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CAPÍTULO 2: Porquê as revistas literárias

2.3. Revistas literárias em Itália durante o fascismo

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A história das revistas literárias é uma parte fundamental da história da literatura italiana do século XX e em alguns momentos atingiu uma tal importância a ponto de, hoje em dia, se fazer referência a alguns períodos denominando-os “os anos de” uma ou outra revista. Os periódicos literários, como meio privilegiado de luta artístico-política dos intelectuais, encontravam-se muitas vezes em conflito com os canais tradicionais de difusão cultural. Um estudo aprofundado dos conteúdos destas revistas permite-nos compreender a percepção de si mesma que tinha a cultura italiana naquele momento específico. Uma história das revistas literárias do século XX foi elaborada por vários investigadores e em todos estes estudos não foi possível prescindir da constatação da profunda relação existente entre a produção literária e a situação política que se sucedeu ao longo do século. Este estudo debruça-se sobre o que ocorreu nos anos do fascismo, em particular. Acerca deste período existe o estudo de Giuseppe Langella, Il secolo delle riviste (Langella 1982), que nos dá uma panorâmica geral sobre os tipos de revistas fascistas e antifascistas publicadas na época, concentrando-se nas relações entre elas e a política do regime, tal como as polémicas culturais que as caracterizaram. Existe também o interessante estudo de Elisabetta Mondello (Mondello 2012), Periodici e giornali letterari del Novecento, que propõe uma história pormenorizada das publicações periódicas e da sua importância nas diferentes fases que o país atravessou ao longo do século XX. Pouco estudado foi o problema da relação que existiu entre a produção literária ou periódica e a censura. Este problema, mais do que ideológico ou relativo a posições políticas, é sobretudo um problema prático. Há uma grande dificuldade de acesso aos arquivos italianos. Muitos encontram-se em estado caótico desde o fim da Segunda Guerra Mundial, com a agravante de muitos dos arquivos do fascismo terem desaparecido ou mesmo sido destruídos. Por esta razão os estudos que se ocuparam da censura foram feitos, na maior parte dos casos, a partir

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de testemunhos directos, nomeadamente memórias pessoais dos sobreviventes. Guido Bonsaver (2007) foi um dos primeiros estudiosos a conduzir uma pesquisa sobre a censura, partindo da recuperação quer das fontes directas nos arquivos institucionais quer das várias editoras activas durante o fascismo. O contributo deste novo estudo permitiu compreender melhor quem eram os censores e como funcionava o aparelho censório. A pesquisa de Bonsaver é útil sobretudo porque nos dá uma panorâmica ampla daquela que era a totalidade das estratégias opressoras do regime, entre as quais se inseria a censura. Percebe- se assim que a censura não era uma máquina monolítica e bem coordenada, sendo sobretudo um aparelho de controlo com uma forte ordem hierárquica que visava à fascização da Itália e que sofria muitas vezes de descoordenação, dispersão e ignorância. Além do texto de Bonsaver, existem outros estudos anteriores sobre este assunto, entre os quais se destacam a obra de Cannistaro (1975) e de Maurizio Cesari (1978). É costume reconhecer três fases na história da censura: uma primeira, que vai de 1922 até 1933, fase de instalação da ditadura, em que qualquer forma de oposição directa era proibida e toda a discordância manifesta era suprimida e punida. Neste período, o governo estreitou a sua relação com as instituições tendo em vista o controlo completo da sociedade. Houve assim controlo sobre o ensino e a escola, reformulando ideologicamente os livros escolares e obrigando os professores ao juramento de fidelidade ao regime. Foram fundadas instituições fascistas de cultura e de organização dos jovens, além de concursos literários e intelectuais. A juventude universitária foi toda reagrupada nos GUF (grupos universitários fascistas) e todo o tipo de protesto foi suprimido ou marginalizado. Os anos que vão da Marcha sobre Roma (1922) até à eliminação de qualquer partido de oposição (1926) ficaram na história pelas ameaças, provocações e prisões, pelos exílios e até assassínios de Estado (Giacomo Matteotti, em 1924, Piero Gobetti e Giovanni Amendola, em 1926). O

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controlo sobre a imprensa e a edição tornara-se mais apertado. Todavia, estudar a censura literária a partir da legislação nem sempre leva a compreender as práticas factuais: muitas coisas eram decididas por via oral, sobretudo as menos legais, para não deixar marcas. Outro censor literário menos visível, mas muito presente em Itália, era o Vaticano que agia como censor nos assuntos relativos à moral e à fé, embora não houvesse acordos formais entre Igreja e governo relativamente à censura dos livros.

