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Resultados da formação em serviço

Capítulo 5. Conclusões

5.1. Resultados da formação em serviço

Podemos observar que no grupo de dez educadoras dos cinco municípios pesquisados ocorreu uma historicidade da profissionalização do trabalho docente. A referida profissionalização do trabalho docente se constitui em um histórico social da categoria, que se caracteriza como vocação (tendência ou inclinação para um estado, aptidão natural, talento), ofício (atividade com regulamento próprio, estatutos) e profissão (que é definida, conforme a sociologia das profissões, pelo movimento de luta pela profissão). Segundo TARDIFF e LASSARD ( 2005):

Uma profissão, no fundo, não é outra coisa senão um grupo de trabalhadores que conseguiu (mais ou menos completamente, mas nunca totalmente), seu próprio campo de trabalho e acesso a ele através de uma formação superior, e que possui uma certa autonomia sobre a execução de suas tarefas e os conhecimentos necessários à sua realização. (TARDIFF e LASSARD, 2005, p. 27).

Entre o que se pode denominar de vocação, ofício e profissão, observamos que este grupo interage coletivamente e se complementa no tocante à formação pedagógica e política, ou seja, ele vem se profissionalizando. Enquanto a mais experiente possui o Ensino Fundamental incompleto, seis delas possuem o Ensino Médio, uma está em fase de conclusão do ensino superior (Pedagogia, Letras ou Normal Superior) e duas já concluíram a graduação.

Como características do grupo em questão, salientamos a apropriação de um saber específico, o uso de metodologias e competências para trabalhar com o desenvolvimento da criança, da comunidade e de si próprio, enquanto profissional da educação.

Observa-se que o trabalho de educadora infantil vai muito além das paredes das creches, atingindo as famílias, a vizinhança, a comunidade, a associação comunitária. Segundo GRAMSCI (1978b),

“cada grupo social, nascendo num terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo e de modo orgânico, uma ou mais camadas de intelectuais, que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e no político.” (GRAMSCI, 1978b, p. 12).

O modo de ser do novo intelectual consiste em tomar parte ativamente da vida prática, como construtor, organizador, “persuasor permanente”, eleva- se a técnica-ciência à concepção humanista da história, “sem a qual se permanece especialista e não se chega a dirigente” (Idem).

Neste estudo, este tipo de intelectual orgânico surgiu e cumpriu um papel fundamental, na concretização da Educação Infantil como direito da criança, trabalho realizado pelas educadoras das Associações Comunitárias. Durante o desenvolvimento do PFSEI entre 1999 e 2004, as Associações receberam todo o financiamento do FCC para fazer a manutenção do atendimento à criança através da Educação Infantil. No entanto, em 2004, a partir da decisão desta ONG de não continuar exercendo a dimensão política de financiar a Educação Infantil, pois esta política social seria dever do Estado, não lhe cabia mais tal responsabilidade, o que provocou profundas modificações nos processos de mobilização política das Associações Comunitárias. Esse momento histórico passou a exigir das Associações Comunitárias o papel de articuladoras de parcerias, junto à sociedade civil e política, a fim de mediar ações na comunidade face às decisões do campo político; enfim, que negociassem com as prefeituras o financiamento da Educação Infantil para as crianças de 0 a 6 anos. Tais educadoras das Associações Comunitárias conseguiram atuar junto às famílias das crianças e aos demais membros das comunidades locais, visitaram órgãos da sociedade civil e solicitaram parcerias, encaminharam propostas às prefeituras, e já conseguiram fazer as mediações entre os diferentes interesses e implementar a municipalização da Educação Infantil nos municípios de Berilo, Chapada do

Norte e Minas Novas. Estão em processo de discussão e negociações para conquistar o direito das crianças à educação os municípios de Franscisco Badaró e Virgem da Lapa. Consideramos que as educadoras das Associações Comunitárias, em razão de todas as lutas encaminhadas, de discussões, de elaboração de propostas, conquista de parcerias, enfim, por todo o processo de organização vivido com a sociedade em busca da hegemonia, também exerceram o papel de intelectuais orgânicos, porque conquistaram o consenso entre a sociedade civil e a sociedade política para concretizar uma luta política dos moradores do campo.

