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2. TECNOLOGIA, NOTÍCIA E VERDADE

2.2. Do impresso ao digital: o fazer notícia

2.2.2. A revolução promovida pela Web 2.0

Na segunda metade do século XX, a Internet, ainda nos seus primórdios, já se mostrava uma revolução para a comunicação por promover facilidade na troca de informações entre computadores de uma rede. Com o passar dos anos, essa troca foi intensificada, o alcance, ampliado, e cada vez mais pessoas passaram a ter acesso à Internet e a utilizá-la para os mais diferentes fins. Apesar de haver diversos marcos na evolução da Internet ao longo de mais de meio século, uma das revoluções mais fundamentais se encontra na alteração da forma como o internauta interage com o conteúdo on-line: de passiva, como mero receptor de informações, a ativa, não só recebendo, mas também criando e disponibilizando seu próprio conteúdo na Internet. Nesse sentido, convencionaram-se os termos Web 1.0 (ou Web 1) e Web 2.0 (ou Web 2) (O’REILLY, 2007, p. 17) para distinguir duas gerações da Internet baseadas no papel das companhias de software e no papel do usuário.

Na década de 1990, a Internet começa a se popularizar, obtendo um grande número de usuários em pouco tempo, apesar de sua interface simples e pouco atraente. Segundo Pollyana Ferrari (2014, p. 17), “os sites tinham quase sempre fundo cinza, com imagens pequenas e

poucos links”, porém, em 1996, já havia aproximadamente 56 milhões de usuários na rede, número em rápida ascensão. “Para dar uma dimensão do crescimento da internet, o número de computadores conectados ao redor do mundo pulou de 1,7 milhão em 1993 para vinte milhões em 1997” (FERRARI, P., 2014, p. 17).

Nesse cenário, em meados da década de 1990 e ainda bem no início do século XXI, a rede fornecia possibilidades limitadas de interação por parte do usuário. O conteúdo, as plataformas e os aplicativos eram disponibilizados apenas por empresas e instituições capazes de desenvolver sites e outros softwares. Eram, portanto, as únicas responsáveis por selecionar e organizar as informações, fornecer serviços e decidir o formato dos anúncios. Eram os anunciantes, a propósito, que estariam no comando, decidindo quais produtos expor, e não o usuário com base nas suas necessidades. Em relação à comunicação interpessoal, intensificou- se, nessa época, a troca de mensagens eletrônicas, tanto por e-mail (serviço que não pressupõe instantaneidade) quanto em salas de bate-papo, as quais requerem interação imediata, serviços disponíveis ainda atualmente.

No que concerne às notícias on-line, era comum, no início, que as grandes empresas de informação fornecessem apenas, como já mencionado anteriormente, uma versão digitalizada do conteúdo impresso, sem alterações. No entanto, a possibilidade de atrair a atenção dos usuários da rede por meio da convergência midiática – como a inserção de áudio, fotos e vídeos – em um espaço amplo, fez com que as empresas jornalísticas passassem a, além de explorar mais eficazmente as ferramentas da rede, tentar entender o perfil do leitor digital e, assim, ajustar o formato da notícia a essa nova dinâmica informacional.

Tem-se, portanto, até então, um leitor passivo, sem a possibilidade de interagir diretamente com o conteúdo publicado. Ainda que o usuário tivesse a autonomia de escolher o que ler, suas fontes de informações eram parcialmente limitadas. De acordo com Ferrari,

A partir de 2001, o conteúdo jornalístico nos portais foi gradualmente reduzido até o ponto de ser fornecido por um grupo restrito de fontes – as mesmas agências de notícias, a mesma empresa de previsão do tempo, a mesma coletiva para lançamento de um filme, o mesmo programa de TV que se ramifica em subprodutos, dando origem a sites de fofoca, decoração, culinária etc. Com isso, os leitores recebem e absorvem a mesma fonte de informação. O que muda é o “empacotamento da notícia”, embora até mesmo os projetos gráficos sejam parecidos uns com os outros (FERRARI, P., 2014, p. 18).

