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Capítulo 3: “Não fale com paredes”: as músicas e temáticas da contracultura

3.1. Rock e indústria

Devido às inovações tecnológicas e desenvolvimento da indústria cultural,424 a música se tornou cada vez mais um elemento presente no cotidiano, principalmente a partir do século XX, devido ao crescimento vertiginoso da indústria fonográfica. Como observam os autores Steve Chapple e Reebee Garofalo, nos anos cinquenta com o aumento da produção industrial dos Estados Unidos, a economia foi estimulada de forma que ocorreu o crescimento do consumo de bens não essenciais, entre estes bens estão incluídos os discos.425 Neste cenário de consumo interno irrompeu o rhythm and blues, um som negro e urbano. Este gênero foi responsável por romper a barreira da base social negra no mercado branco, abrindo caminho para o rock and roll, gênero de influência negra, popularizado por astros como Chuck Berry e Little Richard, assim como astros brancos como Elvis Presley e Jerry Lee Lewis.426 No início

424 Esta pesquisa utiliza a terminologia indústria cultural em contraposição à cultura de massas. De acordo com

Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, cultura de massas transmite a noção de absoluta espontaneidade vinda das massas. Já indústria cultural evidencia o papel do mercado inserido na lógica do capital.

425 CHAPPLE, Steve e GAROFALO, Reebee. Rock & indústria: história e política da indústria musical. Lisboa:

Editorial Caminho. 1989. p. 15.

as grandes gravadoras ignoraram tal fenômeno, porém a adesão acabou sendo inevitável devido aos sucessos comerciais alcançados pelo gênero musical.

Segundo Eric Hobsbawm, o embrião desta nova forma de pensamento está presente desde a década de cinquenta entre a juventude. O rock surgiu do gueto de catálogos de “raça”, dissolvendo assim a barreira segregadora para tornar-se um idioma de maior penetração entre os jovens.427 Isto foi possível devido ao clima de prosperidade do pós-guerra que possibilitou entre alguns fatores o maior poder aquisitivo da juventude que entrou no mercado de trabalho, assim como a criação de grandes populações universitárias. Devido a esta demanda ocorreu a criação de um mercado voltado para a cultura jovem. O perfil até então conservador das gravadoras só mudaria na década de sessenta com a “Beatlemania”. Os Beatles e outros grupos britânicos causaram um êxito comercial tão impressionante que os empresários da indústria fonográfica perceberam que não poderiam mais ignorar determinados estilos musicais. De acordo com Ahmet Ertegun, fundador da Atlantic Records “Estava em jogo demasiado dinheiro para que o gosto pessoal se pudesse manter no assunto”.428 Em relação ao

consumo de discos, as vendas alcançariam o número de 277 milhões de dólares no ano de 1955, 600 milhões em 1959 e 2 bilhões em 1973.429

Como foi observado no primeiro capítulo, no decorrer da década de sessenta a contracultura trouxe aspectos inovadores à sociedade, neste contexto os novos grupos apresentavam comportamentos autênticos, proveniente das condições econômicas e sociais da década, assim o sucesso comercial de artistas do folk rock e da “invasão britânica” assegurou a divulgação dessas ideias para um maior número de pessoas.

As letras relacionadas à experiências psicodélicas, atração física e sexo, as roupas coloridas, a teatralização das apresentações, a incorporação de novos instrumentos às composições, a livre improvisação e experimentos que ocasionaram em músicas muito mais longas que o padrão pop existente até então, entre outros fatores, eram elementos que diferenciavam esta nova música de tudo que havia sido feito até o momento. Além disto, é necessário observar que muitos destes comportamentos fugiram ao poder dos executivos e empresários, afinal a contracultura apesar de ter sido utilizada amplamente pela indústria, para muitos jovens não possuía valor de mercado, pelo contrário, era a negação a este modelo econômico. Foram muitos os que inovaram e tocaram seus instrumentos nas ruas, longe dos padrões industriais. E mesmo analisando os atores da contracultura que se envolveram com a

427 HOBSBAWM. Eric. Op. Cit. p. 324.

428 FRIEDLANDER. Paul. Rock and roll: uma história social. Rio de Janeiro. São Paulo: Record. 2002. p. 55 429 CHAPPLE, Steve e GAROFALO, Op. Cit. p. 85.

indústria cultural, é inegável a mudança ocorrida na década de sessenta quando se observam as gravações e comportamentos da geração anterior.

