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CAPÍTULO 3: “Revolução” em Raízes, El perfil e em outros textos clássicos

3.2. O tema da “revolução” em Raízes

Sugeri em outros momentos desta Tese que não é simples definir qual era, afinal, o objetivo central de Holanda em Raízes do Brasil. O fato de ser um ensaio e não um tratado ou um trabalho monográfico, o fato de ter sido reescrito edição após edição, e de ter sido lido, relido e um sem-número de vezes ressignificado torna sua leitura uma tarefa difícil; e confere às apreciações mais triviais a respeito, um caráter problemático.

Estou convencida, contudo, de que, se não era o objetivo central, ao menos era um dos mais importantes, para Holanda, nesse ensaio, pensar a possibilidade de uma revolução no Brasil – o que isso significava, o que isso deveria implicar. Foi o que o próprio autor, aliás, declarou, em entrevista concedida em 1976: “A ideia básica [de Raízes do Brasil] era a de que nunca houve democracia no Brasil, e de que necessitávamos de uma revolução” (Apud. MARTINS, 2009, p. 85).

A bem da verdade, na transição da década de 1920 à década de 1930, Holanda já havia publicado artigos nos quais questionava os sentidos então atribuídos à palavra “revolução”. Aí então ele demonstrava compreender que “revolução” como todo tipo de brusca alteração nos gabinetes governamentais de um país, ou nas cúpulas de governo de um Estado.

Da Alemanha, Holanda ia, porém, percebendo que tal termo perdia a conotação pejorativa, e que se generalizava o entendimento de “revolução” como um justo recurso, disponível para acesso ao poder, por determinados grupos que, dentro dos parâmetros legais, não logravam nem poderiam lograr atuar politicamente com notável repercussão. Com um detalhe importante: a denominação de “revolucionárias” apenas caberia a alterações político- administrativas ou legais promovidas por tais setores se representavam importantes forças de transformação no âmbito do pensamento e do comportamento (Idem, p. 284).

No texto propriamente de Raízes, Holanda também abordara o termo “revolução” como passível de ser compreendido e empregado de distintas formas.

Num primeiro momento, se referiu ao trabalho do psicólogo alemão radicado no Chile desde 1903, Wilhelm Mann, Volk und kultur Lateinamerikas (em tradução livre, “O homem e a cultura latinoamericanos”, de 1927). E pontuou que, conforme Mann, era necessário advertir “contra o emprego, a seu ver, abusivo, da palavra ‘revolução’, quando sucede um general sul- americano, à frente de sua tropa, pôr abaixo o presidente e nomear-se – por quanto tempo? – para o seu lugar”. Pontuou que, conforme Mann, “esses movimentos constituíam muitas vezes pormenores insistentemente reiterados do processo geral – e em verdade revolucionário – da

transformação dos territórios coloniais em sociedades cultas modernas” (Apud. HOLANDA, 1999, p. 208).

Num segundo momento de Raízes, Holanda considerava, ainda, que, segundo naturalista norte-americano, Herbert Smith, que esteve no Brasil em 1870, a América do Sul estava farta de “revoluções horizontais”, “remoinho de contendas políticas, que servem para atropelar algumas centenas ou milhares de pessoas menos afortunadas”. E que se fazia urgente “uma boa e honesta revolução, (...) uma revolução vertical e que trouxesse à tona elementos mais vigorosos, destruindo para sempre os velhos e incapazes” (Apud. HOLANDA, 1999: 181).

Note que, em ambos os casos, Holanda aludia, negativamente, a algo como “falsas revoluções” – “revoluções de superfície”, “revoluções horizontais”. E, em ambos os casos, propunha como enganadoras essas agitações políticas que se diziam revolucionárias, porque utilizadas discursivamente, simbolicamente, por determinados líderes ou grupos, a despeito dos interesses de uma massa ansiosa por mudanças. Em ambos os casos, ademais, falava em “a boa e honesta revolução”, “revolução vertical” como, como um movimento que implicaria transformação profunda. Em ambos os casos, considerava como revolucionário o acesso ao novo: o rompimento com a condição colonial, o ingresso na modernidade, a destruição de tudo que era “velho”, “incapaz”, improdutivo, infértil.

Em outros trechos de Raízes ele retomava tal classificação. Num viés negativo, tratou, então, de movimentos ditos “revolucionários” que equivaliam a “convulsões de superfície”, “transformações exteriores”, “agitações”, “desvios na trajetória da vida política legal do Estado”, “revoluções palacianas”, “fato que se registra em um instante preciso”, “convulsões catastróficas”. E, num viés, positivo, movimentações “lentas”, “demoradas”, “sem grande alarme”, mas “seguras”, “concentradas”, “irrevogáveis” (HOLANDA, 1999, p. 171, 172, 180. 181).

Para Holanda, afinal, o período de colonização teria a nós legado um modo civilizacional a ser superado; e que, mais do que qualquer alteração formal em nossos governos e em nossa Constituição, a superação desse modo, dessa cultura, é que deveria ser considerada a “Nossa Revolução” – título do último capítulo da obra.