Esse panorama, representante do que ficou conhecido como Web 1.0, é alterado completamente ainda no início do século XXI, quando foi possibilitado ao usuário participar

ativamente, não só por meio de comentários a respeito de um conteúdo veiculado e interação com outros usuários, mas também pela capacidade de produzir seu próprio conteúdo e disponibilizá-lo na rede para que qualquer pessoa com acesso à Internet no mundo seja capaz de acessá-lo. Segundo Briggs (2007, p. 27), “o termo ‘Web 2.0’ se refere às páginas web cuja importância se deve principalmente à participação dos usuários”. Conforme indica Paiva (2008),

No século 21, a Internet entra em uma nova fase, conhecida como web 2. O usuário deixa de ser mero consumidor de conteúdo e passa também a produtor. Surgem as redes de relacionamentos como o Orkut, os blogs, os repositórios de vídeos como o YouTube e até uma enciclopédia mundial feita pelos usuários da Internet no mundo inteiro, a Wikipédia (PAIVA, 2008, p. 9).

Os recursos disponíveis na Web 2.0, portanto, proporcionaram uma descentralização da Internet ao redistribuir, para todos os indivíduos com acesso à rede, o papel de fornecedor de conteúdos, tarefa inicialmente concentrada nas mãos das companhias de software ou das grandes instituições de informação. Dessa maneira, permitiu que o usuário saísse de sua passividade e passasse a alimentar a rede com uma série de publicações próprias, promovendo um crescimento orgânico dessa nova tecnologia de informação e comunicação. No lugar de apenas fornecer conteúdos prontos, os desenvolvedores de plataformas, sites e aplicativos abriram espaço para a produção e para a interação do internauta.

Tem tudo a ver com abertura – com software do tipo código aberto, que permite aos usuários maior controle e flexibilidade de sua experiência na Web, bem como uma maior criatividade online. Os editores da Web estão criando plataformas ao invés de conteúdo. Os usuários estão criando conteúdo (BRIGGS, 2007, p. 28).

De acordo com O’Reilley (2007), o sucesso dentro da Web 2.0 depende da descentralização dos serviços oferecidos, de forma a alcançar toda a extensão da rede, e não só o centro – os que a priori se ocupavam de fornecer os conteúdos. Como exemplo disso, o autor cita sites como Ebay, que serve como um intermediário de transações comerciais entre pessoas físicas, usuárias da rede, e o Napster, criado não a partir de um banco de dados centralizado, mas por meio de um mecanismo que permitia ao usuário tanto baixar músicas para seu computador como também compartilhar suas coleções no ambiente on-line para que outros usuários tivessem acesso a elas. É, então, a colaboração de cada internauta o que promove o crescimento de sites como esses (O’REILLEY, 2007, p. 21).

Assim, para esse autor, a sobrevivência e o sucesso das grandes empresas que surgiram na época da Web 1.0 dependeram da capacidade de adaptação às mudanças do ambiente on-

line no que diz respeito à inteligência coletiva verificada na Web 2.0. Como não se pode descartar a força da participação dos usuários em suas conexões diárias para o desenvolvimento e crescimento da Internet, o único meio de os antigos fornecedores de conteúdo alcançarem destaque dentro dessa nova dinâmica interacional é alterar seus antigos padrões centralizadores e encorajar a participação e o compartilhamento pelos indivíduos conectados à rede.

Nesse cenário em que a produção do usuário é possível, facilitada e até mesmo incentivada, a noção tradicional de autor é, de acordo com Tagg (2015), contestada das seguintes formas:

Primeiramente, a world wide web46 providencia um espaço onde qualquer um

pode publicar seu trabalho e onde há o potencial de ele pelo menos se tornar publicamente disponível. […] Em segundo lugar, a rede não requer credenciais de escrita tradicionais ou revisão; em vez disso, “a legitimidade do conteúdo da rede é autodeterminante e, não, imposta por órgãos reguladores externos: a existência de coisas boas significa que você busca por isso e ignora o lixo” (Boardman, 2005, 41). Em terceiro lugar, a web não exige que você coloque seu nome no seu trabalho47 (TAGG, 2015, p. 39).

Uma das grandes vantagens da Internet é ela oferecer espaço ilimitado em que se pode publicar e compartilhar informações de maneira rápida e abrangente, especialmente após o surgimento e a popularização das redes sociais, cujo pressuposto-base para sua existência, de acordo com Carvalho e Kramer, “é a preponderância da interacionalidade na construção ou na troca de informações (CARVALHO; KRAMER, 2013, p. 80). No entanto, essa facilidade de compartilhamento, paradoxalmente, representa também uma de suas grandes desvantagens. Já que qualquer pessoa é capaz de produzir conteúdo na internet, a qualidade e a veracidade das informações às que se tem acesso on-line ficam comprometidas. Como será discutido na próxima seção, todo esse cenário favoreceu o aparecimento e a disseminação de inúmeras notícias falsas na rede.