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As rodas de conversa

No documento simonedasilvaribeiro (páginas 65-68)

2 LANÇANDO AS SEMENTES NA TERRA: OS CAMINHOS DA PESQUISA

2.2 Como pesquisar?

2.2.1 As rodas de conversa

Minha experiência como educadora popular tinha instrumentalizado-me com várias técnicas e metodologias de caráter participativo e as rodas eram sempre o começo e o final de todos os encontros. Estar em roda possibilitava a todas as pessoas presentes se olharem nos olhos, possibilitava que a fala circulasse e, principalmente, colocava, pelo menos em termos físicos, as pessoas no mesmo nível. Assim é o círculo, a forma que abole as assimetrias, sem divisão, sem hierarquias.

Construir processos educativos, em roda, é uma prática que trago da experiência em educação popular e que tem o diálogo, a participação, o respeito ao/a outro/a e o trabalho em grupo como princípios e remonta aos “Círculos de Cultura”. Segundo Freire (1994):

Os Círculos de Cultura eram espaços em que dialogicamente se ensinava e se aprendia. Em que se conhecia em lugar de se fazer transferência de conhecimento. Em que se produzia conhecimento em lugar da justaposição ou da superposição de conhecimento feitas pelo educador a ou sobre o educando. Em que se construíam novas hipóteses de leitura do mundo (p. 155).

A roda também está dentro da escola. Aliás, minhas primeiras reflexões sobre a “rodinha” que fazia nas turmas de Educação Infantil foram estimuladas pela leitura do livro “A roda e o registro”, de Cecília Warschauer (WARSCHAUER, 1993) e a partir da qual ampliei o uso das rodas para todas as turmas com as quais trabalhei. Segundo Warschauer (1993),

Uma característica do que estou aqui denominando de Roda é a de reunir indivíduos com histórias de vida diferentes e maneiras próprias de pensar e sentir, de modo que os diálogos, nascidos desse encontro, não obedecem a uma mesma lógica. São, às vezes, atravessados pelos diferentes significados que um tema desperta em cada participante (p.46).

Buscando conhecer os diferentes significados que o tema da Educação do Campo desperta em cada uma das participantes é que também nomeei nossos encontros de

pesquisa de rodas de conversa. O objeto, o círculo, possibilitando a conversa. Assim, mais do que fazer a roda e chamar para o encontro, por si só já há uma ação carregada de simbolismo, entra em jogo o exercício de uma atitude e um pensamento circulares. Nesse caso, um processo profundamente marcado pela escuta, pelas falas e pela utilização de outras linguagens. E também, como afirmam Silva e Guazzelli (2007):

A roda de conversas é um meio profícuo de coletar informações, esclarecer ideias e posições, discutir temas emergentes e/ou polêmicos. Caracteriza-se como uma oportunidade de aprendizagem e de exploração de argumentos, sem a exigência de elaborações conclusivas. A conversa desenvolve-se num clima de informalidade, criando possibilidades de elaborações provocadas por falas e indagações (p. 54).

Ou seja, estar em roda pode possibilitar pensar circularmente, pode significar não pensar em linha reta, na afirmação da verdade, na única voz, no conhecimento absoluto. E, no nosso caso, significou abrir-se ao diálogo, ao acolhimento da dúvida e da diversidade, à construção de múltiplos enredos afirmados no encontro das singularidades (OSTETTO, 2009).

A ideia das rodas de conversa era deixar emergir as experiências das professoras que atuavam nas escolas do campo e trazê-las para o centro do estudo. Concordo com afirmação de Alves (COSTA, 2003, p. 86), em relação às narrativas de professoras em seus projetos de pesquisa:

[...] quando buscamos a memória das professoras, em circunstâncias variadas, percebemos que indicam experiências extremamente ricas, que são diferentes de geração a geração, mas que são sempre muito interessantes, permitindo a renovação da escola, o que não aparece em relatos oficiais. Em resumo: o desenvolvimento desses projetos tem permitido recuperar histórias consistentes das criações curriculares e pedagógicas das professoras nas escolas brasileiras.

Este era o clima que esperava manter nas nossas rodas de conversa. Não queria fazer mais uma pesquisa que identificasse e julgasse o que estava sendo realizado pelas professoras. Queria conhecer as experiências não apenas para entendê-las como lugar de

reprodução e consumo, queria encontrar o que nelas se cria. E mais que isso, queria partilhar as minhas experiências como professora assumindo o meu lugar na escola.

O destaque dado à dimensão do que é, de fato, realizado no miudinho das escolas pelos sujeitos encarnados obriga-nos, como pesquisadores, além de assumir a importância do lugar, a nos posicionar a favor de um pertencimento a esse lugar, buscando situar-nos, sempre que possível, como também responsáveis pelos processos curriculares realizados (FERRAÇO, 2007, p. 8).

Assumir meu lugar pressupunha trazer para a narrativa não apenas os diálogos que vinha travando com os autores e as autoras, mas também fazer os vínculos com as minhas experiências. Assim, as conversas assumiram uma conotação mais que metodológica, uma vez que estimularam a reflexão como prática social, proporcionaram o diálogo, o apoio e o estímulo mútuo. Ademais, como disse o poeta Manoel de Barros (1997, p. 75), “a expressão reta não sonha”.

Nossas rodas aconteceram de outubro de 2010 a setembro de 2011, neste período fiz quatro visitas ao município para realizar nossas rodas de conversa que, em geral, tiveram a duração de, aproximadamente, dois dias cada uma. Nossos encontros foram registrados em foto, vídeo e áudio e as professoras autorizaram o uso dos registros (APÊNDICE B). Após a transcrição das conversas, o texto produzido passou por um processo de transcriação20, assim as falas das professoras inseridas na tese foram reescritas e adaptadas para facilitar a fruição do texto escrito, retirando-se das mesmas os vícios e marcas da linguagem falada coloquialmente. Foram, no entanto, preservados os sentidos originais das falas e os contextos nos quais as mesmas foram proferidas.

20 A transcriação é o trabalho de finalização do texto produzido pelo discurso, “[...] Teatralizando o que foi dito, recriando-se a atmosfera da entrevista, procura-se trazer ao leitor o mundo de sensações provocadas pelo contato, e como é evidente, isso não ocorreria reproduzindo-se o que foi dito palavra por palavra. O texto final (depois de ter passado por todo o processo de formação textual) jamais poderia ter sido pronunciado daquela maneira final pelo nosso interlocutor; no entanto cada palavra, cada frase, cada estrutura lhe pertence (ele não disse mas somente ele poderia ter dito); cada história, cada ritmo, cada momento narrado pertence a ele e somente a ele, mesmo depois da sua fala ter se transformado no texto transcriado (não somente mudança de códigos mas amálgama transcriativo), ao ter sido respeitado a essência viva da fala, o reconhecimento é muito maior do que com a simples pergunta-resposta: o texto transcriado é, para o interlocutor, sua vida no papel, aquela vida escolhida por ele para ser a sua vida, para ser o representante, para ele, do vivido” (Disponível em: <http://www.albertolinscaldas.unir.br/transcriacao.html>).

No documento simonedasilvaribeiro (páginas 65-68)