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CAPÍTULO II IDÉIAS SÃO TRANSFORMADORAS?

1 OS JOVENS DA ADBLU

1.1 O QUE DIZEM OS JOVENS?

1.1.1 Ricardo: desemprego e bico

Ricardo, 25 anos, ensino médio completo, torneiro mecânico, ficou desempregado por aproximadamente 07 meses. Seu primeiro emprego foi num supermercado em São Paulo, acerca da sua trajetória de trabalho, relata:

Trabalhava para ter o que fazer. Eu era bem novo. Meu pai chegou para mim, numa altura da situação e disse assim: Ricardo, agora você pára de trabalhar e vai estudar. Aí eu comecei a estudar em tempo integral. Eu ia aprender a profissão de tornearia, ia para o SENAI, em São Paulo, das 7 horas até as 5 da tarde. Das 5, eu tinha um teto de uma hora ou duas, uma hora, mais ou menos, para ir para casa, tomar banho, tomar café, dar um oi para a família e já ir para a escola à noite. Então, eu não conto essa parte [como desemprego]. Esta parte da minha vida foi uma parte de aprendizado. Eu aprendi a ser responsável por causa do emprego e aprendi uma profissão por causa da escola. Eu tive que crescer (RICARDO, 2006).

Após terminar o curso de torneiro mecânico, Ricardo trabalhou em outros três lugares, mas ressaltou que o “primeiro emprego pra valer” foi como torneiro mecânico em Blumenau, onde trabalhou por aproximadamente 04 anos. “Este eu pedi para Deus: Senhor, eu quero o emprego tal... e ele me atendeu” (RICARDO, 2006). Sobre o seu desemprego, relatou que optou por sair da empresa por falta de entendimento com a chefia no que diz respeito à valorização do seu trabalho e à remuneração, que não era compatível com a função. Devido ao desemprego do pai e do irmão, Ricardo foi o único provedor da casa por um longo período. Por isso, afirmou que logo que foi demitido, não tinha vontade de trabalhar.

Os três anos e sete meses, quase quatro anos, que eu passei trabalhando, ganhando bem, foram tempos em que eu tive que sustentar a casa, literalmente falando. A maior renda era a minha e a maior contribuição também era a minha. Na verdade, eu dava tudo, e desse montante que eu colocava na mão da minha mãe, ela dizia assim: esses são os seus. Chegou um tempo que era assim, R$ 50,00, R$ 60,00, para quem ganhava um montão, era pouco. Mas eu não reclamava sobre esta questão. Foram quase quatro anos assim. [...] quando eu fiquei desempregado eu pensei: se eu for

73 Em que pese 03 dos 04 jovens entrevistados tenham mais de 24 anos, limite superior do recorte por idade

procurar um emprego, eu vou achar um outro emprego para voltar a viver aquilo tudo de novo... [...] ter dado tanto dinheiro em casa, aliás, quase todo o dinheiro, me fez ficar desanimado de procurar um próximo [emprego], já que agora eu estava desempregado. Então, foi o que me desestimulou, desencorajou a estar buscando a Deus. Eu falei não, o que acontecer vai acontecer, eu não vou correr atrás disso (RICARDO, 2006).

Pouco antes de ficar desempregado, seu pai e seu irmão conseguiram emprego. Todavia, segundo o seu depoimento, “os dois juntos não ganhavam o que eu ganhava”. Desta forma, uma de suas preocupações era não gerar gastos. Como estratégia para conter gastos e obter uma renda, Ricardo deu aulas de técnica vocal, o que lhe garantiu uma renda de aproximadamente R$ 350,00 por mês.

Naquela única preocupação, de não gerar gastos excessivos dentro da família, eu comecei a fazer uns bicos. Eu não fui muito longe, eu peguei o meu conhecimento de técnica vocal e comecei a anunciar na igreja, aí algumas pessoas vieram e fizeram aula comigo. Dali eu tirava R$ 400,00, R$ 300,00 que dava para me manter tranquilamente. Foi isso que eu fiz nesse período. Então, mesmo desempregado, na minha profissão, eu tive a sorte de pensar em alguma forma de gerar renda (RICARDO, 2006).

