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Reunião de alfabetizadores – “crescimento” e “ação”

3 REALIDADE SOCIAL E EDUCACIONAL: ABORDAGENS, DESAFIOS E PERSPECTIVAS DE EDUCAÇÃO POPULAR

3.6 Reunião de alfabetizadores – “crescimento” e “ação”

O acompanhamento da atuação pedagógica dos alfabetizadores era realizado pela coordenação local, estruturada por dois membros: um denominado coordenador, que desenvolvia atividades referentes a estrutura das salas e ao acompanhamento das questões burocráticas do programa, e o monitor pedagógico, que orientava o trabalho nas classes, dinamizava reuniões e, em companhia do coordenador, realizava visitas semanais e/ou quinzenais às turmas. As visitas do professor da universidade objetivavam acompanhar o trabalho do professor/alfabetizador e incentivar os alfabetizandos a permanecer na escola, numa interlocução capaz apoiar o alfabetizadores para ter segurança de sua ação, já que um dos problemas enfrentados, ao longo do processo, era a evasão dos educandos, principalmente dos alunos mais idosos. Esse entrave era freqüente e os alfabetizadores realizavam um trabalho constante de visita às famílias, incentivo e diálogo, para que os alunos continuassem nas escolas, já que nem sempre haviam tido oportunidade de estudar. Para a Secretária de Educação, Tibiriçá de Andrade, esse é um dos diferenciais dos educadores que atuam com jovens e adultos. Comenta ela que

a professora vai em busca, vai buscar em casa e sempre a gente diz isso: “por que o professor vai buscar em casa?” Porque ele sabe se por acaso ele não tiver o número de alunos suficiente dentro de sala de aula ele vai perder, tem essa cobrança, e o outro não, tendo ou não ele recebe. Então por isso que eu acho que existe mais um pouco de dificuldade pra continuar.

O trabalho de incentivo para que o aluno permanecesse na turma possuía dois aspectos que merecem destaque. Um deles apontava para o compromisso do educador que matriculava 25 alunos e possuía a tarefa de concluir o Módulo de cinco meses com o número mínimo de evasão. Destaquei esse aspecto porque, ao longo do trabalho, com os alfabetizadores, a equipe da universidade foi percebendo que deveria trabalhar com a reflexão constante do educador, seus compromissos e sua postura posterior a viagem ao Rio Grande Sul, quando esse voltava ao seu município e tinha que desenvolver um trabalho assíduo e eficaz, mesmo ciente de que poderia ter atraso a Bolsa do Alfabetizador, o que, para grande maioria, era motivo de desinteresse do próprio professor em dar continuidade com sua atuação na classe. Outra questão era o compromisso do próprio educando, que assumia sua condição de aprendente e de sujeito e participava ativamente das aulas. Tendo em vista esse olhar do educador para

cada situação do aluno, havia uma constante reflexão com o grupo de alfabetizadores sobre seu papel e compromisso com a comunidade.

A dinâmica dos encontros com os grupos ocorria semanalmente. Em um turno dialogavam sobre suas práticas e ensaiavam os planejamentos para a semana posterior, oportunidade em que ouviam os colegas e, com o auxílio do monitor pedagógico, realizavam atividades com vistas a superar os principais problemas de aprendizagem. Uma vez por mês, a reunião era organizada pelo professor da universidade que também trabalhava com o Curso de Formação Continuada, qual tinha como principal objetivo qualificar o trabalho docente dos alfabetizadores, já que nem sempre esses tinham a oportunidade de ler e de buscar referências pedagógicas em outros meios. A coordenadora do PAS, no município Marlene Rios, registrou que

os Cursos de Formação Continuada têm muito significado, até porque o professor nunca está formado, ele está sempre em formação e os cursos têm ajudado a refletir melhor, até porque nós não temos ainda uma faculdade pra continuar os estudos, então, é uma continuidade dos nossos estudos esses cursos, nós não estamos parados. Com os cursos faz com que eles tenham a vontade do ler, a vontade do escrever, a vontade do professor assim que buscam, que está lá sempre buscando, então isso também foi um grande incentivo dos cursos, estão sendo aliás.

