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SEÇÃO 1 DIÁLOGO PRESENTE NA VIDA DE FREIRE

1.2. Retorno ao Brasil

Em 1978, inicia-se um abrandamento do regime militar instaurado no Brasil, pois o AI-525 fora revogado. Ainda, em 1979 o presidente Figueiredo26 assinou a Lei nº 6683, mais conhecida como a "Lei de Anistia", que anistiou os "crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política" (FAUSTO, 2004/1994, p. 504) e garantiu a impunidade dos torturadores. Entretanto, essa mesma lei proporcionou que várias pessoas, que estavam exiladas, retornassem ao Brasil. Freire só retornaria em 1980, quando teve garantido o direito a sua volta.

Nesse período, o Brasil vivenciava um momento um pouco diferente e a classe trabalhadora parecia estar mais organizada. Não por acaso, nesse mesmo período, se inicia a trajetória da criação do Partido dos Trabalhadores do qual, Paulo Freire fez parte enquanto um de seus membros fundadores. Vale destacar que não se tem registro no Brasil da data de abertura do partido (GERHARDT, 1996, p. 166).

Freire aderiu aos ideários do PT, enquanto passava por São Paulo, devido a sua orientação "o diálogo para a formação dos consensos necessários a transformar a nossa sociedade no sentido de que todos e todas pudessem dizer a sua palavra" (A. FREIRE, 2006, p. 317). Ainda nessa passagem por São Paulo, Freire aceitou o convite para ser professor da Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e pela Universidade de Campinas (UNICAMP), e por conta disso, nunca mais voltaria a morar em Pernambuco.

25 Ato institucional nº 5, anexado à constituição, impedia o habeas corpus das pessoas acusadas de crimes

políticos, instaurava o direito do presidente de fechar o congresso, e instituiu a censura.

Com seu trabalho em São Paulo, Freire conseguiu estabelecer novamente vínculo entre a teoria e prática ao trabalhar em uma organização de educadores(as) chamada VEREDA - "Centro de estudos em educação" que trabalhava na mesma linha do IDAC (GERHARDT, 1996, p.168). Além de participar desse trabalho, Freire era integrante da Comissão de Educação do Partido dos Trabalhadores, onde assumiu diversas funções. Mas cabe ressaltar que a grande paixão de Freire era atuar na docência, trabalho que realizou até o fim da vida. Nessa fase, apesar de estar cansado, por conta da idade continuou lecionando, inclusive porque precisava da renda para seu sustento.

Em 1986, Freire teve que se ausentar das aulas, pois sua esposa Elza havia falecido. Assim, "com o repentino falecimento de Elza, Freire perdeu não apenas sua companhia de existência, amiga e amante, mas também seu otimismo e desejo vitais" (TORRES, 1996, p. 142). Em 1988, Freire casou-se novamente com Ana Maria de Araújo27, amiga da família e ex-aluna, e com ela viveu até o fim de sua vida.

Em 1988, Luiza Erundina foi eleita como prefeita da cidade de São Paulo, e nomeou logo em sua posse, em 1º de Janeiro de 1989, Paulo Freire como secretário da educação. Ele ficou no cargo durante dois anos, ausentando-se em 27 de maio de 1991 para reassumir as atividades acadêmicas e a escrita de livros.

Ao tornar-se secretário, Freire ganhou uma grande responsabilidade, pois São Paulo é o maior município da América Latina. Na época, a cidade contava com "662 escolas com 720.000 alunos, do Jardim de Infância à 8ª série, além de liderar a educação de adultos e o treinamento de alfabetização" (TORRES, 1996, p. 142-143).

Freire teve uma atuação exemplar durante esse período, que demonstrava uma possibilidade e abertura ao diálogo não só em relação a sua proposta política, mas também pedagógica. Ao tratar sobre a importância de transformação da escola, Freire explicita sua preocupação em considerar todos(as) envolvidos(as) no processo educativo:

Mudar a cara da escola implica também ouvir meninos e meninas, sociedades de bairro, pais, mães, diretoras de escolas, delegados de ensino, professoras, supervisoras, comunidades científicas, zeladores, merendeiras etc. Não se muda a cara da escola por um ato de vontade do secretário (FREIRE, 2005/1991, p. 35).

Portanto, nessa visão, para realizar a transformação se deve trabalhar com as pessoas e não para as pessoas. Assim, é possível notarmos que o diálogo e a educação

problematizadora eram as principais bases para a sua atuação política, e também consistiam em sua proposta para a prática diária das escolas:

Proponho e defendo uma pedagogia crítico-dialógica, uma pedagogia da pergunta. A escola pública que desejo é a escola onde tem lugar de destaque a apreensão crítica do conhecimento significativo através da relação dialógica. É a escola que estimula o aluno a perguntar, a criticar, a criar; onde se propõe a construção do conhecimento coletivo, articulando o saber popular e o saber crítico, científico, mediados pela experiência no mundo (FREIRE, 2005, p. 83).

A pedagogia crítico-dialógica aparece como a pedagogia da pergunta, já sendo um reflexo da transformação que Freire sofreu durante os anos no exílio e a fase de reaprendizagem do Brasil. Cabe ressaltarmos que esse é o título de um de seus livros dialogados28.

Assim, sua proposta para a cidade é um reflexo direto dessa experiência, que, posteriormente é sistematizada com a escrita do livro Pedagogia da esperança (FREIRE, 2008/1992).

Conforme explicitado, após deixar o cargo de secretário, Paulo Freire escreveu a obra Pedagogia da esperança (Ibid.), buscando estabelecer uma comparação entre as experiências que o motivaram na época da escrita de Pedagogia do Oprimido (2003/1970) e que o motivaram em 1992 mais de 20 anos depois.

Cabe destacar que os diálogos com os(as) colegas durante a década de 1980, demonstram um profundo reconhecimento de como outras experiências poderiam contribuir com o seu reaprendizado. Esse ponto influenciou a escrita da Pedagogia da Esperança (FREIRE, 2008/1992), pois Freire apresenta como suas experiências anteriores influenciaram a escrita do livro na década de 1960 e como suas novas experiências e diálogos influenciam no seu reencontro com a Pedagogia do oprimido (FREIRE, 2003/1970).

Nesse sentido, a história de vida de Paulo Freire é importante para compreendermos seu caminhar teórico, seu contexto de vida e as experiências que passou na escrita das duas obras analisadas. Vale ressaltar que esse é um recurso utilizado pelo autor em vários livros, como, por exemplo, Pedagogia da esperança (2008/1992), Aprendendo com a

própria história (2010), A sombra dessa mangueira (2010), Pedagogia da indignação e

Educação na cidade (2005). Em todos, ele descreve momentos que vivenciou, relacionando-

os ao desenvolvimento da sua teoria.

A vida de Paulo Freire teve fim em 2 de maio de 1997. Contudo, optamos por encerrar a descrição no momento que escreve a Pedagogia da esperança (2008/1992), objeto de análise da presente pesquisa.

Por fim, no decorrer dessa seção buscamos apresentar alguns momentos importantes na vida de Paulo Freire, momentos estes que influenciaram seu trabalho, seus escritos e, consequentemente, o conceito de diálogo. Na próxima seção, apresentaremos a importância da relação entre o sujeito e o mundo na teoria de Paulo Freire, uma vez que esta considera tanto a ação do sujeito quanto a da estrutura em que ele vive para a transformação social.