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A revolução do suporte pela utilização da forma Kasimir Malevich – “Quadrado Negro” (1918)

No documento O outro lado da tela (páginas 67-70)

Kasimir Malevich (ver nota 10 em anexo)332 é considerado um dos fundamenta is

pioneiros da abstração geométrica, e fundador do Suprematismo.333

O artista destaca nos seus escritos autobiográficos a influência indiscutível que a cultura ucraniana havia exercido sobre ele pois a arte naïf que imperava os camponeses habitando as khaty (casas típicas da Ucrânia), os pyssanky (ovos pintados) e os ícones, considerados a “forma superior da arte campestre” constituíram a sua primeira escola pictórica.334 Contudo, e depois de ter debruçado os seus estudos pictóricos desde o

329 MUNROE, Alexandra – Japanese Art after 1945. Scream against the sk y. New York: A Times Mirror Company, 1994. Pp. 88 e 89

330 [s.a.] Grupo Gutaï- Relação entre Pintura e Performance [em linha] [consultado a 15 de Abril de 2017] Disponível em: <WWW: https://superficiedosensivel.wordpress.com/2013/03/05/grupo -gutai/> 331 GUZMAN, Victor – Grupo Gutai. [em linha] [consultado a 17 de Abril de 2017] Disponível em: <WWW: http://proyectoidis.org/grupo-gutai/>

332 MARCADÉ, Jean-Claude – La Aventura Pictórica y filosófica de Kasimir Malevich . Bilbao: Museo de Bellas Artes de Bilbao, 2006. p.13

333 Ibidem 334 Ibidem

67 realismo russo até ao impressionismo, começa a cultivar o seu gosto pelo simbolismo e torna presente nas suas obras certos temas literários e as formas comuns e simplificadas, concretizando a sua primeira participação no Primer Salón de Moscú em 1911, onde exibe as suas primeiras obras simbolistas.335

Assim e depois de já ter apresentado e explorado um condensado enorme de formas a que a história da arte já estava familiarizada, Malevich presenteia-a com um simples quadrado negro em fundo branco em 1918.336

Esta obra (ver figura 1 em anexo) é afirmada pelo pintor como o “zero das formas” que conduziu o mesmo até ao abismo branco, (ou seja, o seu fundo representado). Podemos compreender agora porque é que o “Quadrado Negro” vai implicar a abolição da possibilidade de toda a pintura,337 sendo que não se possa admitir uma total

impossibilidade da pintura porque Malevich criou uma linguagem a partir deste quadrado, ainda que bastante abstrata, simples (pelas formas que usa) e complexa (pelos conceitos que aplica) simultaneamente. Esta afirmação só se torna percetível e verdadeira se se tiver em conta que, em primeira instância, este quadrado negro pode ser encarado como uma espécie de buraco negro que engole e absorve todas as formas da natureza, tendo mesmo o pintor afirmado que por ali desaparecem todas as formas reais e irreais, não só de maneira simbólica, mas também percetível aos sentidos humanos.338

Deste modo, pode dizer-se que o negro como ausência de cor, forma e luz, apaga toda a representação possível. Note-se que o facto de ainda existirem duas cores que permanecem, (ou melhor, dois espaços diferenciados: o preto e o branco), nesta obra, implicará uma certa ligação, mesmo que muito ténue, com a pintura, com a representação e com a cor.

Ou seja, por um lado, o “Quadrado Negro” representa um nada, «o buraco que absorve o mundo inteiro»339, e, por outro lado, a representação que ainda se faz lembrar

pelo branco e o negro, ou seja, com uma cor (ou espaço) que embora não se saiba onde fica, ou o que pretende mostrar, está lá em permanente realidade.340

Por outro lado, deve dizer-se que, o “Quadrado Negro” de Kasimir Malevich expõe o grau zero de toda a pintura e por isso pode também ser relacionado com o

335MARCADÉ, Jean-Claude – La Aventura Pictórica y filosófica de Kasimir Malevich . Bilbao: Museo de Bellas Artes de Bilbao, 2006. Pp. 14 e 15

336 GIL, José – Arte como Linguagem: a “Última Lição”. Lisboa: Relógio d’água, 2010. p.13 337 Idem. Pp. 16

338 Idem. p.17 339 Idem. Pp. 19 a 20 340 Ibidem

68 abandono da pintura (tradicional) ou do ato de pintar, uma vez que a tela deixa de ser tela e passa a existir apenas e só pela opacidade de um quadrado negro que observa o espetador de forma frontal e aberta (mostrando-se ele mesmo e só) ainda que não o deixe passar para o outro lado da tela, de forma física e prática.

