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5 RESUMO DA ENTREVISTA DE ISADORA E DISCUSSÕES

5.1 RESUMO DA ENTREVISTA DE ISADORA

Isadora nos conta em sua entrevista que desde criança se percebia diferente das outras crianças, diz que não tinha informação de nada diferente do ser menino ou menina, mas que não se enquadrava em nenhuma dessas duas definições exclusivamente. Diz que, por aproximação, se enquadraria no que chamam de menina, pois conta que gostava de colocar a fralda de pano na cabeça para simular cabelo, vestia as roupas e sapatos de sua irmã mais velha e também brincava com seus brinquedos tidos como femininos escondida no quarto. Diz que queria ficar sempre com as meninas e não gostava de brincadeiras que percebia como mais brutas, tidas como brincadeiras de menino.

Conta que foi percebendo que as cobranças sociais, tanto em casa quanto na escola e relações sociais, eram para que ela agisse de outra forma e gostasse de outras coisas. A sua mãe a chamava para conversar para dizer que certos comportamentos não eram de menino e que ela era um menino. Relembra que em alguns momentos a mãe dizia que, se ela não parasse de fazer isso, ela a colocaria vestida assim na rua e, como Isadora sabia que estava fazendo algo considerado errado, ficava com medo do que poderia acontecer.

Depois de um tempo relata que seus pais viram que não teriam como impedir e foram permitindo algumas coisas, mas sempre com certo limite, como deixarem o comprimento do seu cabelo ser mais longo, mas não tanto a ponto de realmente parecer uma menina, diz Isadora.

Na escola os meninos sempre tiraram sarro dela por não querer jogar futebol ou estar junto dos meninos, conta. Faziam piadinha e ela diz que foi administrando isso, ora chorando, ora brigando, ou indo falar com a sua mãe e a sua irmã, que em geral acolhiam- na, mas justificavam o que estava acontecendo como fruto do comportamento dela. Diz que acha natural, pois os pais não tinham ideia do que era a transexualidade, pois na época supunha-se que existia apenas menino e menina e gay e lésbica. E quem saia disso usufruindo de mudanças corporais, eram travestis, conta, e diz que, em geral, estavam ligados a uma visão estigmatizada. Refere ter sofrido bullying desde o pré até o início do ensino médio, como toda criança LGBT.

Até a adolescência refere que tinha uma aparência andrógena e inicialmente achou que era um menino gay. Lembra-se que depois, quando percebeu que além de se atrair por meninos também gostaria de se vestir como uma menina, achou que fosse travesti.

Conta que com o tempo e as idas aos profissionais médicos e terapeutas dos núcleos trans que frequentou, teve contato com a definição de transexualidade e então se identificou com ela. E diz então que acendeu uma luzinha: então se me vejo como menina e me atraio por meninos, eu sou heterossexual. E se eu desejo modificar o meu corpo, eu não sou travesti. Diz que por um bom tempo ficou no conflito se era transexual ou pseudo- hermafrodita, por ter uma alteração cromossômica. Mas diz que no fundo isso não mudaria nada, que ela seria o que ela seria e afirma que os nomes são denominações criadas.

A transição foi um processo lento e Isadora diz que não foi preciso em nenhum momento comunicar a escola oficialmente do que estava acontecendo, refere ter sido um processo natural. Lembra-se que só pediu aos professores de maneira informal que a chamassem apenas de “Isadora” e depois já imprimiram a lista de chamada com o nome solicitado, para que nenhum professor falasse sem querer o nome masculino. A única conversa oficial a respeito deste assunto com alguém da escola, que Isadora se lembre, foi no final do ensino médio, quando ela estava quase 100% menina e a coordenadora a chamou para dizer que alguma pessoa se incomodou que ela usasse o banheiro feminino e pediu que ela procurasse usá-lo em horários de menor movimento.

Isadora refere que em alguns momentos dessa transição sofreu, sim, alguns preconceitos, mas diz ser algo esparso e que tinha seu grupo de amigos e familiares ao seu lado, e então nunca lhe pareceu algo que impossibilitasse a sua ida à escola. Mesmo porque reforça que foi uma transição lenta e que os colegas foram acompanhando o processo, que começou quando tinha 13-14 anos.