Nos depoimentos do monitor pedagógico e ex-alfabetizador Agnaldo de Brito, ficou evidente a importância desse contato com o grupo. Para ele, as reuniões pedagógicas que houve e ainda hoje ocorrem foi o grande passo dado além do Curso de Formação. Segundo o monitor, através das reuniões pedagógicas o grupo trocava experiências, integrava-se mais e socializava conhecimentos, sugerindo atividades e enriquecendo o trabalho, através do diálogo que acontecia entre todos os alfabetizadores e momentos de leituras. “Eu acho que é com o estudo, o estudo primeiramente é que nos proporciona isso. E nas reuniões pedagógicas o momento de estudo e um momento de crescimento pra todos nós”, comentou o ex-alfabetizador.

Para o alfabetizador Uilson Pereira do Vale, as reuniões sempre foram de grande relevância. Em suas palavras, salientou sua necessária participação nos encontros, na imagem de alguém comprometido com seu fazer e, por isso, sujeito de sua história.

Participo de todas as reuniões mesmo e, com certeza hoje se eu chegar numa sala de aula sem um planejamento eu não sei dá aula. Eu fico totalmente perdido, é melhor ficar em casa porque eu chegar lá não vou fazer nada e o que, digamos, vou tumultuar na sala. E essas reuniões da gente buscar algumas informações diferentes,

é pra realmente nós nos planejarmos, tentarmos crescermos em cima disso. E aí a gente vai pra nossa localidade né, munidos de materiais, como já foi falado, e com o planejamento a ser adaptado em cada sala. Debatemos nas reuniões e levamos pra ser diversificado em cada área, em cada localidade e em cada sala de aula.

É pertinente destacar que, mensalmente, os alfabetizadores tinham o encontro com o professor da universidade para aprimoramento de estudos e reflexões. As dinâmicas dos encontros advinham de assuntos elencandos pelo grupo de alfabetizadores e pela coordenação. Na visita do mês, o professor questionava qual era o interesse do grupo para dialogar no encontro posterior, assim, tudo o que era de interesse dos alfabetizadores para o momento era trabalhado como um dos objetivos essenciais. Inúmeras vezes eram convidados profissionais, representantes da Secretaria Municipal de Educação e das escolas do município para participar, fato que ampliava a qualidade do trabalho docente, devido à diversidade de experiências que eram dialogadas no decorrer dos encontros, já que discutir temas agregados à formação docente sempre era questão atual.

Em uma outra direção, podemos pensar que somos seres convocados a aprender conhecimentos realizados por outras pessoas, com outras pessoas. Por e com atores da vida cultural situados, como nós, em nossos próprios círculos da vida cotidiana. Ou sujeitos sociais situados em outras eras, em outros cenários e outros momentos da nossa vida diária. Mas sempre pessoas cuja experiência de saber, aprendida e dada aos outros em múltiplos diálogos, nos faculta ingressar em círculos e circuitos do trabalho de conhecer-e-aprender (BRANDÃO, 2002, p. 74).

Vale salientar que a prática docente sem planejamento não se dá com total responsabilidade. O ato de planejar é sempre determinante para que o educador tenha um bom êxito em sua atuação. Os encontros entre os alfabetizadores iniciavam com uma mensagem, então era realizada a reflexão inicial junto ao trabalho e, posteriormente, cada alfabetizador dava seu depoimento compilando informações com ênfase na sua realidade. As falas de cada educador auxiliavam os demais a lembrar de sua realidade e relatar como estava o processo de alfabetização. As reuniões pedagógicas sempre foram momentos válidos, como ressaltou a coordenadora municipal do PAS, Marlene de Oliveira Rios, “discutíamos as atividades planejadas, replanejadas, davam idéia, cada um seguiria uma coisa e a gente tentava adaptar aquilo que foi aprendido lá com a realidade, com a nossa realidade, totalmente diferente”. Os encontros eram momentos de reflexão, de construção e, sem eles, não se imaginava o trabalho a ser desenvolvido na outra semana. A necessidade de planejar a aula era sempre marcante.

