• Nenhum resultado encontrado

RISCOS DA INADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA COMPREENDIDA COMO

3. A INADMISSIBILIDADE DAS PROVAS ILÍCITAS E SUAS LIMITAÇÕES

3.3 RISCOS DA INADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA COMPREENDIDA COMO

Com efeito, uma norma não pode ser tratada de maneira intransigente. Como se buscou demonstrar, a liberdade desenfreada nos meios de prova, sobretudo na conjuntura da ditadura militar brasileira, implicou verdadeiras atrocidades aos direitos fundamentais, de forma que se tornou imperioso consagrar a vedação às provas ilícitas como regra constitucional que traduz valores essenciais à convivência no contexto de Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido:

[...] Indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade numa eficaz repressão aos delitos. É um pequeno preço

que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A

justiça penal não se realiza a qualquer preço. Existem, na busca da verdade, limitações impostas por valores mais altos que não podem ser violados. 97

A inadmissibilidade incondicional das provas ilícitas também ocasiona violência, eis que admite arbitrariedades do individualismo sobre o bem comum. Nessa perspectiva, crimes que ocasionam lesão o erário público são, na sua maioria, cometidos com o abuso do próprio direito à privacidade. Nos exemplos de superfaturamento de obras e serviços públicos, é cediço que os acordos criminosos se dão, na maioria das vezes, em ambientes sigilosos, nos quais a prova deveria ser obtida por outro meio que não a utilização de gravações ou filmagens não autorizadas. Nessa toada, se a vedação às provas ilícitas for considerada

96 BARROSO, op. cit., 2013. p. 10.

incontestável haverá não apenas a impunidade, mas também o estímulo para a realização de delitos similares. 98

Tem-se que a própria justiça social resta comprometida diante da inadmissibilidade absoluta das provas ilícitas. De fato, os crimes de “colarinho branco” e demais delitos burocráticos são, como regra, cometidos no âmbito de proteção da intimidade, ao contrário dos crimes de rua. 99

Ressalte-se, ainda, que, sobretudo no âmbito penal, o juízo condenatório indica uma resposta conferida à perturbação social gerada pela conduta ilícita. Logo, a vedação intransponível à prova reputada ilícita fere de morte a efetividade do processo, demonstrando uma omissão do Estado em realizar o seu dever constitucional de proteção penal.

Nessa toada, nada mais justo do que realizar um juízo de ponderação e razoabilidade, a fim de verificar a garantia que deve preponderar no caso concreto. Isto, efetivamente, é admissível em virtude – inclusive - da eficácia relativa que possuem os direitos fundamentais.

A respeito do tema, imprescindível salientar o escólio de Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] afiguram-se possíveis limitações decorrentes da colisão de um direito fundamental com outros direitos fundamentais ou bens jurídico-constitucionais, o que legitima o estabelecimento de restrições, ainda que não expressamente autorizadas pela Constituição. Em outras palavras, direitos fundamentais formalmente ilimitados (isto é, desprovidos de reserva) podem ser restringidos caso isso se revelar imprescindível para a garantia de outros direitos constitucionais, de tal sorte que há mesmo quem tenha chegado a sustentar a existência de uma verdadeira “reserva geral imanente de ponderação” [...]

Como é fácil reconhecer, não é possível ao Constituinte – tampouco ao legislador ordinário – prever e regular todas as hipóteses de colisões de direitos fundamentais. Tendo em vista à caracterização dos direitos fundamentais como posições jurídicas prima facie, não raro encontram-se eles sujeitos a ponderações em face de situações concretas de colisão, nas quais a realização de um direito se dá “às custas” de outro. Situações de colisão de direitos fundamentais

98 CARNAÚBA, op. cit., p. 86. 99 ÁVILA, op. cit., 2006. p.129-39.

afiguram-se cada vez mais frequentes na prática jurídica brasileira devido ao alargamento do âmbito e da intensidade de proteção dos direitos fundamentais levado a cabo pela Constituição Federal de 1988, notadamente em função do já referido caráter analítico do catálogo constitucional de direitos. Muito embora as situações de conflito tenham, em sua ampla maioria, sido regulamentadas pela legislação ordinária, há casos em que a ausência de regulação esbarra na necessidade de resolver o conflito decorrente da simultânea tutela constitucional de valores ou bens que se apresentam em contradição concreta. A solução desse impasse, como é corrente, não poderá dar-se com recurso à ideia de uma ordem hierárquica abstrata dos valores constitucionais, não sendo lícito, por outro lado, sacrificar pura e simplesmente um desses valores ou bens em favor do outro. Com efeito, a solução amplamente preconizada afirma a necessidade de se respeitar a proteção constitucional dos diferentes direitos no quadro da unidade da Constituição, buscando harmonizar preceitos que apontam para resultados diferentes, muitas vezes contraditórios. 100

Tecidas essas considerações, resta evidente que a regra da inadmissibilidade das provas ilícitas não pode ser levada às últimas consequências - e tida como intransponível. Para tanto, a utilização do critério da proporcionalidade se revela como mecanismo eficaz para realizar a análise de interesses no caso concreto.

3.4 O CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE COMO MECANISMO DE