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Em relação à primeira pergunta de pesquisa “Que concepções de língua(gem), leitura e avaliação podem ser inferidas a partir da análise das questões da prova de inglês do ENEM?”, foi possível perceber, por meio da análise dos dados, que a avaliação da leitura em LE operacionalizada nessa prova mobiliza predominantemente a decodificação de textos pelos examinandos, sendo perpassada por uma concepção estreita e fragmentada da língua(gem) e associada à uma visão de leitura como extração passiva dos sentidos do texto. Com base nisso, entendemos que o olhar do examinando não é direcionado para além do que está impresso, de modo que ele perceba que os textos da prova não são apenas suportes neutros de fragmentos da língua(gem), como apontado por Luke (2004). Percebemos, também, que o modo como os temas são abordados nos textos da prova de inglês não permite que os examinandos compreendam a relação existente entre a língua(gem) e as diferentes visões de mundo dos indivíduos, em um intricado processo que associa o uso da LE (inglês) às práticas sociais e a questões de poder, identidade e cidadania (DUBOC; FERRAZ, 2011), o que caracteriza um trabalho de leitura como letramento crítico.

Quanto à segunda pergunta que direcionou nosso estudo, “Em que medida os princípios norteadores das OCEM-LE e da Matriz de Referência para o ENEM 2009 se concretizam nas questões dessa prova?”, entendemos que o modo como a leitura em LE foi avaliada na prova de inglês do ENEM não converge com as sugestões das OCEM-LE de a leitura é uma prática social que permite o desenvolvimento da criticidade dos indivíduos por meio do constante questionamento dos textos que lêem, sejam eles verbais, visuais ou multimodais (BRASIL, 2006). Com relação à Matriz de Referência para o ENEM 2009, entendemos que a competência e as habilidades apresentadas pelo documento como necessárias ao examinando para a realização da prova de inglês do exame não são contempladas nessa prova, além de ser evidente a falta de clareza na definição das habilidades

esperadas dos candidatos. Isso exposto, acreditamos que esse documento, dada sua relevância – uma vez que é o principal instrumento norteador da elaboração das questões do ENEM – deveria ser mais explícito no que se refere à prova de LE.

A proposta da Matriz de orientar a elaboração de uma prova que seleciona candidatos capazes de reconhecer a função e o uso social de um texto em LE e que consigam compreender que a produção cultural em LE é representação da diversidade cultural e linguística, não é contemplada na prova de inglês do ENEM. A análise dos dados sugere que essa prova seleciona candidatos que decodificam as palavras do texto, que não precisam considerar os textos que lêem em seus contextos de produção e de circulação, que entendem cultura como sinônimo de estereótipos levantados acerca de determinado povo, região ou país e que, além disso, não precisam conhecer as diferentes variantes da LI. Acrescentamos que a afirmação da Matriz de que o examinando deve ter a competência de conhecer e usar línguas estrangeiras modernas, embora seja vaga e genérica, também não é observada na prova de inglês do ENEM, uma vez que essa prova, ao exigir somente conhecimento sobre a língua inglesa, não avalia a capacidade de uso da língua(gem) dos examinandos.

Além dos aspectos mencionados, enfatizamos que a tentativa de relacionar os conceitos trazidos pelas OCEM-LE à competência e às habilidades que a Matriz de Referência para o ENEM 2009 apresenta como esperadas do examinando para a realização da prova de inglês do ENEM sugere que não há aspectos convergentes entre esses dois documentos.

Com relação ao tema dos textos, por exemplo, as OCEM-LE ressaltam a necessidade de serem abordados assuntos de interesse dos alunos, sinalizando para o trabalho com textos que versam sobre diversidade, cidadania e justiça social e que possibilitem aos examinandos pensar criticamente sobre o que lêem. Já na Matriz de Referência, o tema de um texto só é considerado quanto à sua associação com itens lexicais ou expressões desse texto, sendo apagadas as possibilidades de desenvolvimento da criticidade dos examinandos.

Quanto ao uso de gêneros no ensino de LE, as OCEM-LE, perpassadas pelo conceito de letramento crítico, sinalizam a necessidade de reflexão sobre o uso de diferentes gêneros, em um trabalho que leva em conta especialmente o surgimento de gêneros novos, como o hipertexto e as páginas web multimodais (BRASIL, 2006). O documento propõe, também, que os textos trabalhados no ensino de leitura sejam explorados de modo a contribuir para a ampliação da visão de mundo dos alunos, desenvolvendo sua capacidade crítica, em um processo de leitura que ultrapassa o nível linguístico. Por outro lado, a Matriz de

Referência sugere apenas que a função e o uso social de um texto em LE seja relacionado às suas estruturas linguísticas, em uma prática reducionista e isenta de sentido.

Nas OCEM-LE, a cultura sempre é relacionada aos valores sociais, políticos e ideológicos de um povo, sendo valorizada a formação de um aluno que dialoga com outras culturas por meio do aprendizado de uma LE, sem que seja necessário abrir mão de seus valores (MATURANA, 1999). Esse aluno consegue, ainda, refletir sobre os diferentes valores do que é global e do que é local, sendo possível que a diversidade cultural seja associada não apenas a culturas estrangeiras, em países falantes de outras línguas, mas que também seja estreitamente relacionada à diversidade com a qual convivemos diariamente. No entanto, ao abordar a cultura, a Matriz de Referência afirma que é esperada do examinando a habilidade de reconhecer a importância da produção cultural em LE como representação da diversidade cultural e linguística. Isso mostra que a cultura é tratada de modo vago nesse documento, em uma abordagem que não se aproxima do tratamento que deveria ser destinado às questões culturais inerentes ao processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, à avaliação de línguas estrangeiras.

A análise da prova de inglês do ENEM e dos documentos oficiais a ela relacionados nos permite fazer algumas considerações, de modo a concluir este trabalho.

Acreditamos que a ausência de especificações para a prova implica na dificuldade em explicitar o construto que a fundamenta. Acrescentamos a essa dificuldade o fato, já discutido, de que a teoria que fundamenta a elaboração da prova de inglês do ENEM não é a mesma teoria que direciona o ensino de leitura em LE no nível médio e, tampouco, corresponde às competências e habilidades apresentadas pela Matriz de Referência. Além disso, a tentativa de aproximar as OCEM-LE da Matriz de Referência para o ENEM 2009 – que o MEC/Inep afirma embasar a elaboração do ENEM – mostra que os dois documentos não convergem em aspectos relevantes, como o tratamento destinado aos textos em LE e ao modo como o conceito de cultura é compreendido.

Nessa perspectiva, acreditamos que todo o processo de elaboração da prova de inglês do ENEM deveria ser revisto pelos agentes do MEC/Inep, a começar pela elaboração de especificações consistentes para essa prova, e acima de tudo, coerentes com as teorias contemporâneas que orientam o processo de ensino-aprendizagem de LE (inglês) e sua avaliação.