Mensalmente, cada alfabetizador era desafiado a atingir determinados objetivos, os quais possuíam os conteúdos de alfabetização aliados aos trazidos da realidade. Tarefa árdua, já que, como assinala Freire e Nogueira (2002), pode ser definida como risco ou como conquista. Risco porque o alfabetizador pode decidir pelos educandos os conteúdos que eles devem saber, roubando deles a autonomia no processo de saber e aprender e, ao mesmo tempo, tal atividade pode ser um mérito quando os educadores descobrem meios pelos quais os educandos e sua comunidade conheçam melhor aquilo que já sabiam.

Outra atividade mensal era a análise do que realizavam para ampliar os conhecimentos daqueles alfabetizandos que não estavam atingindo os objetivos propostos e a partir disso, eram realizados os planejamentos que contemplassem as realidades de cada sala de aula. Os objetivos estavam em compreender a lecto-escrita e fazer uso em seu cotidiano. Por isso, eram trabalhados cálculos matemáticos que faziam os alunos pensarem em ações práticas, como ir à feira, efetuar registros dos produtos vendidos e estabelecer relações com a leitura dos problemas de sua própria comunidade, tendo como exemplo disso, o trabalho de leitura e escrita com os produtos agrícolas que plantavam em cada temporada e os estudos acerca da identidade cultural. No que tange as questões de planejamento, o alfabetizador Uilson destacou que os encontros sempre foram oportunidades de trocas de experiências. Ele salientou que o docente deve ter convicção de seu trabalho, mesmo sem ter experiência, o professor necessita saber o que trabalhar com o educando e buscar por novos conhecimentos, metodologias, pois, segundo o ex-alfabetizador, essa atitude

só vai fazer com que cresça, a sua aprendizagem, sua maneira de ser como pessoa, como cidadão, enfim, de toda a maneira. E isso com certeza agradece o programa porque se não fosse o programa, por exemplo eu não estava participando do curso pró-formação, Por exemplo, hoje eu poderia dizer: não estou com a bagagem que eu já considero que eu tenho, uma determinada bagagem que eu teria, por exemplo, se eu tivesse só no colégio, só estudando aquela área específica.

Para Maria Olívia Dantas, ex-alfabetizadora, o encontro com o grupo era momento importante no processo de construção do conhecimento dela enquanto docente, auxiliando a planejar as atividades para levar às classes, porque “funciona semanalmente onde a gente se reúne aqui pra ver dicas pra um novo planejamento e contar como foi nossas aulas, assim, quais as dificuldades que a gente teve e tentar através delas, melhorar nosso trabalho”. Uma preocupação que sempre emergia do grupo era com os conteúdos a serem desenvolvidos. Isso porque havia dificuldade do alfabetizador em conceber os conteúdos a partir dos saberes dos educandos. As respostas pautavam-se em Freire (1997, p. 110) quando esclarece que esses

aspectos são questões problematizadas pelos alfabetizadores, questionando a função que cabe aos educandos na organização dos conteúdos, “qual o papel, em níveis diferentes, daqueles e daquelas que, nas bases, cozinheiras, zeladores, vigias, se acham envolvidos na prática educativa da escola; qual o papel das famílias, das organizações sociais, da comunidade local?” Portanto, a educação faz-se nas comunidades aprendentes, onde se instaura o aprendizado solidário, e esse não pode ocorrer sem diálogo e sem compromisso com os sujeitos. O diálogo é sempre criativo e re-criativo, ele está presente na aprendizagem, porque ela não ocorre de forma individual, e sim, sucede como movimento de vida, como prática permanente da busca pela libertação.