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CAPÍTULO IV ANÁLISE CRITICA DA NARRATIVA “ARROZ DO CÉU”: RESULTADOS DA ANÁLISE

1. Resultados da análise – Breve Apresentação

1.1. A realidade social construída na narrativa “Arroz do Céu”

A análise do discurso narrativo que realizámos permitiu-nos concluir que a representação social da narrativa é construída a partir de dois tipos de focalização – a focalização do narrador e a focalização da personagem principal.

Por um lado, a focalização da personagem oferece uma perspetiva do imigrante pobre, enquanto indivíduo desprovido da capacidade de evoluir senão no sentido da resignação, destituído de qualquer caráter agentivo e de espírito de iniciativa, no sentido da melhoria da sua condição pessoal, profissional e familiar.

Por outro lado, é através da focalização do narrador que o leitor conhece a sociedade de acolhimento do imigrante. Este ponto de vista emerge em alguns momentos diegéticos para tecer, cáustica e ironicamente, a representação de uma sociedade que falha no acolhimento e na escolarização dos mais desfavorecidos, obrigando-os, assim, à resignação. É igualmente através deste ponto de vista que é representada uma sociedade que não promove a inclusão de diferentes identidades, senão as que poderão servir os interesses do grupo dominante, dando a ideia de que os indivíduos são transformados de acordo com os interesses e conveniências de grupos maioritários, no que diz respeito, por exemplo, à atribuição das tarefas menos desejáveis. A própria evolução da personagem principal pode ser interpretada, de acordo com o ponto de vista desta focalização, como um sinal de poder do grupo social dominante, quando retira a alguns indivíduos a capacidade de empoderamento.

Assim, a imagem do imigrante que aqui predomina é aquela que é simultaneamente assumida pela sociedade de acolhimento e pelo próprio imigrante que, completamente remetido

à obscuridade pela própria sociedade, se resigna com a sua condição, despersonaliza-se, anula a sua própria voz para passar a ouvir a voz divina, legitimando deste modo o seu conformismo.

O alvo de crítica do narrador é, porém, a sociedade de acolhimento, não sendo dirigida em qualquer momento a sua voz crítica à resignação e ao conformismo da própria personagem. Pelo contrário, o narrador – autor parece querer suscitar no leitor o sentimento de compaixão, através do ponto de vista da própria personagem. Na nossa perspetiva, esta não é uma atitude promotora, nas crianças e jovens leitores, do desenvolvimento do sentido de agentividade, enquanto capacidade de ação para a emancipação. Pelo contrário, o leitor pode colocar-se numa situação de poder em relação ao seu objeto de compaixão, assumindo para si próprio o conformismo do limpa-vias.

1.2. O posicionamento do leitor na realidade social representada

A imagem do imigrante e da sociedade de acolhimento que esta narrativa constrói é conseguida por vários artifícios, sendo o mais importante o constituído pelo ponto de vista, aliado a outros domínios de construção da narrativa – a relação entre os elementos da story, a intertextualidade e o desfecho, domínios esses construídos de uma forma bem vincada pela linguagem utilizada.

A significance do discurso narrativo constrói-se precisamente nos momentos em que o narrador é cáustico com a sociedade, oferecendo-se, assim, esta narrativa a duas leituras. Deste modo, uma leitura que reconheça apenas o ponto de vista do limpa-vias será uma leitura conformadora de um posicionamento do leitor que assume para si esse ponto de vista e o aceita. Este tipo de leitura traduzir-se-á na interiorização e reprodução de assunções ideológicas promotoras da exclusão social.

Por outro lado, uma leitura que reconheça o ponto de vista crítico do narrador focalizador construirá um posicionamento diferente, o do leitor que assume esse mesmo ponto de vista crítico, desconstruindo, assim, um posicionamento conformista.

Por outras palavras, a formação de uma subject position conforme o ponto de vista dominante da narrativa, neste caso o da personagem, sem o confronto com outros pontos de vista sobre a mesma realidade, traduz-se na interiorização, pelo leitor, de assunções ideológicas da sociedade de acolhimento e da própria personagem, consagrando esta narrativa como arma

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social ideológica de conformação e desvirtuando o papel potencial enquanto arma ideológica crítica, que esta narrativa também encerra em si através do ponto de vista do narrador.

Por conseguinte, o posicionamento do leitor em relação à realidade social apresentada nesta narrativa é determinado pelo tipo de leitura que dela for feita. O tipo de leitura que mais habitualmente for praticado fará, por isso, com que um tipo de subject position facilmente predomine sobre o outro.

1.3. As ausências e os silêncios do texto

A narrativa em estudo constrói a representação de duas culturas – a cultura ocidental e a cultura de países da Europa de Leste. Consideramos, na nossa análise, que a cultura que o protagonista representa, a de países da Europa de Leste, é sub-representada, no modo como é subvalorizada e remetida ao silêncio, relativamente à representação da cultura ocidental.

Os exemplos que o texto apresenta sobre casos de sucesso de integração na sociedade de acolhimento de imigrantes oriundos de países da Europa ocidental e de manutenção da sua identidade cultural contrastam com o modo como o protagonista é culturalmente remetido ao silêncio e como é sugerida a sua incapacidade de integração na sociedade.

A nossa análise do modo como o discurso cultural atravessa a narrativa mostra que, se o leitor não fizer a leitura da crítica que é dirigida à sociedade de acolhimento, portanto, à cultura ocidental, poderá assumir como naturais as assunções ideológicas que identificámos em algumas estruturas discursivas sobre a superioridade da cultura ocidental.

Esta ausência da voz de uma cultura particular beneficia os interesses de grupos dominantes, naturalizando a assunção de que aos que não são reconhecidos pela sociedade são atribuídas as tarefas ou atividades profissionais menos desejáveis, sem a responsabilidade da sua inclusão social, como se uma forma de legitimar a exclusão fosse submetê-la ao silêncio.

2. Resultados da Análise – Fundamentação Empírica