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3. Estruturas mistas madeira-betão

3.1. Revisão bibliográfica

As estruturas mistas madeira-betão combinam diversas vantagens e qualidades dos materiais madeira e betão e suscitam, hoje em dia, um enorme interesse por parte da indústria da construção. Este interesse tem sido acompanhado pela comunidade científica, de que são prova os inúmeros trabalhos publicados nos últimos anos, com destaque para um State of the Art Report publicado em 1989 por uma comissão internacional, RILEM TC 111 [125]. Depois desse trabalho, muitos outros foram produzidos no formato de teses de doutoramento, abordando os mais diversos aspectos relacionados com as estruturas mistas madeira-betão [41, 42, 60, 61, 98, 131, 132]. Além destas teses, outras publicações e normas constituem hoje referências importantes na abordagem a esta tipologia estrutural [14, 16, 62, 64, 145], emergindo destas o Eurocódigo 5 (Partes 1.1 e 2) [30, 71] e o STEP [9, 10].

As estruturas mistas madeira-betão resultam do uso combinado dos dois materiais, a madeira e o betão, tirando-se o máximo partido das vantagens de cada um, enquanto se tenta evitar os respectivos pontos fracos. Em lajes, adiciona-se ao vigamento de madeira uma lajeta de compressão de betão. Fazendo uma analogia com o betão armado, podemos imaginar os elementos de madeira, de alguma forma, como a armadura de tracção do elemento de betão.

O desempenho da estrutura compósita será tanto mais eficiente quanto maior for o comportamento de conjunto (tracção na madeira e compressão no betão), para o qual as características da ligação entre os dois materiais têm uma importância decisiva. Esta ligação tem a função de transmitir as necessárias forças de equilíbrio entre os dois elementos longitudinais, madeira e betão, produzindo então esforços axiais (compressão no betão e tracção na madeira) resultando numa solicitação de flexão composta. Pelo contrário, caso os materiais se estivessem a deformar de uma forma independente, isto é, sem ligação entre eles, as respectivas secções transversais teriam somente flexão simples.

O comportamento de estruturas mistas é estabelecido entre dois limites. O limite superior – comportamento misto de interacção perfeita, no qual a estrutura tem um só eixo neutro, sendo as extensões nos dois materiais na zona de interface idênticas. Nesta

circunstância, a análise da estrutura pode ser feita pela simples transformação da secção [138]. No extremo oposto a este tipo de comportamento, encontra-se o comportamento misto sem interacção, no qual não existe qualquer transmissão de forças horizontais entre os dois materiais (nem mesmo por meio do atrito). Não existindo qualquer ligação entre os dois materiais, cada um deles possui o seu eixo neutro, não havendo continuidade de extensões na interface entre eles. A existência de alguma resistência ao deslizamento entre os dois materiais na interface permite que a viga mista, quando flectida, beneficie de uma acção conjunta dos dois materiais, ainda que haja algum escorregamento relativo entre eles. Este comportamento é designado por comportamento misto de interacção parcial. O referido escorregamento reduz portanto a eficiência do conjunto, pela diminuição da rigidez de flexão da viga mista.

O comportamento misto de interacção parcial reflecte o comportamento deste tipo de estruturas, não obstante as diversas tipologias de ligação existentes. Contudo, a ligação por colagem directa dos dois materiais já se comporta como estrutura mista perfeita. Os esforços suportados pela ligação são proporcionais ao nível de interacção existente entre os dois materiais.

O interesse em estruturas mistas madeira-betão advém de um conjunto de características interessantes, das quais se destacam as seguintes:

i) Redução do peso próprio da estrutura quando comparada com soluções similares em betão armado (redução das solicitações das estruturas de suporte); ii) Aumento significativo da capacidade de carga e rigidez de flexão da solução

mista quando comparada com soluções de pavimento simples de madeira; iii) Melhoria da resistência ao fogo do pavimento, quando comparada com o de

madeira;

iv) Aumento significativo do isolamento acústico do pavimento em relação a uma solução em madeira simples;

v) Rapidez de construção, em especial quando se usa a estrutura de madeira existente para cofragem da camada de betão;

vi) Potencialidade como paredes pré-fabricadas, pela capacidade de carga no plano da lamina de betão e contraventamento pelos elementos de betão;

vii) Rigidez no plano (efeito de diafragma) suficiente para produzir um possível contraventamento nas paredes e assim melhorar resistência sísmica do edifício; viii) Estética agradável devido à presença visual da madeira na estrutura.