No caso brasileiro, os artistas relacionados a esta pesquisa inserem-se no período da expansão da indústria fonográfica no país. O crescente deslocamento do eixo econômico para as áreas urbanas, assim como os constantes avanços tecnológicos propiciaram gradual aumento em relação ao consumo de bens como toca-discos, compactos e Long Plays. De acordo com Alberto Ribeiro da Silva:

Entre 1967 e 1980, a venda de toca-discos cresce em 813%. A indústria do disco cresce em faturamento, entre 1970 e 1976, em 1375%. Ao mesmo tempo, a venda de discos, no mesmo período, aumenta de 25 milhões de unidades para 66 milhões de unidades por ano. A produção de fitas cassete, uma novidade no Brasil, cresce de 1 milhão, em 1972, para 8,5 milhões em 1979.430

Luiz Carlos Maciel no ano de 1972 anunciou este êxito em uma das últimas edições do jornal Rolling Stone: “Vocês sabiam, por exemplo, que este ano, coincidindo com o aparecimento da Rolling Stone, a venda de discos de rock subiu em cerca de 70% neste país?”431

Tabela I: Venda de produtos da indústria fonográfica no Brasil 1968-1980 (em milhões de

unidades, compactos simples e duplos e LPs)432

430 SILVA. Alberto Ribeiro da. Sinal Fechado: a Música Popular Brasileira sob Censura (1937-45/1969-78). Rio

de Janeiro: Obra Aberta. 1994. p. 20-21

431 MACIEL. Luiz Carlos. Rolling Stone, n. 33, 12 de dezembro de 1972, p.2

432 Associação Brasileira dos Produtores de Discos. Rio de Janeiro, março de 1995. In: DIAS, Márcia Tosta. Op. Cit. p. 55.

Marcia Tosta Dias elenca os fatores que possibilitaram a expansão da indústria fonográfica. A autora ressalta que as gravadoras consolidaram casts estáveis através de nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, assim como se solidificou a viabilidade da música juvenil através da Jovem Guarda que por sua vez trouxe à tona Roberto Carlos, um dos maiores vendedores de discos da indústria fonográfica brasileira.433 Junto a esta consolidação, ocorreu a crescente profissionalização e expansão da mentalidade empresarial dos processos mercadológicos em relação à indústria de bens fonográficos, assim como em relação aos grandes espetáculos,434 ou seja, os artista gradualmente abandonam as características amadoras. Outro fator importante diz respeito a nova estratégia mercadológica que buscou privilegiar a produção de LPs em detrimento de compactos simples e duplos na virada da década de sessenta para a década de setenta:

Um segundo fator diz respeito a chegada definitiva do LP, no início dos 70, e as mudanças econômicas e estratégicas que ele trouxe para o panorama fonográfico. A indústria, que movimentava o mercado com compactos simples e duplos (57% dos discos vendidos em 1969 e 36% em 1976), com a instituição do LP pode restringir gastos e otimizar investimentos, considerando que cada LP continha, em termos de custos, seis compactos simples e três duplos. A partir de então, verifica-se o decréscimo do consumo de compactos [...]435

A consolidação dos casts nas gravadoras tem relação direta com este fator, afinal o LP trouxe mudanças estratégicas adotadas pela indústria. Assim, foi atribuída maior importância ao artista436 e o produto final, o LP, passou a ser visto como um trabalho de autor. Outro elemento importante para a expansão da indústria fonográfica foi a isenção do pagamento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias (ICM), implementado em 1967, assim empresas transnacionais que possuíam vínculos com empresas nacionais que as representavam, passaram a instalar-se no país.437 Como é possível observar, ocorreram investimentos

referentes à infraestrutura, assim como a mundialização de referências culturais na música brasileira, propiciando maior agilidade aos processos instaurados pela indústria fonográfica.

433 DIAS, Márcia Tosta. Op. Cit. p. 55. 434 Idem. p. 56.

435 Idem.

436 PAIANO, Enor. Berimbau e som universal: lutas culturais e indústria fonográfica nos anos 60. Dissertação de

Mestrado. São Paulo: ECAIUSP, 1994. p. 210.

Tabela II: Venda de compactos simples e duplos no Brasil 1969-1989 (em milhões de

unidades, compactos simples e duplos e LPs)438

No Brasil, o incremento nas vendas não era proporcional em relação ao gênero rock como observou Ana Maria Bahiana ao cotejar as vendas do rock e de outros gêneros populares como a Soul Music e Discotheque na década de setenta:

o rock – com um consumo numericamente baixo (os grandes vendedores estrangeiros do gênero, como os grupos Rolling Stones e Led Zeppelin, atingiram, no Brasil, marcas medíocres de vendagem, entre as 10 e as 30 mil cópias, no máximo, com uma saída média, mensal, entre 2 e 5 mil unidades vendidas [...] Num momento posterior, a soul music e a música de discotheque [...] consumidas em escala alta (principalmente a discotheque, cujos exemplares atingiram piques de venda muitas vezes superiores à casa das 100 mil cópias).439

Este fator referente a rentabilidade do rock influenciou a maneira como as gravadoras relacionaram-se com as bandas nacionais, questão que será abordada ao longo do capítulo.

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