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3 PESQUISA DE CAMPO

3.2 RESULTADOS DAS ENTREVISTAS: ALINHAMENTO CONCEITUAL

Conforme observado no Quadro 1 – Sistematização das Definições de Smart contracts desta dissertação, existem quatro espécies de definição para o termo smart contract, são conceitos que envolvem códigos de programação vinculados, ou não, a direitos e deveres; e vinculados, ou não, ao blockchain.

O primeiro entrevistado (ENTREVISTA 1, 2019), ao ser questionado sobre o que seria um smart contract, afirmou que seriam códigos computacionais inscritos nas plataformas de

blockchain, ressaltando a utilização de criptomoedas para transacionar valores e ativos digitais

em redes descentralizadas. Os smart contracts, para ele, “seriam códigos autoexecutáveis dentro de redes de blockchain que permitem inserir regras de negociação” (ENTREVISTA 1, 2019), de tal forma que seja por alguma conduta humana que insere dados na rede, ou por oráculos, são ativados protocolos que geram algum negócio jurídico dentro deste ambiente.

O blockchain, para ele, nada mais é que esta rede, a partir da qual passou a ser possível verificar conjunto de códigos. Complementou, ainda a resposta, (ENTREVISTA 1, 2019) afirmando que

quando se falava nesse termo, não se falava de um contrato de fato. Não, não é um contrato, é um código puro, que executa alguma coisa ao final, uma regra. Essa regra pode ser traduzida em um negócio jurídico, quando alguma coisa está sendo trocada, quando se orienta o blockchain, por exemplo, a retirar criptomoedas de uma carteira, de uma wallet, para outras.

Em sentido análogo ao primeiro entrevistado, o segundo entrevistado (ENTREVISTA 2, 2019) argumentou que os smart contracts necessariamente estão vinculados a uma

blockchain, em sua opinião. Contudo, em contraponto ao outro entrevistado, disse “um jogo

eletrônico simples no blockchain, por exemplo, é um smart contract? Não é. É só um software”. E complementou, “posso, contudo, colocar uma série de transações dentro desse jogo, vendendo itens, por exemplo, que inseririam vários smart contracts lá dentro”.

Percebe-se, portanto, que a definição proposta pelo primeiro entrevistado segue aquelas sugeridas por Caria (2018) e por Christidis e Devetsikiotis (2016), representadas pelas

definições no quadrante superior à direita do Quadro 1, isso é, àquelas definições que vinculam os smart contracts ao blockchain, mas não necessariamente a criação, alteração, manutenção ou extinção de direitos e deveres. Por outro lado, o segundo entrevistado acompanha as definições constantes no quadrante superior à esquerda do referido quadro, que também vinculam a definição dos smarts contracts ao blockchain e, ao mesmo tempo, aos direitos e deveres que a eles estejam relacionados.

Conforme observado, rejeitou-se para todos os efeitos deste trabalho, as definições de

smart contracts que dispensavam quaisquer efeitos jurídicos aos códigos computacionais, em

face ao fato de que não se pode confundir a forma pelo qual referidos negócios jurídicos são manifestados com a sua definição. Argumentou-se, também, que o conceito de smart contracts parecia dispensar a necessidade de vinculação ao blockchain, embora entenda-se que estas bases descentralizadas tenham contribuído para a sua divulgação e acréscimo de potencial dos negócios jurídicos inteligentes (MADIR, 2019).

Nada obstante a isso, ambos os entrevistados demonstraram com suas respostas respaldo acadêmico às definições por eles propostas, sendo que o entendimento sobre smart

contracts do segundo entrevistado aproxima-se daquele adotado por diversas jurisdições ao

redor do mundo.

Em seguida, os entrevistados foram questionados acerca das novas potencialidades que o blockchain trouxe aos smart contracts (2.4.1 Definições de Smart Contracts na Academia e nas Jurisdições Internacionais).

A esta pergunta, o segundo entrevistado respondeu que diferentemente de outros

softwares, o blockchain permite a confiança no código, que é auditável, com regras públicas e

verificáveis; ao sair da rede de blockchain, continuou, a confiança em quem escreveu o

software, bem como na outra parte do contrato, voltam a ser necessária. Citou como exemplo o

serviço de buscas da Google, em que nenhum usuário tem acesso ao código fonte, exigindo uma sujeição do usuário (ENTREVISTADO 2, 2019).

Em sentido análogo, o primeiro entrevistado anotou que no ambiente de blockchain há o sinal distintivo da descentralização, de uma rede p2p trabalhando para dar confiança à rede auditável. Disso, sugeriu o entrevistado, surgiu todo o conceito do blockchain. Por outro lado, afirmou, quando se sai das redes descentralizadas, geralmente se fala de contratos gráficos (ENTREVISTADO 1, 2019).