É preciso destacar a importância de uma discussão do papel daquelas educadoras enquanto intelectuais orgânicos, pois formaram-se em conexão com todos os grupos sociais e sofreram elaborações mais amplas e complexas em ligação com o grupo social dominante. Os encontros de formação pedagógica criaram oportunidades de estudo e trabalho, convivência com pessoas e culturas diferenciadas tanto do campo quanto da cidade, o que tornou aqueles momentos ricos para aprendizagens, crescimento profissional e pessoal para as educadoras e também para os assessores. Segundo SANTOS (2005),

“a temática formação docente fundamenta-se em novos pressuposto s que contribuem para a especificação, cada vez mais seleta dos processos de construção da qualidade na educação, principalmente nos primeiros anos de escolarização, com o objetivo de erradicar o analfabetismo, uma vez que o Brasil é signatário de algumas convenções internacionais sobre os direitos humanos, tais como, a Declaração Universal dos Direitos Humanos – ONU 1948; a Convenção Internacional dos Direitos da Criança – ONU 1989 e a Declaração Mundial Sobre Educação para Todos – Jomtien 1990” (SANTOS, 2005, p. 13).

O atendimento em Educação Infantil vem acontecendo tanto na esfera do poder público, inclusive pelos processos de municipalização encaminhados, quanto em creches vinculadas às Associações Comunitárias, às pastorais e às ONGs, com uma qualidade muitas vezes questionável, em que concepção de cuidado e educação, a formação adequada de educadores, a infra-estrutura, etc., descortinam um cenário que reproduz desigualdades sociais que refletem

uma variedade de formas de atendimento, principalmente no campo, como expressam as análises desenvolvidas nesta dissertação.

Os problemas que atingem a escolarização no campo vão além das questões educativas; são também de natureza econômica e social, pois perpassam pela histórica desigualdade entre urbano e rural. Na rede oficial de ensino, não há professores leigos, o que ocorre na rede comunitária. Em pelo menos um dos municípios pesquisados, a oferta de educação infantil é feita majoritariamente por instituições comunitárias, e há a necessidade de promover a formação dessas educadoras. A adequação da escola à vida do campo faz parte de propostas legais – a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), desde 1996 faz esta recomendação, assim como as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, aprovadas em 2001.

Conforme SANTOS (2005),

“pode-se dizer cidadania em construção, que está para além da pró pria concepção de uma cidadania presa ao Estado, mas que se utiliza deste; uma cidadania que se desenvolve a partir da sociedade civil com as particularidades dos grupos e dos indivíduos.” (SANTOS, 2005, p.23)

Assim, ainda segundo essa mesma autora, o direito social implica a conquista da cidadania, ou seja, os direitos sociais estão intimamente ligados à expansão da cidadania e aumentam a capacidade de autonomia dos indivíduos quanto à atividade pública e na esfera da vida privada.

Para DAGNINO (2002):

A redefinição de cidadania, empreendida pelos movimentos sociais e por outros setores sociais na década de 80, aponta na direção de uma sociedade mais igualitária em todos os seus níveis, baseada no reconhecimento dos seus membros como sujeitos portadores de direitos, inclusive aquele de participar efetivamente na gestão da sociedade. (DAGNINO, 2002, p. 10).

Neste sentido, os estudos de Gramsci em relação ao Estado Ampliado auxiliam a compreensão da organização política do Estado brasileiro, tendo em

vista os processos de reivindicações dos vários setores da sociedade civil por seus direitos e a maior participação na vida política do país. É possível, portanto, compreender a construção de uma nova forma de pensar a luta entre as classes, na conquista pelo direito. Evidencia-se, nos processos de mobilização política no campo, que há o fortalecimento da sociedade civil mediante as organizações sociais que manifestam o processo de ampliação do Estado. De acordo com SOARES (2000), o desafio de Gramsci consistiu justamente na tentativa de entender a concepção de Estado, no final do século XIX e início do século XX. Essas reflexões avançaram na medida em que podem ser percebidas novas condições sociais e políticas e quando a economia capitalista amplia seus raios de ação numa política de globalização mundial, a partir dos anos 90.

Muller e Jobert (apud AZEVEDO 2004:58) refletem sobre a relação dialética entre a intervenção estatal e a estrutura da organização social. Enfatizam a amplitude do espaço “político” das políticas públicas, pressupondo- o na dialética entre a reprodução global das sociedades e a reprodução de cada setor específico para o qual se concebe e se implementa determinada política. Neste sentido, as formulações de Muller sugerem uma influência gramsciana:

Ao frisar a dialética entre a reprodução global e a setorial, o autor, de certo modo, está inserindo as políticas públicas numa acepção

“ampliada” do Estado, tal como o concebeu Gramsci: como instância superestrutural que engloba a sociedade política – locus da dominação pela força e pelo consentimento – e a sociedade civil – o lugar desta dominação pelo consentimento (ANSERSEN, 1966 apud AZEVEDO 2004 p.59).

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