Em 1923 o Gabinete que se ocupava da Imprensa passou para o controlo do Primeiro Ministro, que em 1924 decretou a possibilidade de fechar sem aviso prévio os periódicos (Bonsaver 2007). Até 1930 o controlo sobre os livros era da competência dos governos civis que procediam à apreensão de qualquer tipo de obra indesejada fosse ela italiana ou estrangeira.

A segunda fase vai de 1934 até 1939 e é o momento em que o Gabinete de Imprensa se torna “Sottosegretariato di Stato per la Stampa e la Propaganda”, e em 1935 se transforma no MinCulPop (Ministero della Cultura Popolare). Estas instituições enviavam “disposições” aos directores dos jornais para censurar minuciosamente a informação da imprensa quotidiana (sobretudo no que dizia respeito à expedição na Etiópia). Muitos editores, neste período, começaram a praticar a autocensura.

A terceira fase, que vai de 1940 até 1943, é caracterizada pelo aparecimento de novas normas devido à intervenção italiana na Guerra ao lado dos nazis alemães. Houve uma particular insistência na censura visando a tradução e a escrita de mulheres, para além do afinco na perseguição aos judeus. Foi em 1942 que, com o conluio de grandes editoras, se elaborou uma lista oficial de autores “indesejáveis”.

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Após 1943, com a queda do fascismo, e com a libertação do país, em 1945, os intelectuais foram obrigados a enfrentar radicalmente a questão da relação entre cultura e política. Isto porque o problema principal foi o de definir qual o seu papel, pois não era suficiente estarem organizados: era sentido como necessário que as organizações a que pertenciam se empenhassem na reconstrução do país.

O dia 10 de Junho de 1940, data da entrada da Itália na guerra, representou, para muitos jovens intelectuais e não só, o começo de uma situação dramática, já que os obrigava a tomar a decisão de tomarem partido a favor ou contra o governo. É o que se pode ler na conhecida última carta de Giaime Pintor:

Sem a guerra eu seria ainda um intelectual com interesses sobretudo literários (…). Outros amigos mais propensos a sentirem de imediato o facto político, já se tinham dedicado há alguns anos à luta contra o fascismo. Embora me sentisse cada vez mais próximo deles, não sei se me teria decidido a empenhar-me totalmente nesse caminho: havia em mim um individualismo, uma indiferença e um espírito crítico demasiado fortes para que os sacrificasse a uma fé colectiva. Apenas a guerra resolveu a situação, ultrapassando certos obstáculos, limpando o terreno de tantos e confortáveis abrigos, pondo-me brutalmente em contacto com um mundo inconciliável. (Pintor 1946, 186, tradução minha)

Aquele engagement forçado apareceu com o conflito. A guerra obrigava a uma escolha. No que diz respeito à história das revistas, no começo do século XX, em Itália, nasceram várias revistas de cariz literário. Das que tiveram mais impacto é normal referir Leonardo, fundada por Giovanni Papini e Giuseppe Prezzolini, em 1903, contrastando-a muitas vezes com a famosa La Critica de Benedetto Croce, surgida em 1904. Ambas manifestaram as dificuldades e as contradições da posição dos intelectuais na época dos governos de Giovanni Giolitti (1901-1914).

