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3. Elaboração e interpretação de regras num grupo de crianças de jardim de infância

3.2. Revisão de literatura

Neste capítulo serão desenvolvidos os motivos pelos quais se revela importante o desenvolvimento de capacidade de autorregulação, relacionando-a com o cumprimento e respeito pelas regras definidas com um grupo de crianças de Jardim de Infância. Como tal, irei analisar aprofundadamente a influência da autorregulação no cumprimento de regras, bem como a importância da definição e implementação de regras em Jardim de Infância.

Em primeiro lugar, é importante definir o conceito de autorregulação e o modo como este se desenvolve, percebendo que existem diferentes perspetivas sobre este assunto. No entanto, há um aspeto em comum entre todos eles: a importância da autorregulação no desenvolvimento das crianças (Linhares & Martins, 2015). Por este motivo, é cada vez mais relevante que pais e educadores tomem consciência da importância da promoção de comportamentos de autorregulação nas crianças.

Este conceito de autorregulação pode ser definido, de acordo com Linhares & Martins (2015), como a capacidade do indivíduo controlar as suas emoções e comportamentos perante estímulos positivos ou negativos. Para além disso, de acordo com Cordeiro (2015), este conceito relaciona-se com a capacidade de autocontrolo, que consiste em refletir antes de agir, adequando assim a resposta à situação. Contudo, tal como referido por Cole & Cole (2004), a autorregulação também se relaciona com a “capacidade da criança agir de acordo com as expectativas dos adultos, mesmo quando não quer ou não está acompanhada dos mesmos.” (p.27). Estes pressupostos permitem considerar que a autorregulação consiste, então, na capacidade de a criança regular as suas emoções, sentimentos, impulsos e desejos sem a ajuda de um adulto.

No que diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de autorregulação, Cole & Cole (2004), defendem que esta consiste sobretudo em inibir impulsos. Estes autores utilizaram a perspetiva defendida por Eleanor Maccoby (1980), acreditando na existência de quatro tipos de inibição: a inibição de movimentos (em que a criança deverá conseguir perceber quando terminar com determinado comportamentos), a inibição das emoções (em que a criança deverá ser capaz de controlar a intensidade das emoções), a inibição das conclusões (em que a criança deverá conseguir refletir sobre um assunto ou tarefa antes de dar uma resposta ao mesmo) e a inibição da escolha (em que a criança deverá revelar-se capaz de esperar pela gratificação).

26 Desta forma, tal como Linhares & Martins (2015), é importante existir um mediador neste processo de autorregulação, ou seja, de um corregulador que ajude e apoie as crianças nos processos de regulação. Além disso, este papel de corregulador cabe não só ao educador, como também às famílias das crianças. Isto porque, é através da observação do adulto que a criança consegue compreender quais os comportamentos socialmente aceites e quais os menos adequados.

Ainda a respeito do desenvolvimento da autorregulação, a criança começa por desenvolver comportamentos pro-sociais a partir da observação dos adultos, revelando- os, nomeadamente, através das suas brincadeiras (jogo dramático) e das relações entre pares, revelando empatia (Fernandes, 2012). Para além disso, a autorregulação também está relacionada com o desenvolvimento emocional da criança, uma vez que, para que a criança compreenda e respeite os sentimentos dos outros deverá, primeiramente, compreender e saber gerir as suas próprias emoções (Brazelton e Sparrow, 2013). Para que as crianças sejam capazes de controlar as suas emoções e serem, consequentemente capazes de autorregularem, de acordo com Cole & Cole (2004), necessitam de competências socio emocionais como as propostas por Carolyn Saarni (1999): o conhecimento das suas próprias emoções; a capacidade de refletir acerca das emoções dos outros; a capacidade de expressar verbalmente as suas emoções e a capacidade de se envolver, com empatia, com as emoções dos outros.

O desenvolvimento da autorregulação parece resumir-se, então, em três aspetos: a capacidade de controlar impulsos e emoções, a capacidade de compreender quais os comportamentos socialmente adequados (comportamentos pro-sociais) e a existência de um adulto de referência que apoie a criança ao longo destes processos (desempenhando o papel de corregulador). A importância do desenvolvimento de competências como a autorregulação relaciona-se com facto comprovado pela literatura que indica “a existência de benefícios na aprendizagem, bem como de resultados de sucesso escolar e académico.” (Cleary & Zimmerman, 2004, citados por Piscalho & Simão, 2014, p.75).

