• Nenhum resultado encontrado

4. A MOVIMENTAÇÃO: QUAIS OS TIMES EM CAMPO?

4.2. A revisão dos jogos anteriores

Quando falo de revisão dos jogos anteriores, quero dizer que são os jogos acontecidos em outras variedades do português brasileiro, que não a caravelense. Começarei pelos jogos no Sul do Brasil.

Para o Sul, vou mostrar apenas um dos trabalhos realizados por Cláudia Brescancini (2003), em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina. Neste momento, abordarei os principais resultados das variáveis linguísticas da pesquisa publicada em 2003.

As entrevistas utilizadas no trabalho da referida pesquisadora são provenientes do banco de dados Projeto Varsul (Variação Linguística Urbana na Região Sul do Brasil), com 48 informantes residentes na região urbana do município e 52 residentes nas regiões interioranas45, com total de 25.434 ocorrências de /S/ em posição de coda. Brescancini (2003) definiu, quanto à variável dependente determinada em relação à palatalização da fricativa, as seguintes variantes:

Fricativa Alveolar [s, z]

Fricativa Palato-Alveolar [ʃ, ʒ]

Fricativa Glotal [h, ɦ]

Zero Fonético Ø

Brescancini (2003) aponta que a realização palato-alveolar do /S/ é predominante no dialeto de Florianópolis. Em se tratando de um trabalho de vertente variacionista, todas as variáveis linguísticas se mostraram estatisticamente relevantes para a realização da variante alveopalatal.

Como fator mais favorecedor, temos o contexto seguinte [-voz]. A autora justifica que consoantes [-voz], produzidas com maior esforço que as consoantes [+ voz], têm mais chances de sofrerem processo de palatalização, de maneira geral, produzido com maior energia no momento da articulação.

A segunda variável mais relevante seria o contexto precedente, especificamente, a vogal /a/, pois seria mais elevada e mais recuada na variedade de Florianópolis, além das vogais labiais

45 São três regiões do município de Florianópolis: centro urbano, Ribeirão da Ilha e Barra da Lagoa – distritos

também mais recuadas e, consequentemente, favorecedoras. Quanto aos contextos vocálicos coronais, apresentam-se menos significativos.

De maneira mais ampla, para Brescancini (2003), os contextos que promovem a retração do corpo da língua e o levantamento dela favorecem a produção palato-alveolar. As sílabas pretônicas são mais indutoras do que as sílabas tônicas quando o /S/ assimila o traço [-voz] de um contexto forte seguinte. E a posição medial como maior favorecedora para a disposição da fricativa na palavra.

Apesar de termos um exemplo de variação que abarque uma gama maior de variantes do /S/, algumas considerações são semelhantes em Caravelas. Claro, apesar de mais específico, de modo geral, estou falando do mesmo fenômeno. Os resultados encontrados em Caravelas mostraram as semelhanças com outras variedades do PB, o que me deixa feliz, pois, certamente, conseguirei realizar algumas propostas de generalização acerca do fenômeno, pelo menos no que diz respeito às variáveis selecionadas neste e em outros trabalhos.

Para o Sudeste, há o trabalho de Alzira de Macedo e Marta Scherre, no Rio de Janeiro, com dados oriundos do Corpus Censo, com 64 falantes, gravados pelo Programa de Estudos sobre o Uso da Língua (PEUL). No Rio de Janeiro, assim como em outras comunidades pesquisadas, a posição do /S/ no meio de palavra favorece o aparecimento da variante alveopalatal quando em posição tônica em polissílabos não oxítonos, e em polissílabos não paroxítonos.

Para as autoras, “o sistema tende a bloquear as variantes zero e a aspirada na posição medial, mesmo em palavras em que a alternância não acarretaria mudança de significado” (SCHERRE & MACEDO, 2000, p. 59). Sendo assim, naturalmente, as variantes zero teriam menor possibilidade de aparecerem na posição medial.

Quanto à classe gramatical, as alveopalatais ocorrem com classes que tendem a resistir a processos de enfraquecimento ou de cancelamento, seriam o substantivo próprio, substantivo comum, numeral e verbos. Quanto ao contexto vocálico precedente, os traços [+alto] e [+anterior] tendem a provocar taxas mais altas de palatalização, segundo as autoras, existe uma correlação entre estes traços e o traço [+alto] da alveopalatal, evidenciando um processo assimilatório.

No Nordeste, em Recife, Macedo (2004) estuda a palatalização no falar culto recifense. Seu

corpus foi constituído por 12 inquéritos do projeto NURC46 – Recife. Em sua pesquisa, a autora aponta que a variável sexo se mostra ser a mais significativa para favorecimento da produção alveopalatal na capital pernambucana com predominância das mulheres. Uma das variáveis linguísticas selecionadas foi o contexto fonológico seguinte com mais influência dos segmentos coronais na realização palatalizada.

