2.1. Produção de leite A deterioração dos alimentos é um problema que gera prejuízos econômicos em níveis mundiais. Por meio da atividade microbiana, aproximadamente, um quarto da oferta mundial de alimentos é perdida (Huis, 1998). Neste contexto, o leite é um alimento rico em nutrientes e um excelente meio de cultura para vários microrganismos (Ruegg, 2003; Rajagopal et al., 2005; Fox, 2009). Por tal razão, é facilmente contaminado, caso não sejam considerados os devidos cuidados. O leite é um material biológico extremamente complexo, com vários níveis de grupos de constituintes de importância nutricional e tecnológica. É também um sistema dinâmico e extremamente sensível a mudanças nas condições ambientais, como por exemplo, temperatura e pH. Alterações devido à manipulação destes parâmetros têm sido exploradas durante séculos com a finalidade de produzir grande variedade de produtos lácteos (Huppertz & Kelly, 2009) entre os quais bebidas lácteas, queijo, manteiga, leite em pó, leite concentrado, produtos lácteos fermentados, sendo que alguns destes produtos apresentam grande diversidade, como o grupo dos queijos com mais de 1.400 tipos (Fox, 2009). A qualidade e a segurança do leite e dos produtos lácteos estão diretamente relacionadas com a matéria-prima e seu grau de contaminação por microrganismos e resíduos químicos e físicos (Murphy & Boor, 2000; Vissers & Driehuis, 2009). A produção de leite de alta qualidade e baixa contagem microbiológica tem início na unidade produtiva e envolve vários fatores relacionados com os animais, ambiente, higiene e equipamentos (Elmoslemany et al., 2009). As principais fontes de contaminação são provenientes do ar, do exterior do úbere, dos equipamentos de ordenha e dos tanques de armazenamento (Bramley & McKinnon, 1990; Murphy & Boor, 2000; Coorevits et al., 2008; Elmoslemany et al., 2009). A falta de instalações de refrigeração, o meio de transporte inadequado (Murphy & Boor, 2000; Asaah et al., 2007; Elmoslemany et al., 2009) e a água usada na limpeza dos equipamentos de ordenha (Bramley & McKinnon, 1990; Elmoslemany et al., 2009) também contribuem para a contaminação. Muitas vezes, a presença de microrganismos no leite surge como um dos principais problemas de saúde pública. Nero et al. (2009) estabeleceram uma relação entre práticas higiênicas de ordenha e a qualidade microbiológica do leite. Os autores verificaram como reflexo destas práticas, baixas contagens de microrganismos aeróbios mesófilos e psicrotróficos. Observaram ainda, que a refrigeração representa uma importante ferramenta para manter a qualidade do leite. Nos mercados, nacional e internacional, a produção de alimentos é influenciada, constantemente, pelos reflexos da percepção dos consumidores. É crescente a demanda por alimentos de alta qualidade, seguros e livres de resíduos (Santos, 2007). Neste contexto, a segurança dos produtos lácteos pode ser reforçada por meio da adoção de um conjunto de práticas de gestão (Ruegg, 2003), entre as quais a conscientização dos agricultores em relação às práticas de higiene (Ruegg, 2003; Vissers & Driehuis, 2009). 2.2. Produção de queijos artesanais Na Europa (França, Itália e Suíça, principalmente), são produzidos, anualmente, cerca de 700 mil toneladas de queijos fabricados a partir de leite cru e de maneira artesanal. Isto representa cerca de 10% da produção total de queijo da União Européia e Suíça, apresentando grande importância social e econômica em vários países europeus. Os queijos destes países possuem muitos anos de tradição. São produtos locais importantes para a evolução das comunidades rurais (Beuvier & Buchin, 2004). No Brasil, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Queijo (ABIQ), o mercado informal de produção de queijos representa 40% do total. A produção informal, no ano de 2006, foi de 380 mil toneladas (SEBRAE, 2008). Segundo Ide & Benedet (2001); Nassu et al. (2001); Guerra & Guerra (2003); Nassu et al. (2003); Carvalho et al. (2005); Carvalho (2007); Brant et al. (2007); Bruno & Gasparin (2009); Zegarra et al. (2009) existe a preocupação na preservação dos queijos artesanais, pois muitos deles são referências culinárias regionais e representam importante fonte de renda para o pequeno produtor. A produção de queijos artesanais na região Nordeste do Brasil