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Uma reunião entre indígenas, FURG e FUNAI: negociações sobre um processo seletivo

3. A articulação em rede através dos eventos acadêmicos

3.1. Uma reunião entre indígenas, FURG e FUNAI: negociações sobre um processo seletivo

Relato uma das situações que, pelo seu tema central, é cada vez mais conhecida da agenda de articulações dos indígenas. Trata-se da educação universitária para os povos indígenas, fato histórico recente no sul do Brasil, debatido em uma reunião com caráter de assembleia no município de Passo Fundo. Este tipo de acontecimento é parte de um processo de consulta e participação das comunidades indígenas na escolha de cursos regulares de graduação, em que a Instituição de Ensino Superior – IES oferta vagas geradas especificamente para serem preenchidas por indígenas. Estas vagas específicas compõem um edital de processo seletivo, um dos principais elementos de acesso neste tipo de política pública voltada para educação formal de ensino superior.

Na manhã do dia 19 de setembro de 2012, na sala de reuniões do prédio da Coordenação Regional da FUNAI, em Passo Fundo – RS tomava

forma uma reunião entre indígenas, representantes da FURG e da FUNAI. Aos poucos, as pessoas chegavam, e logo se configurou um cenário distinto. Em outras reuniões com o mesmo objetivo, que também tive a oportunidade de acompanhar, havia a presença de famílias inteiras, e também de algumas lideranças. Desta vez, em Passo Fundo, o número de lideranças políticas era expressivamente maior, predominando na reunião.

Figura 3. Seqüência de imagens da Reunião entre indígenas, FUNAI e FURG, na cidade de Passo Fundo – RS (19 de setembro de 2012). Foto: Alessandro Barbosa Lopes

Por sugestão de uma representante da FURG, todos/as se apresentaram. O grupo de pessoas ali reunidas estava formado por lideranças indígenas, indígenas estudantes da FURG, estudantes não indígenas, professores/as indígenas, funcionários/as da FUNAI, membros da FURG, estudantes de pós-graduação e candidatos/as a vagas na FURG.

A dinâmica do encontro consistia em dois blocos. No primeiro, foi apresentado o Programa de Ação Inclusiva, meio pelo qual os indígenas realizam o ingresso nessa universidade. O segundo bloco foi reservado às demandas por parte das comunidades indígenas, preconizadas pelas vozes de suas lideranças tradicionais.

Iniciada a reunião, uma das representantes da FURG fala sobre o Programa de Ação Inclusiva. Partindo de uma visão geral, cita também as ações promovidas para evidenciar a cultura dos/as indígenas universitários para os outros discentes e docentes da universidade, além da comunidade em geral.

A cada fala alguns pontos são destacados pelos membros da FURG no sentido de demonstrar as mudanças do programa. As intervenções por parte das lideranças são feitas freqüentemente, hora no sentido de esclarecer alguma dúvida, hora no sentido de cobrar e discutir algum ponto, tanto no que diz respeito ao acesso, quanto à permanência dos/as indígenas universitários na FURG e, conseqüentemente, na cidade de Rio Grande.

No segundo momento, a presença de não indígenas foi vetada para que entre si, os/as indígenas pudessem debater e decidir em quais cursos a FURG deveria disponibilizar vagas. Posteriormente, a reunião se abriu novamente a todas as pessoas interessadas em participar. Logo, as demandas (entre elas a de cursos) foram apresentadas para o público pelos/as discentes que já estudam na FURG. Sobre estes/as alunos/as é importante mencionar que participantes de forma ativa mantinham uma relação de mediação, porém não se restringiam a isto.

Enquanto grupo, os/as indígenas universitários colocavam em pauta alguns de seus anseios, como a questão do local da prova, por exemplo. Solicitaram e defenderam a mudança do local em que seria aplicada a prova. No primeiro vestibular, a prova foi sediada na cidade de Rio Grande, e nos seguintes, ela passou a ser feita em Passo Fundo e Porto Alegre. Negociaram para que a prova voltasse a ser realizada na cidade de Rio Grande e também em Porto Alegre, com o argumento de que é muito importante para o/a candidato/a à vaga conhecer (se assim desejar) a cidade onde vai morar durante os próximos anos de curso, caso seja aprovado.

Nesta ocasião, o transporte dos candidatos para a cidade de Rio Grande ficou a cargo da FUNAI. Maria Inês Freitas, indígena kaingang graduada em pedagogia pela UNIJUÍ (ROSA;FREITAS, 2003) e funcionária da

FUNAI não deu certeza de que teriam recursos disponíveis para isso, mas assumiram tal compromisso com as comunidades indígenas.

Em seguida, a lista de cursos em que os/as indígenas solicitavam vagas foi apresentada. Algumas opções ainda estavam em aberto, norteadas por dúvidas com relação às formações em Engenharias, por exemplo. Alguns indígenas preferiam vaga no curso de Engenharia Civil, enquanto outros preferiam no curso de Engenharia Mecânica. De forma breve, um dos representantes da FURG fez um maior detalhamento sobre estes dois cursos para que, com mais informações, chegassem a um consenso.

Momentos antes de finalizar a lista de cursos de ensino superior demandados por parte dos indígenas, quando a reunião chegava ao fim, uma das lideranças chama a atenção para outro critério que influencia na escolha de cursos. Segundo este indígena: ―Não vale a pena escolher na FURG curso que a gente tem em outra região!‖. Esta fala não demonstra apenas mais um critério utilizado na escolha de cursos; ela remete à existência de outros

programas semelhantes a este gerido pela FURG, em outras IES do Rio Grande do Sul, como UFRGS, UNIPAMPA e UFSM.

Toda essa performance dos diferentes atores sociais em torno de uma assembléia de negociações e ajustes em um programa de acesso e permanência de indígenas na universidade – neste caso, gerido pela FURG – se empenha na implantação e manutenção de uma nova norma, ou seja, de uma outra possibilidade de escolhas, ao mesmo tempo social e individual, destes indígenas.

3.2. Seminário Educação Superior de Indígenas: balanços de uma década