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143 MEMÓRIA. Octavio. Origem da Viação Férrea Cearense Fortaleza: Typ. Commercial, 1923, p. 15. 144 Idem, p.17.

Octávio Memória trabalhou nos escritórios da Estrada de Ferro, sendo sócio da Sociedade Beneficente durante vários anos até ser desligado da agremiação por inadimplência no pagamento de empréstimo. Pouco tempo depois, é readmitido na mesma Sociedade. É de sua autoria um dos primeiros estudos sobre a Estrada de Ferro de Baturité, descrito por ele como um trabalho monográfico. Sua obra mistura dados coletados nas fontes produzidas pela ferrovia e suas próprias memórias, enquanto servidor da Estrada de Ferro.

Em 20 de janeiro de 1872, deu-se o início das obras da ferrovia, com o assentamento da pedra fundamental do edifício da empresa. Na cerimônia, estavam presentes os membros da diretoria da Companhia, autoridades como o Presidente da Província João Wilkens de Matos e seu antecessor, o conselheiro José Antônio de Calazans Rodrigues, segundo Barão de Taquari, corpo legislativo, além de diversos representantes civis, militares, funcionários públicos, membros da Igreja e populares.

Localizada no antigo Campo d’Amélia, atual Praça Castro Carreira, a Estação Central João Felipe era o ponto de partida da Estrada de Ferro de Baturité, nome pelo qual ficou conhecida a ferrovia. Essa pretendia inicialmente ligar Fortaleza à região produtora do maciço de Baturité, localizada a cerca de 100km da capital. O plano inicial previa três etapas: a primeira incluía obras entre a capital e município de Pacatuba, adicionando o serviço de nivelamento da Estação Central e a construção do ramal da cidade de Maranguape; para a 2ª e 3ª seções (Pacatuba-Acarape, Acarape- Baturité), ganha destaque o nome do engenheiro José Privat, pela rapidez e eficiência na condução dos trabalhos. Vindo da província de Alagoas, trazendo dois ajudantes técnicos, o engenheiro foi elogiado pelas autoridades do Império por conta dos serviços prestados na Estrada de Ferro de Baturité. 145

Em 13 de março de 1873, chegavam a Fortaleza as primeiras locomotivas, desembarcadas no Poço da Draga, local do antigo porto da cidade. Nesse mesmo ano, rodou pela primeira vez, no dia 3 de agosto, na presença de cerca de oito mil pessoas, a locomotiva “Fortaleza”. A volta inaugural foi um espetáculo, repetido naquela ocasião “cinco vezes seguidas entre a estação Central e a parada do Xico Manoel”,146localizada nas proximidades da Praça da Lagoinha, atualmente Praça Comendador Teodorico.

145MEMÓRIA. Octavio. Origem da Viação Férrea Cearense. Fortaleza: Typ. Commercial,

1923, p. 23.

Segundo Octavio Memória, a locomotiva foi aplaudida pela “entusiasmada multidão” com fervor, que ouvia o silvo da Maria Fumaça rodando pela cidade. Já Raimundo de Menezes afirma que toda a gente da cidade olhava naquela tarde, com curiosidade, o “monstro de ferro” e a volta inaugural, “um sucesso impossível de escrever”.147 A partir daquele dia, o trem faria parte da vida de Fortaleza e os caminhos de ferro pouco a pouco iriam conquistando o sertão do Ceará.

Até 1875, a Companhia Cearense de Via Férrea de Baturité importaria mais três locomotivas de fabricação inglesa, totalizando em quatro o número de máquinas em tráfego, sendo essas batizadas com os nomes dos ramais de Maranguape, Pacatuba e Acarape. Pesavam em média 18 toneladas e poderiam desenvolver a incrível velocidade, para a época, de 48km/h.148

Para conduzir a avançada tecnologia a vapor, foi contratado, no Rio de Janeiro, o maquinista José da Rocha e Silva, que chegou a Fortaleza no dia 12 de abril de 1873.149 Esse ferroviário trabalhou na Estrada por 50 anos, exercendo durante boa parte desse período o cargo de mestre geral das oficinas da ferrovia. Entre os pioneiros da primeira locomotiva, estavam também o chefe de trem, Eloy João Alves Ribeiro, o foguista, Henrique Pedro da Silva, e o guarda-freios, Marcelino Leite. Entre os citados, Henrique Pedro, conhecido como “Carangola”, e José da Rocha seriam sócios fundadores da Sociedade Beneficente do Pessoal da Baturité. Henrique Pedro teve vida curta, vindo a morrer no segundo ano de existência da Sociedade Beneficente, sendo de iniciativa da sua esposa a primeira ação reivindicando auxílio funeral e pensão para os filhos menores.150