existe há mais de 150 anos e muitas propriedades ainda mantêm um sistema tradicional de produção (SEBRAE, 2008). Os queijos são, em geral, produtos muito manipulados e, por este motivo, passíveis de contaminação, especialmente de origem microbiológica. Estas condições podem ser agravadas quando se processa o queijo com leite cru e sem o emprego de boas práticas produtivas e de tecnologia adequada (Pinto et al., 2009). Trabalhos científicos, avaliando os queijos artesanais brasileiros, têm demonstrado diversos problemas relacionados à qualidade microbiológica e físico-química dos mesmos (Ide & Benedet, 2001; Feitosa et al., 2003; Nassu et al., 2003; Machado et al., 2004; Duarte et al., 2005; Borelli et al., 2006; Brant et al., 2007; Rossi et al., 2007; Zaffari et al., 2007; Santana et al., 2008; Pereira et al., 2008; Diniz et al., 2009; Lima et al.; 2009; Pinto et al., 2009; Komatsu et al., 2010). As falhas na aplicação de boas práticas agropecuárias e de fabricação, a utilização de matéria-prima de baixa qualidade e a produção sem condições higiênico-sanitárias apropriadas são alguns dos fatores que comprometem a qualidade dos queijos artesanais. 2.3. Produção de Requeijão do Sertão No Estado da Bahia, a produção de requeijão, a partir de leite cru, é uma atividade tradicional em vários municípios, apresentando importância para a economia e identidade sócio-cultural da região, além de ser uma das principais práticas geradoras de renda para pequenos produtores de leite. O requeijão é um queijo tipicamente brasileiro e de fabricação caseira. É uma forma de aproveitamento do leite coagulado devido à ação da microbiota lática autóctone. Historicamente, trata-se de um produto originário de antigas regiões produtoras de creme para a fabricação de manteiga, que era o derivado mais valorizado do leite. Nessas regiões, o leite desnatado, considerado um subproduto, era deixado coagular, espontaneamente, para obtenção da massa que era, então, transformada em requeijão, e este era consumido na própria unidade produtora (Dender, 2006). O Requeijão do Sertão produzido artesanalmente é elaborado a partir de leite cru integral com fermentação natural, sem adição de fermento lático e nem de coalho. O sabor (característica essencial) é condicionado às variações naturais do leite, em função da microbiota autóctone, raça e alimentação do gado, região e clima. A gordura, proveniente de manteiga derretida, é adicionada à massa na etapa final de fabricação. Este produto possui elevada resistência quanto à conservação, devido ao binômio tempo/temperatura empregado na fabricação (80 ºC por 15 a 20 minutos) e à baixa atividade de água. Possui formato cilíndrico ou retangular e peso variável entre 1 e 15 kg. O corte do requeijão é realizado conforme o desejo do consumidor. Sua cor varia do branco-palha ao caramelo. O produto possui casca rígida e oleosa, consistência semidura à seca, textura macia, massa fechada ou com pequenas olhaduras mecânicas e grande presença de manteiga quando se efetua o corte. A comercialização do Requeijão do Sertão é realizada à temperatura ambiente e seu consumo é imediato, não havendo armazenagem refrigerada. O produto tem participação considerável na economia da microrregião, fazendo parte da renda dos produtores de leite, principalmente, daqueles que não têm acesso às usinas de beneficiamento. Geralmente, os fabricantes de requeijão não são necessariamente produtores de leite, assim, dependem diretamente do fornecimento de terceiros (Nassu et al., 2001; Nassu et al., 2003). Além disto, estes não utilizam tecnologias apropriadas de produção. Neste contexto, verifica-se uma necessidade de aperfeiçoar o processo de fabricação do Requeijão do Sertão para melhorar a qualidade do produto, sem promover a sua descaracterização, pois o mesmo, obtido tradicionalmente, é possuidor de grande popularidade (Nassu et al., 2003). O objetivo do trabalho, portanto, foi diagnosticar e caracterizar a cadeia produtiva do Requeijão do Sertão em unidades de produção familiar, nos 18 municípios da Microrregião de Guanambi, Bahia, identificando os pontos de contaminação e proliferação microbiana. No documento Requeijão do sertão fabricado na microrregião de Guanambi, Bahia: características físico-químicas, microbiológicas e de produção (páginas 53-57)