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CAPÍTULO 4. CONCLUSÕES

4.2 Resultados contrastantes com a perspectiva cognitivista

Foi foco deste estudo analisar a influência que a informação sobre o nome da letra tem para as crianças pré-alfabéticas nas decisões gráficas tomadas por elas. A escolha por este recorte se deu em função da crença, muito recorrente na educação brasileira, sobre este ser um pré-requisito para a alfabetização.

157 Os resultados encontrados corroboram as hipóteses levantadas neste estudo – de que a possibilidade de utilizar e integrar diversas informações, no caso o conhecimento do nome da letra, depende do nível conceitual da criança -, e estão alinhados a diversas pesquisas qualitativas oriundas da psicolinguística e da didática. No entanto, os estudos de natureza cognitiva chegam a resultados distintos em relação à importância que a informação tem para a aquisição da língua escrita, em decorrência de diferenças epistemológicas estruturais na forma de conceber o sistema de escrita, a aprendizagem e a criança.

Em relação à concepção sobre o sistema de escrita, os trabalhos revisados de natureza cognitivista não apresentaram critérios claros e coerentes para a escolha das palavras a serem ditadas, ou seja, não apresentam justificativa linguística para a escolha das palavras.

No entanto, a perspectiva da psicologia genética já demonstrou em inúmeras pesquisas que a extensão da palavra e a variação do núcleo e do ataque silábico impactam significativamente na qualidade da produção gráfica. A escrita de monossílabos e dissílabos bem como a de palavras que repetem o núcleo e o ataque silábico representam grande desafio conceitual para a criança em momento inicial de alfabetização, pois geram conflitos cognitivos com as hipóteses já consolidadas que elas têm sobre o sistema de escrita.

Neste sentido, é esperado, portanto, que ao terem que escrever palavras com estas características, sua produção não revele, isoladamente, a análise que já podem fazer sobre a língua escrita. Diante destas produções, as crianças poderiam acrescentar mais letras para completar a configuração gráfica e cumprir com os critérios de legibilidade; inserir uma letra não pertinente no lugar de outra que sabe que é pertinente para garantir o critério de variabilidade, entre outros. Por isso, o critério de escolha de palavras é condição primeira para que seja possível controlar e analisar as escritas infantis.

As pesquisas de corte cognitivista também não consideram as características fonológicas do idioma analisado, propondo escritas de palavras compostas por sílabas ou letras com diferentes possibilidades de realização sonora no português, o que impacta fortemente na produção, sobretudo, quando a natureza do erro não é observada.

A não consideração destes aspectos não são meros lapsos, mas sim coerências com a concepção que se tem sobre a escrita, ou seja, que esta é um código que serve para transcrever a linguagem oral, sendo a palavra uma mera sequência de letras ou de fonemas. Naturalmente, os resultados encontrados serão distintos daqueles estudos que considerem a língua escrita não como um código, mas como um sistema de representação, cujas características influenciam nas

158 hipóteses que as crianças formulam sobre seu funcionamento, nas decisões que tomam no momento de escrever, e que tem particularidades em função do idioma em que é investigado.

Outro entrave epistemológico diz respeito à concepção que se tem das possibilidades infantis. Para as autoras de posicionamento cognitivista não importa o que as crianças sabem previamente, o que pensam sobre a linguagem escrita, suas funções e funcionamentos. O indivíduo é uma tabula rasa e tudo o que sabe é fruto da instrução, da transmissão direta realizada pelo adulto, que é quem detém o saber. Neste sentido, é inconcebível que a criança realize suas próprias análises sobre o escrito e formule ideias, ainda que provisórias.

Por esta razão, uma diferença crucial entre as pesquisas de origem cognitiva e as de origem psicogenéticas, que impacta fortemente nos resultados encontrados, diz respeito a observação de como as crianças vão, uma a uma, construindo a escrita da palavra, bem como as justificativas (verbalizações) que dão para esta produção: é abissal a diferença conceitual entre escrever “BOLA”, colocando as letras “TJUONG” de forma aleatória, e escrever “TJ”, atribuindo cada letra para cada sílaba da palavra, e, em seguida, acrescentar outras letras, porque “duas letras é pouco para que se possa escrever”.

Ou seja, não se reconhece a ação cognitiva das crianças, nem que as diferentes escritas são respostas que elas dão ao tentar resolver um problema, que é escrever, antes de poder fazê- lo convencionalmente.

Desta concepção de objeto de ensino (a língua escrita) e da concepção do sujeito de aprendizagem decorrem a forma de entender o processo de aprendizagem e o papel atribuído à informação externa.

