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CAPÍTULO 2: Quem sabe faz a hora

2.2. A revolução que tanto amamos

A idéia do ME enquanto vanguarda revolucionária se formou nos anos de 1967 e 1968, com a adesão popular conquistada pelo movimento, somada à grande repercussão obtida na imprensa e às ações do regime militar. Transformando-se num grande canal de expressão, o movimento atraiu jovens menos politizados e parcelas descont entes da população. Segundo avaliação dos seus militantes, o Movimento Estudantil chegou em 1968 a um nível de agitação que não existia nem entre os operários nem entre os camponeses.

A projeção do ME enquanto a vanguarda da revolução socialista no Brasil é uma construção histórica do processo que se desenrolou no pós-golpe. Ao insistirmos que o imaginário da revolução empolgava o debate político do momento, sendo a força motriz das ações estudantis, não pretendemos que o conceito de revolução fosse homogêneo. Pensamos nele como uma palavra chave que ligava os vários movimentos que buscavam mudanças. Como propõe Zaia Brandão:

Participávamos, sim, de um idioma comum à época, que continha, entre outras idéias, as de liberdade, autodeterminação dos povos, justiça social, reformas de base e desenvolvimento. Mas, com elas, montávamos diferentes retóricas e acalentávamos diferentes projetos, que nos mobilizaram e à sociedade para caminhar no sentido de um futuro melhor. 162

Havia o sonho coletivo de construir uma sociedade melhor, mas os caminhos apontados pelos jovens engajados politicamente eram bem diversos. Alguns jovens deram vivas à “Revolução de 31 de Março”, que livraria o país dos comunistas e o guiaria rumo ao porto seguro do desenvolvimento capitalista,

161

Alusão ao título do livro de Daniel Cohn-Bendit: 1968 – A Revolução que tanto amamos.

162

Brandão, Zaia. ‘Política estudantil e movimento educacional’. In, Raposo, Eduardo( coord.) . Op. cit., p. 272.

onde o espelho seria a sociedade norte-americana. Almejavam a implantação, no Brasil, do american way of life.163

Os estudantes de esquerda acalentavam o sonho de outro tipo de revolução, que provocaria uma transformação radical na sociedade, levando o povo ao poder. Uns acreditavam que o socialismo viria por etapas, outros, via foco insurrecional, outros, ainda, através da guerra popular prolongada. Os aspectos táticos e estratégicos da guerra ou da política dependiam do partido ou da organização de esquerda a que estivessem ligados, ou fossem simpatizantes.

Percebe-se que a geração de 60 acreditava numa transformação eminente do mundo, fosse em que direção fosse. Era um momento de intenso sentimento de mudança e da necessidade de se antecipar a elas, tentando dirigi- las no sentido que se acreditava ser o ideal.

Um segmento dos estudantes democratas – como se autodenominavam os que eram partidários do golpe – começaram a se desencantar com a revolução que haviam apoiado.164 Muitas vezes foram se identificando com a retórica dos companheiros de esquerda e passaram a apoiá -la. Isto contribuiu para um fortalecimento da esquerda estudantil.

Além dos ‘democratas’, outros estud antes, sem definição política, também se identificaram com o discurso das lideranças da oposição, principalmente no período 1967-1968. Muitos se sentiram contagiados pela necessidade de uma reforma na Universidade e com a repercussão das manifestações estudantis na mídia. A eclosão de protestos universitários em diversos países do mundo, todos com caráter de crítica ao governo instituído, representou um estímulo a mais.

Para Hobsbawm, “se houve um momento, nos anos de ouro posteriores a 1945, que correspondeu ao levante mundial simultâneo com que os revolucionários sonhavam após 1917, foi sem dúvida 1968, quando os estudantes se rebelaram.” 165 Esses movimentos cruzaram oceanos e as fronteiras de

163

Paes, Maria Helena Simões. Op cit, pp. 14-20.

164

Este assunto será objeto de análise no próximo segmento do capítulo.