No alvorecer do ano de 1875, foram abertas ao tráfego as seções Arronches- Maracanaú, com parada intermediária na pequena estação do Mondubim. O trem deixava a Estação Central passando pela Lagoinha, no centro da cidade e pelo sítio de Porangabuçu, na zona suburbana. Existem relatos de que foi nesse local, nas imediações do bairro do Benfica que houve o primeiro descarrilamento da Estrada, com a locomotiva Maranguape.151Quatro pessoas ficaram feridas, inaugurando um repertório

147 MENEZES, Raimundo de. Coisas que o tempo levou: crônicas históricas da Fortaleza antiga.

Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2006, p. 56. (Raimundo de Menezes era bacharel em direito e publicou Coisas que o Tempo Levou, pela primeira vez, em livro em 1938, quando tinha 35 anos. Antes disso, havia sido publicada de forma seccionada no jornal Gazeta de Notícias e na Rádio Club do Ceará).

148 MEMÓRIA. Octavio. Origem da Viação Férrea Cearense. Fortaleza: Typ. Commercial, 1923, p. 25 149Idem, ibidem.

150 Ata da sessão de 25 de abril de 1892. 151 MEMÓRIA, Octavio. Op. cit., p. 30.

de inúmeros acidentes envolvendo trabalhadores e transeuntes cearenses. Segundo Otávio Memória, alguns dos vagões precariamente recuperados foram apelidados de “Misericórdia” pela população da cidade, servindo como vagões de 3ª classe. Pouco tempo depois, no perímetro central da capital, lamentou-se a morte de um pobre surdo atropelado pela locomotiva Fortaleza. 152 Envolvendo trabalhadores, dois casos ganham destaque nesses primeiros anos de construção e tráfego da Estrada de Ferro de Baturité. Um trem, trazendo trabalhadores e ferramentas, encontrou nas proximidades do aterro da Maraponga um tronco atravessado entre os trilhos. Um dos operários, de nome Benedito Nonato, percebeu o perigo e se levantou para avisar ao maquinista, mas foi arremessado pelo impacto, fraturando uma perna. Um mês depois, na localidade de Acaracusinho, o servente de pedreiro Manoel Francisco foi esmagado pelo carro de freio do trem em movimento, morrendo poucas horas depois.

A obra de maior envergadura desse período foi o prédio da Estação Central Professor João Felipe,153 localizado na capital. Construído em estilo dórico-romano pelo engenheiro austríaco Henrique Foglare, quando a Estrada era dirigida pelo Engenheiro Chefe Amarilio Olinda de Vasconcelos, a Estação Central teve sua pedra fundamental lançada em 30 de novembro de 1873, porém as obras só foram iniciadas de fato em 1879, sendo inaugurada em 9 de junho de 1880.154 O mesmo engenheiro austríaco também projetou o prédio onde funcionou o primeiro pavilhão das oficinas da Estrada de Ferro, tendo parte do material sido importado da Inglaterra. O primitivo edifício das oficinas e o chalet onde funcionava a administração da Companhia foram construídos no local do antigo Cemitério São Casemiro, o primeiro construído na Província, cedido para a construção da Estrada.

152 Idem, ibidem, p. 23.

153 João Felipe Pereira foi Ministro das Relações Exteriores, da Agricultura e Viação e Obras Públicas do

governo do Marechal Floriano Peixoto, em 1891. Pertenceu ao quadro docente da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, sendo posteriormente nomeado diretor dos Correios e Telégrafos e Inspetor de Obras Públicas do Rio de Janeiro. Coroou sua carreira pública, como presidente do Clube de Engenharia e como Prefeito do antigo Distrito Federal. Pelos serviços prestados quando ministro, com relação aos incentivos na construção de ferrovias no Brasil, foi homenageado no Ceará com seu nome batizando a Estação Central da cidade de Fortaleza.

154 LIMA, Francisco de Assis Silva de. Estradas de ferro no Ceará. Fortaleza: Expressão Gráfica e

Foto 1 - Estação Central João Felipe. Fonte: Álbum Vista do Ceará. Napoleão Irmão & Cia. Fortaleza.