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Embora também tenha feito uso do receituário proposto pelo Consenso de Washington, é importante destacar que mesmo fragilizado pela sua dívida pública e pelo descontrole dos preços, o Brasil somente passou a aplicar as medidas liberais durante o governo de Fernando Collor de Melo, já que até então, pautara seu modelo político e econômico na autonomia do Estado.

Porém, ainda que só tenham se consolidado como receituário dominante na política nacional com a vitória de Collor nas eleições presidenciais, desde os anos 1980 (tardiamente, se comparado ao restante da América Latina), essas ideias já vinham ganhando força no Brasil. Pode-se dizer que alguns motivos contribuíram para esse cenário, dentre os quais o fracasso do Plano Cruzado no controle da inflação, o que reduziu a influência das políticas

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desenvolvimentistas e a pressão do governo americano, liderado por Ronald Reagan, pela abertura comercial (BOITO, 1999).

Esse contexto, somado à vitória de Fernando Collor de Melo nas primeiras eleições democráticas pós-ditadura, disputadas em 1989 contra Luís Inácio Lula da Silva, fez com que as propostas liberais se tornassem muito mais latentes nas medidas do governo, como já vinha sendo sinalizado desde seu discurso de campanha.

Porém, ainda que já apresentasse sinais de aproximação com os EUA e demais instituições internacionais entusiastas do modelo liberal, em seu primeiro ano de governo, Collor (eleito

pelo minúsculo Partido da Reconstrução Nacional – PRN, mas apoiado por outros partidos

conservadores mais importantes, como o Partido da Frente Liberal – PFL) e sua equipe

econômica optaram por medidas de choque que visavam controlar o endividamento externo e os níveis de inflação e que não despertaram grande aprovação dessas instituições, dentre as quais, o FMI.

Ao implementar o plano econômico que levaria seu nome, Collor procurava combater principalmente a dívida externa brasileira e eliminar a inflação com fortíssima e abrupta intervenção do Estado, fazendo-o ainda de forma autônoma e heterodoxa, mas que, se eficiente, proporcionaria ao Brasil melhores condições para renegociação da dívida do que aquelas oferecidas pelo Plano Brady.

No entanto, o Plano não foi bem sucedido, o que obrigou o governo brasileiro a buscar o apoio dos seus credores e do FMI, e, portanto a se submeter às medidas determinadas pelo Consenso de Washington visando tornar-se elegível a obter o alívio financeiro que seria proporcionado pelo Plano Brady.

Como resultado da nova orientação econômica, passaram a ser postas em prática então medidas liberalizantes, como, por exemplo, a abertura comercial (unilateral) semelhante àquela que foi implementada pelo México, porém, executada de forma muito mais intensa e veloz, com a eliminação de barreiras não-tarifárias a produtos estrangeiros e redução das barreiras tarifárias que pudessem ser aplicadas (MORAES, 1999).

Ainda em termos de práticas liberalizantes, Collor se engajou no processo de aproximação comercial com os países do Cone Sul (Argentina, Uruguai e Paraguai) que não apenas previa a desregulamentação desses mercados, como até mesmo uma União Aduaneira que deveria ser concluída em somente três anos (prevista para o final do ano de 1994), sem que os

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governos houvessem tido o tempo necessário para estudar os impactos dessa proposta sobre os setores mais frágeis de suas economias e os novos cenários para competição.

Porém, mais que caracterizado pela ascensão dos ideais liberais no Brasil, o governo Collor também ficou marcado por seu fim prematuro, em dezembro de 1992, após processo de

impeachment sancionado pelo Senado. Além de diversas denúncias de corrupção, dentre as

quais se destaca o caso PC Farias1, a imagem do governo foi continuamente desgastada pela

adoção de medidas impopulares implementadas como tentativa fracassada de conter a inflação mediante o congelamento dos cruzados e as medidas associadas às propostas liberais.

As medidas de combate à inflação do Plano Collor, além de incluírem o congelamento da poupança, episódio traumático para sociedade, resultou ainda em arrocho salarial, elevação dos níveis de preços e baixo crescimento econômico, condições às quais somava-se o conflito de interesses entre diferentes setores da economia, como os representantes da indústria, que criticavam a brusca abertura comercial, e os representantes do setor financeiro, descontentes com a demora na desregulamentação da economia (MARTUSCELLI, 2005).

Foi neste cenário que Collor renunciou ao cargo de presidente, como forma de escapar da pena de inelegibilidade por oito anos, estratégia que não se provou bem sucedida, pois apesar da renúncia, Collor perdeu seus direitos políticos por dez anos.

Com a saída de Collor da Presidência, restou ao então vice-presidente Itamar Franco, agora de volta ao PMDB e ex-Senador por Minas Gerais, assumir o governo pelo restante do mandato de seu antecessor. Na ocasião, a inflação atingia impressionantes 1100% ao ano e durante sua gestão, Itamar trocou o Ministro da Fazenda por quatro vezes.

A gestão de Itamar, que governou o país de 1992 a 1994, foi marcada por relevantes momentos políticos e econômicos: do ponto de vista político, destacaram-se a realização de um plebiscito para votação do modelo de governo brasileiro, em que a sociedade escolheria entre a manutenção do modelo presidencialista ou a adoção do parlamentarismo no Brasil e a manutenção do regime republicano ou a restauração da monarquia em território nacional. A votação ocorreu em 1993 e foi mantida a república presidencialista, modelo vigente até hoje.

1 Paulo César Farias, tesoureiro de campanha do governo Collor, foi acusado de envolvimento em esquemas de

corrupção e preso após fugir do país em 1993. PC Farias afirmou,em 1995, que Collor tinha conhecimento das atividades irregulars praticadas ao longo da campanha e do governo.

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Do ponto de vista econômico, sendo esse o fato mais significativo de sua gestão, tem-se a implementação do Plano Real, desenvolvido com apoio da equipe de Fernando Henrique Cardoso, Senador que havia assumido o cargo de Ministro da Fazenda em maio de 1993. Os mecanismos apresentados pelo Plano Real como forma de conter a inflação que atingia a economia brasileira, bem como seus resultados, serão tratados mais adiante, no capítulo 2 deste trabalho, quando também terá continuidade a análise dos impactos das políticas liberais e desenvolvimentistas sobre a economia brasileira dos últimos 20 anos.

Porém, antes que esse tema seja retomado, nas próximas sessões deste capítulo, serão analisados os principais conceitos do receituário desenvolvimentista, o papel da Cepal no mesmo e sua influência sobre a América Latina e o Brasil.