O traço [-voz] do contexto seguinte fonológico seguinte se mostrou como o que mais favorece a ocorrência palatalizada. Quanto à posição da sílaba, a coda medial também se mostra estatisticamente relevante para a palatalização.

No trabalho de Hora (2003), em João Pessoa, capital do estado da Paraíba, com relação às variáveis sociais, foram selecionadas a faixa etária e os anos de escolarização. Os resultados de Hora (2003) indicam que há uma equivalência nas tendências, pois foram encontrados níveis de significância similares para duas faixas etárias, entre os mais jovens e os mais velhos. Os da faixa intermediária favorecem ligeiramente a palatalização em relação à tendência similar das outras duas faixas etárias.

Para os anos de escolarização, segundo Hora (2003), os universitários são responsáveis pela inibição da variante palatalizada com peso de (0.43), enquanto que indivíduos com menor nível de escolarização favorecem a palatalização. Conforme o autor, à medida que os anos de escolarização aumentam diminui a aplicação da regra de palatalização, muito embora a variável não apresente efeitos muito fortes.

Quanto às restrições linguísticas, os resultados de Hora (2003) mostram que o contexto fonológico seguinte se mostra como o mais significativo de todas as restrições: as coronais [t] e [d] se revelam como fortes favorecedoras para a palatalização das fricativas /s, z/; ao passo que as dorsais e labiais a desfavorecem. Segundo o autor, isso permite concluir que estão diante de um processo dissimilatório, mas que seria analisado posteriormente. Em João Pessoa, a palatais [ʃ] e [ʒ] parecem estar em quase distribuição complementar, pois, segundo Hora (2003, p. 82), estão fortemente condicionadas ao aparecimento de [t] e [d] seguintes.

Por último, a categoria gramatical foi selecionada como estatisticamente relevante, sendo os verbos um pouco mais favorecedores da palatalização. Para Hora (2003), o verbo é a categoria mais favorável para a palatalização pelo fato de também algumas formas verbais serem mais

46 O Projeto Norma Urbana Culta (NURC) levantou dados de fala de informantes com Ensino Superior de cinco

frequentes no corpus, verbos como ‘estar’, existir’ e ‘estudar’. O autor apoia-se na ideia de que itens menos frequentes são os que mais resistem às mudanças foneticamente motivadas.

No Norte do Brasil, em Macapá, no estado de Amapá, apresento o trabalho de Monteiro (2009). O corpus foi coletado do Projeto Vozes do Amapá, que é constituído por 35 informantes. A produção alveopalatal também é superior à alveolar. As mulheres também utilizam mais as variantes alveopalatais.

A variável posição da fricativa na palavra não foi selecionada como estatisticamente significativa. Como contexto consonantal seguinte, as consoantes dorsais e coronais tendem a favorecer a palatalização. Em Macapá, os falantes mais jovens favorecem a produção alveopalatal, enquanto que os falantes mais velhos a inibem.

Por último, apresento os resultados de Callou, Leite & Moraes (2002), cujos dados foram extraídos do corpus do projeto NURC, com 9026 ocorrências de /S/. Os falantes foram estratificados por idade, sexo e origem geográfica. Para as cinco capitais, com dados apenas em posição medial, o sexo e a faixa etária se mostraram relevantes estatisticamente. No Rio de Janeiro, há altos índices de palatalização, por volta de 90%. Em tempo aparente, há uma curva de mudança no sentido de perda da regra. Em Recife, os resultados apresentam um padrão de curva de variação estável, também com altos índices de palatalização, 85%, onde homens e mulheres mostram uma extrema polarização.

Os dados de Salvador revelam que há um equilíbrio da realização palatalizada e alveolar, 53%, com uma curva de mudança em favor da palatalização. Nos dialetos do Sul, a realização alveolar predomina, a palatalização em Porto Alegre ocorre em 23%, e em São Paulo é insignificante, com 09%. Em SP, a palatalização ocorre apenas entre os homens com mais de 56 anos. Em Porto Alegre, há um contraste entre homens e mulheres: as mulheres da segunda faixa apresentam a variante palatalizada quase categoricamente, e os homens, a alveolar.

Callou, Leite & Moraes (2002) concluem afirmando que a palatalização parece se tratar de um caso de mudança que dependeria diretamente da imitação de uma pronúncia supostamente de prestígio, comportando-se de maneira diversa, não se sujeitando a tendências universais.

Bom, estou encerrando este capítulo e, no próximo, vou analisar os resultados. Finalmente, vou apresentar com mais detalhes o que realmente acontece na variação em Caravelas. Discuto quais as variáveis foram as mais relevantes estatisticamente, assim como relaciono quais delas não

foram selecionadas. Fique ligado! Logo mais você saberá em detalhes o que realmente está acontecendo em Caravelas.

5.

VENDO OS RESULTADOS: AS DISCUSSÕES E COMENTÁRIOS