Em outras sequencias desse livro, ele pontuou que uma verdadeira e efetiva Revolução Nacional se teria iniciado no Brasil “pelo menos há três quartos de século” antes daqueles corridos anos 1930 (HOLANDA, 1999, p. 171).

Ele observava, porém, em meio a essa radical e processual transformação, uma fase mais aguda: o ano de 1988, sobre o qual propôs: “Se a data da Abolição marca no Brasil o fim

do predomínio agrário, o quadro político instituído no ano seguinte [o Republicanismo, proclamado em 1889] quer responder à conveniência de uma forma adequada à nova composição social” (Idem, p. 171). Em outras palavras, embora a transformação viesse de longe, ela necessitava da supressão de certos obstáculos, que a Abolição condenava à deterioração e apagamento (Idem, p. 172).

Ainda assim, ao ver de Holanda, havia muito por fazer. Aliás, essa percepção é tão forte e reiterada em Raízes chegamos a desconfiar da crença do autor na possibilidade de um Brasil mais justo, honesto, organizado politicamente; novo, revolucionado.

Consideremos que ideia de revolução processual incluía, ainda, em Raízes, duas distensões importantes, para as quais devemos estar atentos: a ideia de que o processo revolucionário no Brasil só era revolucionário na medida em que atendia a especificidades locais (na medida em que se fazia enquanto revolução realmente “nossa”), e a ideia de que a “Nossa Revolução” se caracterizava não apenas por mudanças, mas por continuidades.

Constitui isso uma ambiguidade? Aparentemente, sim, afinal: Como pode uma “revolução” ter de implicar inovação, e rompimento com hábitos sedimentados, e, ao mesmo tempo, levar em consideração o que é próprio e local, se dar conforme uma tradição?

Ettore Finazzi-Agrò, professor da Università di Roma, Holanda, afinal, não acreditava na possibilidade de nosso país concluir uma rota revolucionária. Para ele, a escolha dos títulos dos dois últimos capítulos de Raízes correspondia a uma ironia do ensaísta: “não existem ‘novos tempos’ e tampouco existe uma ‘revolução’ que possa ser ‘nossa’” (FINAZZI-AGRÒ, p. 148).

Mas Candido, diferentemente, fala em “contradições não resolvidas”, “impasses”, “oscilações”, e assim denota que, a seu ver, para Holanda, desenhava-se no Brasil uma situação revolucionária, sim, ainda que, ou justamente por, bastante peculiar (CANDIDO, 1999, p. 18-19).

Segundo Arnoni Prado, Holanda conceber, em Raízes, a “revolução” brasileira como um movimento de transformação significativa, mas progressiva, continuada. No Brasil contemporâneo, em que Holanda vivia, haveria algo de fato revolucionário, ao ver do ensaísta, embora ainda pouco claro; no Brasil de então, a revolução estaria “ainda lutando por vir à luz” (Apud. PRADO, 2006, p. 306).

Bom lembrar que, Holanda sugere em Raízes serem inúteis os esforços no sentido de “transformar de um mortal golpe, e segundo preceitos de antemão formulados, os valores longamente estabelecidos” (HOLANDA, 1999, p. 180).

A “nossa revolução”, ao ver de Holanda, em Raízes, seria, conforme Piva: “o novo sob o guia da tradição”, do que nos era próprio (PIVA, 2000, p. 182).

Para Mariza Veloso e Angélica Madeira, “aquela revolução era interpretada, por Sergio, como uma brotação, um ajuste moderno, que recolhe das raízes a seiva antiga” (VELOSO; MADEIRA, p. 167).

De acordo com Berenice Cavalcanti, quando Holanda escreve Raízes, naquela exata conjuntura, “nosso atraso [passava a] ser pensado como expressão de uma temporalidade própria”; de maneira que esse autor, essa obra, deve ser considerada como exemplar de uma nova “busca de nossa[s] singularidade[s] no concerto das nações” (CAVALCANTI, 2009, p. 139).

É curioso notar, então, que Mota, embora seja largamente considerado como um dos principais críticos à dos ensaios produzidos nos anos 1930, dentre os quais Raízes, em seus artigos da década de 1960, reunidos em A ideia de revolução no Brasil, tenha apresentado uma concepção de “revolução” muito próxima à do jovem Holanda. Primeiro, pelas balizas temporais que elege: para Mota o “longo século XIX, (...) marcado fundamente pela mentalidade imperial bragantina se encerra em 1889” (MOTA, 2008b: 264-265). Depois, por considerar que a independência teria correspondido a um primeiro impulso “revolucionário”, por ter sido “o ponto de partida para a construção de um sistema ideológico consistente, tendo como pilar a ideia de nação, alimentada pela elaboração contínua de uma História nacional e, portanto, de uma historiografia que a cultivasse” – e, eu diria, de um autêntico “pensamento político brasileiro” (MOTA, 2008b, p. 389).

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