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RITMO, MÉTRICA E FLEXIBILIDADE

A interpretação rítmica e métrica, assim como a flexibilidade destes dois parâmetros, também geram diferentes resultantes em decorrência da maneira como Psappha foi expressa graficamente. Embora exista precisão no mecanismo utilizado para representar os ritmos através de ataques nas linhas do tempo, em virtude da ausência de barras de compasso, da abordagem métrica diferenciada e do fato de que os ritmos assumem diferentes relações com as unidades de tempo, a interpretação da partitura torna-se suscetível a abordagens distintas.

Sylvio Gualda, ao ser entrevistado por Michael Rosen, comenta que:

Psappha foi escrita em papel gráfico sem barras de compasso ou indicações

agógicas. Quando uma música é escrita desta forma, não se tem o estabelecimento de uma sensação rítmica. A música apenas existe no espaço. (ROSEN, 1989, p. 32) 44

Gualda diz também que Xenakis “considerava o ritmo muito importante e tinha muito interesse neste aspecto musical, especialmente nos ritmos muito complicados da África, Indonésia e outras culturas” (ROSEN, 1989, p. 32) 45, acrescentando que, ao lhe entregar a !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

44 It was written on graph paper with no bar lines or agogic indications. When music is written this way you do not have the establishment of a rhythmic feeling. The music just exists in space.

45 He mentioned that rhythm was very important to him because, as you know, he is very interested in this aspect of music, especially in the very complicated rhythms of African, Indonesian and other ethnic cultures.

partitura, Xenakis mencionou se tratar de um estudo sobre ritmo. Ao ser questionado por Rosen se seria mais fácil aprender a música caso o percussionista a dividisse em compassos e frases convencionais, com barras, Gualda disse que “a notação não é o aspecto mais difícil da peça” (ROSEN, 1989, p. 33) 46, e que não recomendaria tal procedimento, completando que em apenas alguns dias é possível se acostumar com a leitura.

Já o percussionista Florent Jodelet, ao ser entrevistado por Augusto Morais e questionado sobre a métrica, e se usava os versos de Sappho para pensar metricamente, responde: “Não penso em grupos, penso nota por nota. Quando os golpes são repetidos, penso em pequenos grupos. Mas apenas aí.” (Florent entrevistado por MORAIS, 2006, p. 74). Em seguida, conta sobre um de seus alunos no Conservatório de Paris que ‘transpôs’ a peça para notação tradicional, tornando a leitura muito mais simples e o aprendizado mais rápido. Mas Florent completa dizendo:

Foi uma descoberta incrível, mas para mim não serve, não é o projeto. Tenho um projeto musical e poético, mas é bom saber que existe isso. Depois você não consegue voltar para o texto original, para o pensamento do compositor. Portanto, é melhor ir devagar, passo a passo. (Florent entrevistado por MORAIS, 2006, p. 79)

Ao ser questionado sobre esta possibilidade de transcrever a peça, Steven Schick aponta outra problemática deste procedimento, dizendo que:

O problema em transcrever está em colocar tudo em apenas uma métrica. Penso que a ideia da música está nos vários níveis de métrica, é um peça multi-níveis. Alguns níveis estão na métrica de cinco, outros em três. Quando você coloca todos em uma única métrica, como a quaternária, eles não casam com a ideia do compositor. (Schick em palestra ministrada na UNESP, transcrita por MORAIS, 2006, p. 79)

Independente da abordagem interpretativa, uma das principais considerações manifestadas pelo compositor na partitura é a de que as estruturas e arquiteturas rítmicas em

Psappha tem importância primordial e devem ser evidenciadas na performance. Como a

notação é muito específica e precisa na determinação dos ritmos, através da organização dos pontos de ataque nas linhas do tempo, uma das possibilidades interpretativas consiste em executar toda peça com o máximo de rigor e precisão, sem nenhuma flexibilidade, realizando tudo conforme previsto na partitura.

Embora ritmicamente as dissoluções, os adensamentos, os acelerandos e demais ocorrências estejam organizadas e previstas, algumas interpretações modelam as estruturas e arquiteturas através da flexibilidade rítmica. Através da análise de registros de !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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I think that this is not the most difficult aspect of the piece. I know of no one who has tried this but I would discourage it. It would take about 15 days to understand the notation and to get used to reading the music.

performance, nota-se que em diversas situações intérpretes demonstram maleabilidade em relação à informação contida na partitura.

Uma das variantes encontradas em registros e (imprevista na partitura), que pode valorizar o discurso rítmico escrito, ocorre na subseção b (630–740T). Nesta passagem, alguns percussionistas produzem um suave acréscimo na velocidade da unidade de tempo durante o processo de adensamento rítmico, que quando passa para o trecho de rarefação é acompanhado de uma redução na velocidade da unidade de tempo.

Fig.92. (630-770T) Momento de adensamento rítmico seguido de rarefação, em que alguns intérpretes produzem pequeno acelerando seguido de ritardando (na velocidade da unidade métrica).

Outro caso de flexibilidade observado em algumas performances ocorre no momento em que Xenakis propõe um acelerando, onde a unidade métrica que é maior ou igual à 110MM gradualmente atinge uma velocidade maior ou igual à 134MM. Alguns intérpretes ultrapassam o andamento a ser adotado na seção 4 (≥134MM) e, em seguida, recuam a velocidade um pouco. Este recurso pode ajudar a valorizar o acelerando que ocorre em um trecho de pouca atividade rítmica, sem exigir que se toque toda a seção seguinte em andamento muito rápido. O recuo de velocidade, entretanto, é sempre evidente.

Fig.93. (1610-1750T) Trecho com indicação de acelerando e estabelecimento do novo andamento (MM≥134).

Diversos intérpretes produzem um acelerando no final da peça, quando a linha instrumental C3 articula ataques seguidos com acentuações variadas, e quando o grupo instrumental F é introduzido, realizando a última manifestação do Gesto Rítmico II. Embora não previsto, este recurso também pode valorizar o final da música, aumentando a tensão e conduzindo a um último clímax, que é concluído com o último ataque de C3.

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