Um outro conceito relacionado com a autorregulação relevante para a temática é a autorregulação da aprendizagem, pois tem um papel importante no desenvolvimento da criança, na medida em que permite que esta “se conheça enquanto aprendiz e que avalie as exigências de cada tarefa, para que possa mobilizar os conhecimentos necessários para a sua realização, de um modo flexível e ativo.” (Piscalho & Simão, 2014, p.75). Para além disso, uma criança que revele uma aprendizagem autorregulada

27 revela ter competências para aprender de forma eficaz (Dignath et al., 2008, citado por Piscalho & Simão, 2014). No entanto, no decorrer da investigação-ação, este não foi o meu principal foco de intervenção.

De acordo com Veiga & Fernandes (2012), “A criança começa a desenvolver mais competências para controlar os seus comportamentos de exteriorização, descobrindo novas formas de expressar as suas emoções, pensamentos e desejos, sem ter que recorrer à agressão.” (p.536). Por este motivo, será importante que o adulto apoie a criança durante todo o processo de autorregulação, a partir do momento em que esta revele competências de autocontrolo dos seus comportamentos e emoções. Nesta fase torna-se também importante definir regras com a criança, na medida em que as regras podem ajudá-la a autorregular-se. Como tal, o adulto está a proporcionar às crianças estratégias e formas de se autorregular ao definir com estas regras que exijam: planificação de ações, esperar sua vez de intervir, de receber uma gratificação ou a resolução de conflitos através do diálogo, por exemplo.

É importante que as crianças sejam envolvidas neste processo de elaboração e de definição de regras, isto porque “A participação democrática das crianças na vida do grupo é, portanto, fundamental para a formação pessoal e social das mesmas.” (Montês, Gaspar & Piscalho, 2010, p.43). Assim, de acordo com Montês, Gaspar e Piscalho (2010), ao participarem na elaboração e negociação de regras, como as regras da sala de atividades, as crianças irão compreendê-las melhor, o que irá permitir que, posteriormente, se tornem capazes de as aceitar.

Para além disso, ao apoiar as crianças na elaboração e discussão de regras da sua sala de atividades, o educador estará a promover, não só o bom funcionamento do grupo, como também irá estar a permitir que crianças vivenciem valores democráticos como a justiça, a responsabilidade e cooperação (Montês, Gaspar & Piscalho, 2010). Desta forma, as crianças irão aprender que a vida em grupo, por vezes, exige “o confronto de opiniões e a resolução de conflitos”, o que lhes permite descobrir diferentes perspetivas e valores que devem ser discutidos e negociados, provendo assim “atitudes de compreensão e tolerância para com os outros.” (Montês, Gaspar e Piscalho, 2010, p.43-44).

Segundo Devries e Zan (1998), citados por Montês, Gaspar e Piscalho (2010), não só é importante envolver as crianças na tomada de decisões como se torna, realmente, necessário, visto que contribui “para uma atmosfera de respeito mútuo, na qual os professores e crianças praticam a auto-regulação e cooperação.” (p.46). Além

28 disso, tal como estes autores, creio que, ao estabelecermos regras com as crianças, estamos a permitir que estas se tornem, também, autónomas pois estamos a construir em conjunto estratégias que lhes permitem saber como atuar e agir em diversos momentos.

Desta forma, segundo Vinha (2001), citado por Montês, Gaspar e Piscalho (2010), as regras, após serem estabelecidas e implementadas, não devem dirigir-se e serem apenas respeitadas e cumpridas pelas crianças, o adulto deverá fazer o mesmo, uma vez que se trata não só de uma questão de justiça, como também se deve ao facto de este ser um modelo e uma referência para as crianças.

Deste modo, ao existir uma relação de reciprocidade e respeito entre o/a educador/a e a criança, facilita o processo de regulação autónoma e voluntária do comportamento por parte da criança, o que permite desenvolver o relacionamento autónomo e cooperativo entre ambos, uma vez que “o adulto ao afastar a autoridade desenvolve nas crianças sentimentos morais e convicções, que as levam a tomar decisões.” (Montês, Gaspar & Piscalho, 2010, p.44).

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