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Depois de Leonardo, Prezzolini fundou La Voce, em 1908, uma revista mais virada para o jornalismo, com mais espaço para debates culturais e com menos pretensões estetizantes se comparada com Leonardo. Tratava-se de uma revista de “idealismo militante” dirigida a um público alargado. Em La Voce abordavam-se temas culturais de largo espectro, como o direito de voto às mulheres, a educação, a prostituição, a emigração. Aquando da guerra na Líbia houve uma divisão dos redactores relativamente à posição da revista: uns apoiavam a não intervenção na guerra, enquanto outros mantinham uma atitude neutral. Em 1913 apareceu em Florença a revista Lacerba, publicação de Attilio Vallecchi, na sua primeira experiência como editor, e que foi animada pelo jovem Giovanni Papini. Era uma revista “sem idealismos, nem moralismos, nem reformismos”, como se afirma no primeiro número, e que, autodefinindo-se como inovadora e corajosa, não pôde deixar de dar abrigo à nova corrente que nascia naquele período: o futurismo. Os futuristas, de facto, escolheram a revista como instrumento do seu movimento. Com a Primeira Guerra Mundial, a revista tomou partido pelo intervencionismo, considerando a guerra não apenas política e económica, mas “de civilização”. Daí em diante, a revista, que acabará as suas publicações em 1915 já em plena guerra, acolherá uma intensificação das ideias de purificação da raça e do sangue. O período de 1918 até 1920 representou o auge das revistas futuristas, que tinham a intenção de ganhar um verdadeiro espaço político, além de artístico no país. Nesse sentido fundaram um partido futurista que manteve com o fascismo uniões e separações sucessivas.

Outra revista fulcral do início do século foi com certeza La Ronda (1919-1923). Normalmente a historiografia literária refere-se aos anos da Ronda como de um período de “regresso à ordem” depois de todos os “ismos” excessivos do futurismo. Os “rondistas”

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propunham, em aberta polémica com os futuristas, uma ideia de literatura alheia a qualquer tipo de engagement: a arte pela arte. Igualmente contra La Voce e contra La Critica crociana, considerada demasiado intelectual e filosófica, La Ronda exaltava o estilo formal, a lógica sintáctica, o equilíbrio das composições e a noção de classicismo.

Dos anos 20 até aos 40, que são os que nos interessarão especialmente neste estudo, apareceram muitas revistas fascistas e antifascistas de vários tipos e diferentes intenções. O período que se segue, o triénio de 1940-1943, contudo, não pode ser assimilado ao anterior porque, com o eclodir da guerra, várias publicações explicitaram ainda mais claramente posições de maior polémica e discordância para com o regime, pois a situação política tinha-se alterado. Isto mostrava uma evidente crise do fascismo e o enfraquecimento de uma fase cultural que se ligava já à fase do pós-guerra.

No início do século, a condição social dos intelectuais transformara-se, pois em grande medida tinham perdido a independência económica que os caracterizava no século XIX, começando a depender do seu próprio trabalho, ensinando nas escolas ou universidades, colaborando com jornais e revistas e outras actividades culturais. Desta maneira, nascera uma classe com características completamente novas.

Em 1924 nasceu a folha literária quinzenal Il Baretti, emblemática por partilhar os valores daquelas que serão definidas mais tarde como as revistas da Resistência. Tratava-se de um periódico de matriz literária que fazia par com Rivoluzione Liberale, revista esta que se ocupava quase exclusivamente de política e sociedade. As duas foram fundadas por Piero Gobetti, um dos intelectuais mais activos e novos de então, colaborador já de Ordine Nuovo, de Antonio Gramsci. Gobetti tinha fundado a sua primeira revista, Energie Nuove, com apenas 17 anos, em 1928. Il Baretti foi publicado logo depois do assassínio de

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Matteotti, momento em que houve de facto um enfraquecimento do fascismo, que quase sucumbiu ao protesto suscitado pelo crime. Pelas suas actividades subversivas, Gobetti foi perseguido até sofrer uma agressão por parte de uma squadraccia, que lhe provocou uma insuficiência cardíaca, causa da sua morte. Foram posteriormente apreendidos todos os números de Il Baretti até à sua proibição definitiva em Novembro de 1925.