Contudo, o preto, como se sabe, transporta em si mesmo todas as cores e todas as coisas que nos rodeia, o que pode fazer desta figura apresentada (o quadrado negro) uma cortina de impedimento de passagem, ou pelo contrário, um universo infindável de coisas, possibilidades ou interpretações.

O artista afirma que:

«os instrumentos da nossa inteligência ficam estilhaçados sempre que os usamos para apreender os objetos do mundo material; o que na inteligência há de mais elevado, mais profundo, mais vasto, mais aberto, é precisamente esse estilhaçamento.»341

O “Quadrado Negro” proporciona o primeiro acesso a uma “significação geral”, uma “negação” significada por uma forma plástica. A transposição, ato negador serial, encontra-se em Malevich como arrancamento à Terra do corpo do espectador. Tal significa que se trata de «uma transposição-negativa “integral” de todos os eclipses [das cores] parciais».342 Por outras palavras, pode dizer-se que nesta obra, o espetador não é

automaticamente transportado para o outro lado da tela, muito pelo contrário; é impedido pela opacidade da figura quadrada e escura que se impõe. Contudo e se se tiver em conta a significação e poder da cor da forma apresentada, o observador poderá mergulhar na sua profundidade e terá acesso a uma outra realidade, desconhecida, não palpável e exclusiva. Criada por si mesmo e pela sua visão própria sobre a obra em questão.

Nesta ordem, pode dizer-se que se a linguagem, nomeadamente aqui apresentada, é uma articulação de elementos pictóricos mínimos que determina uma certa maneira de ver, esta, enquanto ângulo ou ponto de vista, constrói um mundo onde o espectador é transportado a ver o universo pictórico (quadrado preto) à face de um abismo branco (fundo brando) e desta forma, é possível afirmar que cada quadro é um mundo contido num outro mundo (o período onde se insere) que pertence ainda a um outro (a obra como realidade em si mesma).343

341 VALLIER, Dora – A arte abstrata. Lisboa: Edições 70, 1986. p.107

342 GIL, José – A imagem-nua e as pequenas percepções. Lisboa: Relógio d’água, 2005. p.163 343 Idem. p.164

69 Por fim é ainda importante referir que o “Quadrado Negro” assume-se semelhante a uma sensação: não pretende representar, não pretende exemplificar, não quer designar, pois o seu principal objetivo é a transmissão da sensação pura.344Assim, podem entender-

se então as reações inquietas do seu primeiro público uma vez que, este quadrado negro para além de se assumir como forma plana e situado num lugar indefinido, não permite que o espectador usufrua do prazer e conforto da representação, (como até então teria sido acostumado). Muito pelo contrário, impossibilita-o de se revelar, admitindo-se, contudo, como o proprietário de todas as representações já formuladas e preconcebidas no mundo já conhecido pelo olhar humano.

E, embora seja defendido que Malevich (por exemplo) tenha conseguido, quando pinta, em 1918, o célebre “Quadrado Branco sobre fundo branco”, transportar para a pintura o seu próprio fim, não deve ser esquecido que este gesto pode te sido tomado com a intenção de experimentação, ou ainda de libertação da própria pintura e do pensamento do próprio espetador do modernismo que já não se sente obrigado à interpretação de temas, personagens ou motivos que o mesmo já conhece a convive no seu quotidiano terrestre.345

É então possível afirmar que Malevich sinalizou o fim das convenções pictóricas e a origem de uma nova linguagem moderna, baseada em formas livres de sentido, conteúdo e intenção, embora o artista tenha regressado posteriormente à pintura representacional.346

6.5. A revolução do suporte pela introdução do espetador e do meio envolvente:

No documento O outro lado da tela (páginas 67-70)