Estas respostas, também, pareceram ecoar a matéria estudada no decorrer desta dissertação (em especial, ver 2.3.2 Blockchain). Embora nenhum dos entrevistados tenha descrito detalhadamente a forma de funcionamento do blockchain, o que não se esperava, por

não possuírem formação acadêmica em ciências da computação, ou áreas conexas do conhecimento, foram citados alguns dos principais aspectos das redes blockchain, quais sejam: o registro distribuído; e a rede de computadores. Novamente, os entrevistados demonstraram profundidade de conhecimento sobre o tema.

Em seguida, a entrevista tomou rumos levemente diferentes nas respostas dos entrevistados. Ao primeiro entrevistado requereu-se que explicasse o que era um contrato gráfico. Ao segundo entrevistado, que diferenciasse contratos gráficos de contratos ricardianos e de smart contracts.

Assim, o primeiro entrevistado iniciou definindo contrato gráfico como aquele que “permite ao leigo em computação a compreensão dos termos do contrato escrito em linguagem computacional, em geral através de uma interface que auxilia o usuário a saber o que acontecerá em decorrência de cada ação sua” (ENTREVISTA 1, 2019). Em outras palavras, esclareceu, pode-se dizer que o “contrato gráfico é o front-end do smart contract”.

O segundo entrevistado, por sua vez, explicou que o contrato ricardiano é aquele que “está escrito, simultaneamente, em linguagem de máquina e linguagem humana. O robô e o humano olham para o mesmo local e veem a mesma coisa” (ENTREVISTADO 2, 2019). Para ele, o contrato ricardiano auxilia o ‘homem médio’ a entender o que está escrito no contrato, enquanto somente o programador entenderia o que estaria escrito na linguagem de computação original.

Ambos os entrevistados destacaram, contudo, que os contratos gráficos, os contratos ricardianos e os smart contracts seriam, necessariamente, coisas separadas. Enquanto, nas palavras do segundo entrevistado, “o smart contract pode ser só na forma de código […]; o contrato ricardiano o interpreta, para que o humano consiga conversar com o sistema” (ENTREVISTA 2, 2019).

Apesar do termo contrato gráfico não tenha sido explorado no referencial teórico desta dissertação, parece satisfatório designá-lo como a interface legível no vernáculo pátrio, conforme o fez o primeiro entrevistado. Assim, complementando ao afirmado pelo segundo entrevistado, tem-se que os contratos ricardianos seriam os documentos eletrônicos que simultaneamente permitem a leitura por sistemas computacionais e por leigos em computação. Percebe-se, assim, novamente, mais uma compatibilidade entre o alegado pelos entrevistados com a pesquisa realizada previamente (2.3 Contratos Eletrônicos, Contratos Ricardianos e

Encerrando a etapa conceitual, questionou-se ao primeiro entrevistado se os smart

contracts estão necessariamente vinculados à utilização de criptomoedas, ou se é fenômeno

independente desses bens imateriais.

A esta pergunta, ele destacou (ENTREVISTA 1, 2019) a existência de exchanges, ou corretoras de criptomoedas, que facilitam a compra e venda de criptomoedas; explicou que, em geral, os smart contracts utilizam as criptomoedas, mas que ocorrem situações em que, muito embora as partes estejam operando procedimentos automatizados em transações via blockchain, para facilitar a compreensão dos usuários e por motivos contábeis e potencialmente legais, há a aparência de que as transações ocorrem em dólar, em real, ou em outras ‘moedas fiat’, quando na verdade o que está sendo movimentado nos sistemas são as criptomoedas.

Nada obstante a isso, continuou o primeiro entrevistado, ao afirmar que vislumbrava, sim, operações realizadas por smart contracts que não utilizam criptomoedas. Citou o exemplo de smart contract de locação de imóvel em que uma smart lock [maçaneta ou tranca inteligente] responde aos comandos de protocolos no blockchain que permite, ou não, a entrada do locador a depender do adimplemento de prestação mensal em pecúnia; neste caso, pode existir oráculo que informe ao sistema blockchain a regularidade de pagamentos em conta corrente comum de moeda escritural, dispensando a utilização das criptomoedas.

Sobre esta questão, assiste razão ao primeiro entrevistado. Destaca-se, contudo, que os

smart contracts que deixam de utilizar criptomoedas podem perder algumas de suas vantagens

competitivas. Aproveitando-se do exemplo citado das maçanetas inteligentes, caso fosse estipulado que os pagamentos fossem feitos em conta bancária comum, seria possível a realização do estorno dos valores pela instituição financeira, ou ainda, potencial bloqueio dos valores via execução judicial. Isso é, os smart contracts, ao dispensarem as criptomoedas, tendem a tornarem-se mais fracos, seguindo a terminologia proposta neste trabalho, ao referir- se àqueles negócios jurídicos cujos custos de modificação e/ou revogação pelas vias jurisdicionais são suficientemente baixos para que se tornem possíveis.

Em seguida, realizaram-se as questões referentes aos aspectos operacionais e mercadológicos dos smart contracts.