Ricardo relata que na igreja todos sabiam que estava desempregado. Em alguns momentos, sentia uma espécie de “pressão velada”, expressa da seguinte maneira:

Todo mundo perguntava: e aí Ricardo, já arrumou um emprego? Como é que está? Como é que está a situação? E eu falava: cara, ainda não arrumei emprego... Tá, mas você não está fazendo nada? Eles perguntavam. Não, eu estou dando aula, estou dando aula e me mantendo assim...aí todo mundo olhava com um olhar... passavam para mim uma idéia de que não aprovavam, mas também não desaprovavam... as pessoas não externavam para mim, olha, você está desempregado, você tem que arrumar um emprego rapidamente, porque né... como é que pode ficar desempregado?(RICARDO, 2006).

Segundo o seu depoimento, com o passar do tempo de desemprego, começa a sentir algumas necessidades que não consegue suprir com o rendimento das aulas: “Eu comecei a

namorar, aí surgiram alguns gastos...” Contudo, ressalta que nesta situação, não agiu como

outras vezes, pedindo emprego a Deus.

Eu não fiz isso em tempo algum! No máximo, nesse período de sete meses que eu estava desempregado, eu cheguei para Deus e disse: Senhor, se o Senhor me der um emprego, beleza, vou fazer isso aqui. Foi o máximo que eu cheguei nesse meu relacionamento com Deus, a respeito daquela situação que eu estava vivendo. [...] apesar de não buscar a Deus para isso, para conseguir um emprego, eu estava começando a ficar preocupado, porque na minha idade, hoje eu tenho 25 anos, você assumiu um namoro sério, sem pensar em casar, é quase que impraticável. Só que,

para casar, você tem que ter um dinheiro e eu, sempre sem nada... pensei, a coisa está ficando feia, está ficando complicada. Neste momento da minha vida, já ia fazer oito meses de desemprego, um irmãoda igreja perguntou se eu queria trabalhar com ele, só que em uma área totalmente diversa do que eu tinha praticado até então na minha vida profissional. Agora eu trabalho com informática, eu mexo com manutenção de computadores e estou gostando muito do que eu faço. É uma coisa que eu sempre quis fazer (RICARDO, 2006).

Ricardo afirma estar satisfeito com sua nova ocupação, recebe R$ 400,00 por seu trabalho. Embora seja uma remuneração pequena em relação ao salário que recebia como torneiro mecânico, em torno de R$ 1.300,00, afirma que agora faz o que sempre quis fazer.

A profissão de tornearia é uma profissão valorizada. Na maioria das empresas que são de médio e grande porte, você ganha bem. Algumas empresas que a gente chama de fundo de quintal, pagam R$ 1.200,00, R$ 1.300,00 e as grandes vão para R$ 2.000,00, R$ 2.200,00... Então, tendo em vista o que eu ganhava antes, com certeza, isso não é nada. É como ganhar uma gorjeta. Mas, eu vejo essa oportunidade, de estar ali, apesar de estar ganhando pouco, uma oportunidade de estar mudando para uma coisa que eu gosto mais de fazer, que com certeza eu tenho o coração nisso, como uma chance, uma chance de crescer nessa área. A informática é a profissão do futuro! Um torneiro mecânico, daqui a pouco, estará sendo substituído por um robô. Daqui a pouco, os tornos mecânicos estarão fazendo tudo sozinho, você dá um clique, ele vai lá e faz o processo todo sozinho. Já, por trás desse robô, tem que ter um técnico, para gerenciar o software que tem que ser colocado, fazer a manutenção, que é a minha parte hoje. Então, hoje eu estou na fase de ganhar para aprender a mexer com isso. Essa foi a proposta que ele me fez e, quando eu me qualificar, daí a gente volta a conversar sobre a questão do salário. Então, foi uma coisa legal que aconteceu na minha vida. E volto a dizer, impensável! Eu nunca imaginei que isso fosse acontecer na minha vida, mas aconteceu (RICARDO, 2006).

Após o término da pesquisa, voltamos a fazer contato com Ricardo, que relatou que está novamente desempregado. Ele acredita que deva ser um processo de Deus na sua vida, nas suas palavras:

As coisas estão acontecendo de forma estranha. Você é qualificado, todos se interessam pelo seu currículo e até chamam você, só que não dá certo, por algum motivo que eu não sei. Deus deve estar me dizendo alguma coisa e eu não estou conseguindo desenrolar esse manto, não estou entendendo o que ele está querendo me mostrar, mas tudo bem, eu chego lá (RICARDO, 2006).

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