Conta que no início ela se arrumava para ir à escola e saía sem seus pais verem, pois sabia que ainda era difícil para eles vê-la se expressando de forma considerada feminina.

Refere que esse momento foi importante até para ela saber se é assim mesmo que queria se apresentar. Lembra-se que depois que foi ficando mais confiante e foi conversando com eles sobre o que realmente sentia, eles perceberam que era algo que não poderiam mais controlar.

Na escola, escolhia os papéis femininos em peças de teatro de que ia participar e, com o tempo, os próprios professores já ofereciam esses papéis a ela, conta Isadora.

Aos 14 anos, refere já ter iniciado a usar hormônios e já começar a ter formas femininas. Fez acompanhamento em diversos serviços que ainda não eram muito centralizados. Conta que passou por acompanhamento em diversos lugares distintos, como em Universidades de Rio Preto, Campinas, e hospitais em São Paulo. Refere que sua lembrança de sofrimento antes da cirurgia era o de angústia em querer modificar o seu corpo e ainda não poder, mas diz que de alguma forma sabia que esse momento iria chegar e era apenas uma questão de paciência e de dinheiro, relembra, pois as filas para fazer a cirurgia pelo sistema público eram extremamente lentas. Isadora refere que não se lembra de ter sofrido conflitos muito fortes nesse momento de espera, de forma semelhante a histórias de pessoas que conhece que tentaram se lesionar, arrancar com as unhas ou alguma parte do corpo. Ela diz que sabia que em algum momento aquilo iria sair e que por ora seu órgão genital tinha apenas a função de eliminar a urina.

Através das informações que foram vindo dos profissionais e também da internet, ela sabia que teria o que fazer e já não ficou mais em sofrimento por não saber quem era. Porém, quando chegou a idade e estava apta a fazer a cirurgia de redesignação sexual, nos conta que o serviço não a chamava pela tamanha lista de espera e, então, começou a ficar angustiada demais, até mais tarde juntar recursos próprios e dos seus pais para conseguir realizar a cirurgia de redesignação sexual por via particular, com 23 anos.

Refere que, após a cirurgia, passou a se ver como uma mulher Cis, a se colocar no mundo como uma mulher Cis e a ficar com medo que as pessoas descobrissem que ela era trans e fosse rejeitada. Diz que na fase final, antes da cirurgia - em que já se expressava como mulher, mas todos ainda sabiam que ela era trans - ela era muito mais segura, namorava, saía e se sentia tranquila com o fato de as pessoas saberem. Mas conta que depois da cirurgia algo aconteceu e ela quis deixar o passado para trás e passou a viver com uma insegurança e medo que antes não havia. A partir daí nunca contou a seus parceiros ou colegas do trabalho que era trans, refere Isadora.

Isadora diz que não tem certeza se as pessoas acham que ela é cis ou se são discretas e não comentam. Mas diz não perceber nenhum preconceito em relação a isso e refere ainda que algumas colegas demonstram considerá-la cis, com perguntas em conversas, como se

ela tem o desejo de engravidar. Conta sobre um dia em que pegou a fila de embarque preferencial no aeroporto, por conta de uma neuropatia muscular temporária e a atendente perguntou de quantos meses ela estava grávida. Por isso em geral acha que as pessoas lidam com ela como uma mulher cis, mesmo. Considera que dizer aos quatro ventos que é trans pode trazer problemas que ela não tem e que, no momento atual de maior conservadorismo, isso implicaria em ter que lidar com o que as pessoas vão entender disto, conta.

Isadora conta sobre como sente falta de ter tido informações sobre questões trans na escola. Diz que demorou muito nessa busca por entender o que ela era e o que não era e relembra o fato de que algumas mudanças físicas podem ser evitadas quanto antes se iniciem as intervenções. Isadora diz que nunca parou de estudar e atribui também a isso o fato de ser bem aceita na sociedade.