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Resultados para o desenvolvimento social

5 APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E ANÁLISES

5.3 Apresentação dos Casos

5.3.1 Aliança Empreendedora e Cooperativa Vira Lata

5.3.1.4 Resultados para o desenvolvimento social

O impacto pretendido pela Aliança Empreendedora é a geração de oportunidades de trabalho, renda e educação, promovendo melhorias na qualidade de vida e desenvolvimento socioeconômico através da inclusão de pessoas e grupos de baixa renda na economia formal. O fortalecimento das cooperativas de catadores de materiais recicláveis se insere nessa perspectiva, visando qualificar e melhorar a produção e a gestão destes empreendimentos.

Desde que começou a operar, a Cooperativa Vira Lata vem atingindo seu objetivo básico, que é contribuir para a preservação do meio ambiente com geração de trabalho e renda. Embora tenha tido problemas em sua gestão e a continuidade ameaçada ao longo dos anos, a Vira Lata tem mantido um bom nível de remuneração mensal e o valor-hora pago aos cooperados vinha crescendo mensalmente durante o período de realização do estudo – em 2012, passou de R$ 3,30 em janeiro para R$ 4,02 em fevereiro e para R$ 4,16 em março. Isso representa uma renda em torno de R$ 670,00 por 40 horas semanais/mês ou pouco mais de um salário mínimo. Esse valor já foi bem superior e existe a percepção de que o valor atual está abaixo do ideal, embora seja suficiente para suprir as necessidades dos cooperados. A principal meta da cooperativa é aumentar a quantidade de materiais comercializados e, consequentemente, melhorar a remuneração dos cooperados, chegando a R$ 1200,00/mês.

O nível de renda propiciado pela cooperativa fez com que ela se tornasse uma opção de trabalho, não apenas para pessoas desempregadas ou que viviam da coleta de materiais nas ruas e lixões, mas também para profissionais qualificados que trabalhavam em empresas de diversos segmentos, como costureiras, cozinheiras e auxiliares de serviços gerais.Em busca de renda líquida maior, por vezes o dobro, profissionais que saíram do mercado de trabalho convencional e optaram por trabalhar na cooperativa abriram mão da contratação em regime CLT, com todas as suas garantias, benefícios adicionais ao salário, como cesta básica, além da participação no sistema público de seguridade social (INSS). Os cooperados recebem alimentos e roupas, como “benefícios” esporadicamente doados por parceiros comerciais da Vira Lata. Prevalece o entendimento de que o montante financeiro recebido ao final de cada mês, acrescido de doações eventuais, compensa a mudança na forma de contratação, mesmo que esse rendimento seja insuficiente para compensar as garantias sociais e os benefícios perdidos. Neste cenário, é possível identificar a valorização do trabalho no mercado de

reciclagem, e consequente aumento da renda líquida individual, fomentando o desenvolvimento na esfera da riqueza material. Entretanto, esse desenvolvimento vem acompanhado por indicadores de precarização do trabalho, como o abandono de carreiras profissionais, a desvalorização de direitos do trabalhador e a aceitação de que doações filantrópicas, destinadas à cooperativa e aos cooperados, sejam naturais no sistema econômico que caracteriza este campo.

Em outros casos, o trabalho na cooperativa representa a possibilidade de capacitação para uma profissão, o que é fato, sobretudo para os cooperados que estão há mais tempo na Vira Lata e que tiveram possibilidade de ascender a funções mais complexas. O desenvolvimento de competências para comercialização, roteirização, operação de máquinas e coordenação do trabalho pode garantir a estas pessoas oportunidades de emprego inatingíveis antes de participar da cooperativa, e pode representar possibilidades de aumento em sua renda. Esse tipo de indicador associado à riqueza material é, em última instância, a essência do que é buscado pela Aliança Empreendedora, no sentido do desenvolvimento de competências para empreender. Busca-se fortalecer as pessoas que trabalham com materiais recicláveis, criando condições para que possam operar satisfatoriamente as associações ou cooperativas às quais estão ligadas ou para que possam, alternativamente, qualificar-se para outras atividades ou empregos. Para o empreendimento social, o aumento na renda deve ser consequência desse desenvolvimento. Desta forma, o acesso à capacitação profissional oferecido pela Aliança Empreendedora também contribui, por si só, para a promoção do desenvolvimento na esfera do bem estar social.

De modo geral, a coleta de materiais recicláveis é a única opção de trabalho ao longo da vida, ou é a “sina”, conforme relata uma trabalhadora. Segundo ela, a coleta representa, para os cooperados, a possibilidade de sobreviver e acessar bens de consumo para si e sua família. Muitas vezes responsáveis pela renda familiar, esses cooperados alcançaram e procuram manter um padrão de vida digno, que vai desde a possibilidade de comprar os alimentos de que necessitam diariamente, até a construção e ampliação de suas residências. Embora, nestes casos, as evidências apontem para o desenvolvimento na esfera do bem-estar social, verifica- se que estes resultados nem sempre são decorrentes da ocupação na Vira Lata e estão muito mais associados à obstinação pessoal em realizar um esforço de trabalho, ainda que aparentemente os catadores sejam mais bem remunerados ao serem cooperados do que se trabalhassem sós nas ruas ou lixões.