A utilização de elementos mistos madeira-betão com funções estruturais é já bastante antiga, existindo registos de aplicações e patentes que remontam aos anos 30 do século passado [97]. Apesar disso, só mais tarde, a partir da década de 70, é que começaram a aparecer, de uma forma mais frequente, relatos de realizações técnicas e estudos sobre o assunto. Desde então, o número de aplicações, desenvolvimento e investigação desta técnica tem aumentado de uma forma significativa.

A aplicabilidade desta técnica é geralmente associada a intervenções de reabilitação e reforço de pavimentos de madeira [16, 151, 152]. Contudo, o seu uso é igualmente possível noutras condições, como sejam a construção de estruturas novas in situ [111] ou pré-fabricadas [135]. Também em termos de funcionalidade, este sistema é aplicado não só em edifícios do tipo residencial ou comercial [111] mas também em estruturas de pontes [66, 116, 128, 147] o que de facto comprova um enorme potencial deste sistema construtivo.

Em 1970, por exemplo, um relatório Neo-Zelandês [34, 121] apresentava, já de uma forma algo consistente, alguns resultados experimentais sobre ligações mistas madeira- -betão para a construção de pontes rodoviárias, com soluções para a ligação bastante semelhantes às hoje utilizadas. Na Figura 11 apresenta-se um exemplo de uma ponte construída em 1970.

Ao nível da reabilitação de pavimentos antigos, área onde porventura esta técnica tem despertado maior interesse e aplicação, existem várias referências à utilização desta técnica por toda a Europa [122, 151], sendo talvez a mais significativa a de Postulka [120], referindo-se a mais de 10000 m2 de pavimento na antiga URSS desde 1960. Também em pré-fabricação, este conceito poderá ser utilizado com sucesso, existindo já alguns exemplos de aplicação de soluções de pavimentos madeira-betão pré-fabricados [135]. No relatório produzido pela RILEM – TC111 [125] é referida a existência de 9 unidades industriais com uma produção superior a 400000 m2 no ano de 1990. Mais recentemente, foi publicado um trabalho onde se apresentam resultados de diferentes ensaios experimentais que foram realizados sobre elementos pré-fabricados [148]. Também a empresa Finlandesa SEPA Oy, disponibiliza on-line um documento técnico promocional sobre esta solução [135].

Outra aplicação menos comum, mas com alguma experiência em países com risco sísmico significativo com construção tradicional em madeira, consiste na utilização deste sistema estrutural em paredes (shear walls) [14], tirando partido da grande rigidez no plano produzida pela lâmina de betão conjuntamente com o efeito de contraventamento dado pelos elementos de madeira. Neste tipo de estrutura, as solicitações são sobretudo no plano da parede, isto é, permitem a transmissão dos esforços horizontais dos pisos até ao nível inferior da fundação, de uma forma mais eficiente.

Como consequência da diversificada aplicação das estruturas mistas madeira-betão, a maioria dos trabalhos de investigação referidos centra-se na avaliação das propriedades mecânicas do sistema, com especial ênfase na caracterização mecânica da ligação. Contudo, outros aspectos são também alvo de estudo, como sejam o comportamento e resistência ao fogo [58, 61], fluência [131], efeito das diferenças de comportamento higrométrico dos dois materiais [60], o desempenho acústico com diferentes condições [139, 148, 159] e efeitos dinâmicos [59, 96], como exemplos.

Apesar dos vários estudos já efectuados, muitos aspectos de grande importância continuam por abordar ou estão ainda insuficientemente estudados. Como exemplos, podem referir-se o comportamento a longo prazo, os efeitos da diferença de comportamento higrométrico dos dois materiais em condições de serviço muito severas, a utilização de betão de agregados leves ou os aspectos construtivos.