165

sistemas sociais. Tanto nos países capitalistas como nos socialistas, a rebelião estudantil apontou as mazelas produzidas pela sociedade industrial.166

Na Tchecoslováquia, os estudantes apoiaram o governo de Alexander Dubcek que, eleito Secretário Geral do Partido Comunista, em janeiro de 1968, vinha empreendendo uma política de liberalização do regime. As autoridades soviéticas não toleraram as modificações propostas e invadiram a capital tcheca.Tropas do Pacto de Varsóvia marcharam sobre milhares de universitários e populares que se defendiam com paus, pedras e coquetéis molotov. Era o fim da ‘Primavera de Praga’, como ficou conhecido o movimento. 167

Na Polônia, após a proibição de uma peça de teatro, por parte do governo, estudantes saíram às ruas pedindo o fim da censura. Muitos foram presos, o que provocou novas reações. O exército polonês foi implacável na repressão.168

Olgária Matos, analisando os protestos estudantis nos países socialistas, afirma que não era o regime que se questionava, mas a falta de liberdade que os governantes no poder haviam imposto à sociedade. “Ao contrário do que a imprensa faz pensar, o Movimento Estudantil nos países socialistas não se opôs de nenhuma forma ao marxismo e nem foi favorável ao liberalismo (...), mas significou uma crítica à esquerda do marxismo petrificado.”169

Nos países capitalistas criticava-se a sociedade autoritária e burocrática, incompatível com o desejo de liberdade. Seduzidos pelas teorias de Hebert Marcuse, que garantia que o avanço tecnológico havia gerado uma falta de liberdade confortável, criando um indivíduo acomodado e acrítico170, os jovens projetaram transformar o mundo, pondo-o de ponta-cabeça. Num panfleto parisiense de 1968, os jovens justificavam sua insatisfação:

É preciso combater um erro fundamental: a idéia de que só a miséria material justifica a revolta e que um homem ‘que tem tudo de que precise’

166

Marcuse, Herbert. O fim da utopia.. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1969, pp. 24-25.

167

Matos, Olgária C.F. Op. cit., p. 21.

168

Idem, ibidem, p.20.

169

Id, ibid, p. 21.

170

(no plano material) deve se encontrar igualmente satisfeito no plano moral. Na sociedade atual o intelectual é por essência insatisfeito... não consegue fazer compreender sua exigência de verdade e liberdade.171

Nos EUA, essa insatisfação levou a inúmeras manifestações, em que se

contestava a guerra do Vietnã e se apoiava a luta dos negros pela igualdade civil. Suécia, Espanha, Itália, Alemanha, Japão, México e Argentina foram países que

também enfrentaram rebeliões radicais da juventude. Sempre reprimidas pela polícia, o que contribuía para uma radicalização do movimento.

De todas as manifestações estudantis ocorridas durante o ano de 1968, o maio parisiense recebeu maior destaque na historiografia. Segundo Daniel Cohn- Bendit, foi uma revolução ímpar, sem líderes e sem propostas definidas172. A utopia anarquista de uma sociedade sem autoridades parecia ser o marco teórico dos combatentes. O sonho de uma sociedade mais romântica, onde a imaginação tomasse o poder, para que fosse “proibido proibir” e se decretasse “o estado de felicidade permanente”173, era o norte. Os grafites escritos nos muros da cidade ditavam palavras de ordem antiautoritárias. As estruturas burguesas de dominação foram questionadas, suscitando um sentimento de que era preciso rever muitos valores até então inquestionáveis. Considerando que a solidez das instituições podia se diluir com as críticas, os defensores do status quo partiram para a reação. No entanto, o Presidente francês convocou eleições para a Assembléia Nacional, o que contribuiu para desarticular os universitários.174

Apesar das especificidades das rebeliões estudantis ocorridas em vários países, no ano de 1968, podemos identificar pontos comuns a elas: os estudantes não aceitavam a tutela dos partidos tradicionais de esquerda, desprezados por estarem integrados ao sistema, dele se locupletando; as manifestações iniciavam- se por críticas à universidade e com a repressão policial evoluíam para um questionamento político mais amplo; e, ao contrário de inaugurar um mundo mais livre, como se pretendia, o resultado final do grande sobressalto político que

171

Apud Matos, Olgária. Op. cit., p. 3

172

Cohn-Bendit, Daniel. Op. cit., p. 10.

173

a juventude provocou nos governos, foi o início de um dos mais longos períodos conservadores da história do Ocidente. 175

Parte do alunado, menos politizado, não conseguiu se manter imune a este apelo para a mobilização. Se de um lado havia o estímulo da conjuntura internacional, de outro grassavam os problemas no Brasil. O país estava atravessando uma crise econômica – que ameaçava as expectativas dos estudantes de ascensão social – agravada por um regime autoritário. Sentia-se o desejo de se envolver na luta para alterar essa difícil situação.

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