As pesquisadoras da linha da aprendizagem estatística, embora rompam com premissas que sustentavam a produção de natureza cognitivista - sobre a defesa da consciência fonológica como pré-requisito para a alfabetização, reconhecendo que esta, ao contrário, é resultado da alfabetização -, passam a sustentar que é o conhecimento do nome da letra que possibilita que a criança perceba a relação, unívoca, entre a parte que se escuta e sua respectiva marca gráfica. Desta forma, não há mudança conceitual na maneira de entender a aprendizagem – a diferença reside apenas que, em uma perspectiva acredita-se que a consciência fonológica é um pré-requisito para a alfabetização, e em outra, o pré-requisito é o conhecimento do nome da letra – o que muda é a variável que é considerada.

Com isso, pressupõem-se que para cada letra exista apenas um nome, o que, dadas as características do português, não é verdade. Considera-se também que a aprendizagem dependa exclusivamente da informação e, portanto, que todo conhecimento da criança provém da

159 instrução, logo, o conhecimento gerado pela ação estruturante do sujeito não existe. Consequentemente, é inconcebível, nesta perspectiva, que as crianças formulem hipóteses sobre a escrita e que estas possam ser pertinentes e as ajudem a compreender o sistema de escrita e a avançar em sua reflexão sobre ele. Como tudo o que a criança produz é fruto do ensino e, consequentemente, como ninguém ensinou a escrever uma letra por sílaba, um sinal gráfico por sílaba, a criança não poderia, então, apresentar uma produção considerada silábica.

Por esta razão, estas mesmas pesquisas têm defendido que as crianças brasileiras não passam por um momento do desenvolvimento da escrita em que escrevem silabicamente, mas que usam em suas escritas as letras que observam com maior frequência de aparição em textos infantis ou as letras cujos nomes reconhecem na emissão oral. Desta percepção decorre a importância que atribuem ao ensino do nome da letra, porque é a partir deste conhecimento que elas poderão passar a identificá-lo auditivamente e a transcrevê-lo para o papel. Contraditoriamente, estas próprias pesquisas têm dados que mostram que mesmo as crianças que conhecem os nomes das letras, não puderam usar este conhecimento para escrever.

No entanto, dado que as pesquisadoras não acompanham a produção das crianças, não observam a construção da escrita, nem como elas justificam o que escreveram, limitando a análise apenas ao resultado gráfico; como deixam as crianças por si mesmas e em muitas ocasiões nem sequer dizem oralmente a palavra que solicitam que seja escrita; como não consideram nas palavras solicitadas os desafios impostos por cada uma delas (monossílabos, dissílabos, sílabas complexas, repetição do núcleo e do ataque silábico), e nem tampouco as características próprias de cada idioma, fica realmente difícil que observem uma produção silábica consistente.

A natureza da própria investigação dificulta, senão impede, que este tipo de escrita apareça, pois não é uma investigação que se interessa pelo processo de construção da escrita, nem pelas formulações e reflexões infantis.

Embora estas pesquisas considerem a perspectiva psicogenética como a “teoria influente no Brasil”, o que vemos no nosso cenário educacional é que embora esta tenha impactado fortemente os documentos curriculares nacionais e os documentos curriculares escolares, muito pouco se conseguiu consolidar consistentemente na prática das salas de aula.

Há cerca de 40 anos que as pesquisas de Ferreiro e Teberosky (1999) chegaram ao país e ainda hoje encontramos inúmeras assimilações deformantes e falas equivocadas a respeito. Considerações que atribuem orientações didáticas à pesquisa psicogenética; que atribuem ao arcabouço teórico construtivista a defesa de que a aprendizagem ocorre simplesmente na

160 interação espontânea da criança com diferentes objetos, diminuindo a importância do trabalho docente; que nesta perspectiva não se corrigem os erros das crianças; e a utilização dos momentos conceituais de reflexão sobre o sistema de escrita apenas para avaliar e ranquear as crianças e não como ferramentas para planejar de forma ajustada propostas didáticas e e de acompanhamento das aprendizagens.

Ainda há muito o que avançar, sobretudo no que diz respeito a uma das principais contribuições de Ferreiro (1982, 1997, 1999, 2000, 2002, 2007, 2009, 2010, 2013, entre outros), presente em suas inúmeras pesquisas e publicações: o acesso à cultura escrita como direito de todos, por seu potencial transformador para superar contextos desfavoráveis de vida.

Na contramão disso, encontram-se as metodologias ligadas à psicologia cognitiva, que, como referido anteriormente, desconsideram os sujeitos da aprendizagem, seus processos de aprender e mesmo o objeto de ensino: a Língua Portuguesa, com características que lhe são particulares.

Por isso, esta pesquisa desejou refutar algumas das premissas cognitivistas – no que se refere ao conhecimento do nome da letra como pré-requisito para a alfabetização, mas também reafirmando que as crianças passam por um momento conceitual silábico, no qual formulam a hipótese de que para escrever usa-se uma letra para cada segmento oral identificado (a sílaba), e, sobretudo, reafirmando a importância dos momentos conceituais para a reflexão que as crianças fazem sobre o sistema de escrita e sobre a possibilidade que têm para utilizarem as informações que dispõem.

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