O trabalho na cooperativa é braçal e realizado predominantemente por mulheres, exigindo muita força física – isso tem gerado a intensificação de problemas de saúde de algumas cooperadas. Em sua maioria, essas pessoas desacreditam do sistema público de saúde, pois, embora tenham recorrido a ele em várias ocasiões, não conseguiram diagnóstico e tratamento adequados. Quando possível, pagam por exames e outros procedimentos, visando diminuir os prazos de atendimento que caracterizam o serviço público, os quais poderiam ter espera de até um ano, segundo as entrevistadas. Portanto, o acesso a programas de proteção e promoção da saúde, inerentes ao desenvolvimento na esfera do bem-estar social, praticamente inexiste para estas pessoas.

Os indicadores de melhoria na qualidade de vida, como alimentação, saúde e educação sequer são valorizados por muitos destes trabalhadores, os quais parecem viver unicamente em busca da sobrevivência. Ainda assim, uma trabalhadora de idade avançada atribui à sua condição na cooperativa a oportunidade de desfrutar de mais descanso e de melhor organização da vida diária do que quando coletava materiais nas ruas. Portanto, conceder o acesso a trabalho digno para pessoas de diferentes origens, gêneros e idades é uma forma de propiciar condições que melhorem alguns indicadores de bem estar social das pessoas que ingressam na cooperativa, ainda que isso não seja percebido por todos eles.

A Aliança Empreendedora contribuiu para que a cooperativa propiciasse as condições de desenvolvimento nas esferas de riqueza material e de bem estar social relatadas, ainda que não decisivamente. As evidências indicam que essa contribuição se deu pelo fortalecimento da governança e da transparência da cooperativa, em um contexto de mudança de gestão que facilitou o desenvolvimento, ainda que incipiente, de mecanismos voltados para a eficiência administrativa e autogestionária. A relação entre comercialização e remuneração tornou-se mais clara para os cooperados. Decisões diversas, como a forma mais justa de remunerar as pessoas e aperfeiçoamentos no estatuto da cooperativa também promoveram impactos diretos por parte do apoio oferecido pelo empreendimento social. A organização do trabalho melhorou, assim como o foco na valorização e manutenção de parcerias.

O embrião do associativismo, embora presente nas práticas de gestão atuais da Cooperativa Vira Lata e fomentado pela ação da Aliança Empreendedora, não se traduz em criação de

capital social e político entre os cooperados. Ao contrário, as pessoas demonstram não ter interesse e disponibilidade para envolver-se em atividades que sinalizem o desenvolvimento na esfera do empoderamento, como a participação política e social em instâncias da sociedade civil, em programas governamentais e atividades culturais, por exemplo. O acesso a equipamentos públicos, tidos como ineficientes, é realizado nos patamares comuns à maioria da população: os filhos dos cooperados estão matriculados no ensino público; o acesso a programas de saúde é feito em casos emergenciais ou agudos; a compra destes e de outros serviços é tida como aceitável e realizada quando possível; a moradia é um mérito pela capacidade e pelo esforço de trabalho individual.

Do ponto de vista do desenvolvimento local, a inexistência de indicadores de empoderamento das pessoas para pleno exercício de seus direitos civis revela alguns limites das contribuições que a Aliança Empreendedora, indiretamente, e a Cooperativa Vira Lata, mais diretamente, oferecem para o grupo de pessoas que fazem parte dessa iniciativa. Não se evidenciam contribuições voltadas para promoção e o fortalecimento do capital social e do capital cultural, propostos por Kliksberg (1997, 2007) como importantes alicerces para o desenvolvimento social. Há que se considerar, entretanto, os limites colocados pelos objetivos dos dois empreendimentos e o alcance do projeto realizado em parceria, cujo foco reside na geração de renda para a população. O empoderamento das pessoas seria, então, um ganho secundário da ação, possível e viável, mas ainda pouco explorado.

O “desenvolvimento includente” tal como preconizado por Sachs (2004), tem sido promovido na medida em que os cooperados da Vira Lata têm acesso a oportunidades de emprego e renda, embora esse fato seja desvinculado de políticas distributivas que caracterizam as facilidades econômicas como uma das liberdades instrumentais propostas por Sen (2000). Mas, muito provavelmente por não experimentarem a completa remoção de condições que causam a privação de liberdades, no sentido colocado por Sen (2000, 2007, 2008), essas pessoas não se encontram em condições de, por meio do exercício de seus direitos civis, obterem acesso a serviços públicos de qualidade e fortalecimento do capital social.

No caso estudado, o conjunto de ações realizadas pelo empreendimento social e pela cooperativa resulta em aumento das oportunidades para que as pessoas abrangidas pela iniciativa conheçam a melhoria em alguns indicadores de riqueza e bem-estar, com avanços significativos nas condições de sobrevivência e de qualidade de vida. Entretanto, a

desigualdade no acesso a oportunidades e a assimetria de poder que caracteriza o contexto socioeconômico em que vivem permanecem como fatores que representam barreiras à promoção do desenvolvimento social.