Entre 1923 e 1925 foram promulgadas a maioria das leis fascistissime, assim como as medidas contra a imprensa de oposição, o que obrigou a que muitas das revistas fossem fechadas neste período. Naqueles anos existiam, contudo, também muitos outros periódicos conformistas com o regime, não parecendo ser tocados pelas polémicas e tensões políticas. Um exemplo foram as famosas revistas de Ugo Ojetti: Pegaso e Pan. Pegaso, fundada em Florença em 1929, nasceu como ponto de encontro no qual confluíam colaboradores de diversas, e mesmo opostas, experiências políticas e literárias. Pelas revistas de Ojetti passaram todos os grandes nomes da literatura italiana desse período. Tratava-se de escritores que encontraram nelas um lugar sem rótulos onde todos podiam colaborar. A atitude das revistas de Ojetti face à política era derrotista, pois nem sequer estava interessada em atribuir um papel preciso aos intelectuais, ou comentar a fase cultural que se estava a atravessar. Ojetti foi muitas vezes criticado, sobretudo por Gobetti, por ser alguém que se conformava com o regime, favorecendo-o.

De resto, a clivagem a nível cultural entre as revistas fascistas e as não fascistas salta à vista de forma evidente. As revistas do regime ostentavam uma ideia de grandeza italiana que não permitia dar-se conta do que estava a acontecer dentro, ou além-fronteiras. Parecia uma competição entre quem tinha um maior espírito patriótico. A maioria das revistas fascistas não tinham um conteúdo muito profundo, manifestavam geralmente uma

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euforia exagerada, sem convicções precisas, apenas com a manifesta intenção de agradar aos poderosos de modo a evitar dissabores. Faziam uma propaganda quase obsessiva. As revistas independentes, pelo contrário, tratavam de temas variados e ofereciam um espaço para a crítica do que ia acontecendo. Para a “cultura fascista”, se assim se pode dizer, a acção sobrepunha-se ao pensamento. Contudo, apesar deste clima retrógrado, foi naqueles anos que apareceram algumas das figuras mais importantes da literatura italiana do século XX, como Eugenio Montale, Umberto Saba e Giuseppe Ungaretti, entre outras.

Na segunda parte dos anos 20 apareceu o célebre debate entre Strapaese e Stracittà, basicamente duas correntes que compreendiam em si também algumas revistas literárias e que tinham duas concepções opostas da literatura: de um lado, um aclamado provincianismo, uma recuperação das tradições nacionais e uma defesa do carácter rural italiano contra as modas que vinham do estrangeiro; do outro, uma aclamação do cosmopolitismo, a idolatria de tudo o que era estrangeiro, a ponto de se fundar uma revista como ‘900, inicialmente redigida em francês, na qual se pretendiam recolher os mais importantes materiais da literatura europeia, unificando-os numa proposta cultural capaz de filtrar a Europa para o público italiano. Havia, nesta última corrente, uma oposição ao psicologismo, ao sentimentalismo, ao naturalismo e reivindicava-se a necessidade de criar uma “arte burguesa” em Itália. Na revista ‘900 foi apresentado ao público italiano, pela primeira vez, James Joyce com um fragmento de Ulysses. Falava-se de jazz e cinema e proporcionava-se uma série de materiais não apenas ligados às artes e às letras. Propondo- se assim ‘900 como porta-voz de um fascismo mais internacionalista e menos institucionalizado, mas nunca de elite e sempre popular. As duas correntes perseguiam, no fundo, o mesmo objectivo, ainda que com meios diferentes, da constituição de um estado

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fascista. Eram as duas faces de uma mesma moeda e o resultado seria a fundação de um estado simultaneamente popular e internacionalizado.

Em 1926 foi fundada Solaria por Alberto Carocci, em Florença, destinada a ser muito significativa no percurso intelectual e literário do século XX italiano. Esta foi a grande revista dos anos 20 que nasceu como uma síntese entre as instâncias europeístas de Il Baretti e as vertentes mais exclusivamente literárias de algumas outras revistas da época. Florença naquele período era o maior centro cultural italiano e um dos poucos lugares onde se conseguia resistir ao fascismo de forma mais ou menos aberta. Tendo sido antes sede do fascismo mais aguerrido onde viram a luz revistas como Conquista dello Stato (1924-1928) ou Battaglie fasciste (1924-1926), Florença viveu um regresso da cultura em 1926 e tornou- se um lugar de convergência com um núcleo de concentração cultural sem dúvida raro se comparado com resto da Itália. Havia alguns cafés típicos frequentados por intelectuais. Um deles, Le Giubbe Rosse, foi inicialmente célebre sede dos futuristas (“havia o suficiente para tornar Sant’António futurista” – nas palavras de Alberto Viviani) e, em seguida, ponto de encontro de uma nova geração de artistas que faziam referência ao hermetismo de Montale. Havia também editoras como a Vallecchi e a Carocci.

