe de poucas áreas passíveis de instalação de grandes empreendimentos. Porém, quando se olha para o bairro de São José, por exemplo, como também Santo Amaro e Santo Antônio, embora tenham bens tombados, há grandes glebas remanescentes da antiga industrialização nos centros. Para as construtoras é a localização ideal, porque conjuga muitos fatores positivos, dentre eles: a possibilidade de revitalização econômica de uma área que já foi pujante; a facilidade de deslocamento, uma vez que o bairro está no centro; próximo a Boa Viagem, principal bairro da Zona Sul do Recife e um dos mais economicamente atrativos; ao lado da Ilha do Leite, que possui um polo médico reconhecido nacionalmente; do bairro Joana Bezerra, um importante polo jurídico do estado e do Bairro do Recife, do qual se pode destacar o parque tecnológico Porto Digital, que contava com quase 10 mil funcionários em 2019 (PORTO DIGITAL, 2019).

No caso específico do Cais José Estelita, também cabe considerar a vista definitiva permitida pelo terreno, que garante ao proprietário as paisagens que tinha no momento da compra do imóvel. Elas são asseguradas a Leste pela Bacia do Pina e a Oeste, caso permaneça a área histórica preservada, de modo que “o acesso à

paisagem, como vista, é um fator contabilizado no empreendimento” (SIQUEIRA, 2014, p.287).

Com estes atrativos, o bairro se torna um lugar de interesse para construções de vulto e de alto padrão, como aquele proposto pelo Projeto Novo Recife. Porém, no contrafluxo dos discursos desenvolvimentistas, focados no acúmulo e na apropriação dos bens naturais, há movimentos sociais lutando por outro olhar sobre a ocupação do espaço. Costumam ser formados por ambientalistas, jovens universitários e por uma classe média intelectualizada, e assumem o direito à cidade como pauta primordial deste século. Um exemplar destes movimentos é o Direitos Urbanos, movimento que apresentamos adiante.

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