É costume reconhecer-se três fases nos dez anos de actividade de Solaria (Folin 2009): nos primeiros dois anos a revista era dominada por um estilo mais barettiano, nos cinco anos seguintes assistiu-se ao aparecimento de mais narrativa, mais escrita jovem e mais europeísmo, e nos últimos anos foi publicada mais filosofia, mais reflexão moral e mais referências à situação histórica do presente. Na última fase tornou-se sempre mais explícita a condenação da política do governo, assim como o debate sobre como conduzir a intervenção ou a não intervenção na vida política. Deve-se à Solaria também a descoberta

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da prosa americana, de Melville, Fitzgerald, Faulkner. Houve um período em que solariano significava antifascista, europeísta, universalista e antitradicionalista. A principal aspiração de Solaria era a de criar uma “cidade ideal” através da literatura, isto é, pretendia-se usar a poesia como instrumento de criação de uma nova “civilização” feita de sole e aria, onde o ar significava liberdade e o sol luz. Foi assim que, num tempo de ditadura e monarquia, um grupo de intelectuais criou um primeiro esboço da ideia de “República das Letras”, como se constituísse um mundo à parte, povoado de pessoas que se dedicavam à cultura, de forma totalmente independente do resto do mundo “real” do dia-a-dia. A revista não tinha, contudo, uma linha ideológica definida e nunca deu azo a uma corrente ou a um movimento. A seguir, com a única excepção de Umberto Saba, a poesia foi sendo gradualmente excluída pela revista, espaço que foi ocupado pela crítica. A mudança adveio em 1933, não apenas por causa de uma renovação de colaboradores que alteraram o equilíbrio da revista, mas também porque depois da depressão económica de 1929 houve um progressivo empobrecimento do povo e por consequência um maior triunfalismo político dos discursos oficiais fascistas, que deixavam pouco espaço para as artes em geral. O regime dava uma impressão de invencibilidade baseada numa retórica demagógica. Solaria reagiu a isso tudo mantendo-se no propósito de falar de uma “cidade ideal”, afastada e “destacada”. No entanto, sentindo-se com pouco espaço de intervenção, os colaboradores literários acabaram por sair e criar duas novas revistas: La Riforma Letteraria (1936-1939) e Letteratura (1937-1971), esta fundada em 1937 por Alessandro Bonsanti, que tinha ficado mais incomodado com a nova atitude de Solaria.

Riforma Letteraria acabou por ser uma revista aberta a uma relação com o fascismo, ainda que tacitamente polémica sobre determinados assuntos. Letteratura nasceu um ano

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antes de Campo di Marte5, sobreviveu à guerra e continuou as suas publicações até 1971 –

embora com mudanças de editores e estruturas – sendo herdeira daquela linha literária que não se envolveu na crónica da política, mas que permaneceu um espaço livre e aberto à discussão. A guerra de Etiópia marcara claramente a divisão entre os “letrados” e os “ideólogos” e Letteratura apareceu como um órgão capaz de centralizar vários “foragidos” de outras revistas obrigadas a fechar naquele mesmo período. A ideia principal era relançar a literatura “sem adjectivos e sem programas”. Segundo Giuseppe Langella:

O concílio que se formou nos fascículos trimestrais de Letteratura, composto por ainda-não-realistas, expressionistas, proustianos atrasados, velhíssimos “calígrafos” e outros despistados, não conseguiu produzir nada de novo se comparado com os resultados de Solaria. Para dizer a verdade nem fortificou nem acompanhou até à maturidade uma tendência; antes resolveu-se numa pacífica antologia da literatura italiana. (Langella 1982,117, tradução minha)

Letteratura teve todavia o privilégio de poder dar grande espaço à poesia – sobretudo estrangeira – assim como pôde contar com a colaboração de importantes escritores antifascistas como Elio Vittorini ou Carlo Emilio Gadda. Bonsanti defendia uma cultura militante, longe da academia, o que se pode constatar na escolha dos textos e no tipo de