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Rodrigo Constante Martins**

No documento Texto Completo (páginas 57-67)

Recebido em 22/2/2007; revisado e aprovado em 29/3/2007; aceito em 2/7/2007

Resumo: Este trabalho apresenta uma crítica conceitual à compreensão neoclássica da questão ambiental. O artigo propõe uma análise do modelo lógico-dedutivo usado pela economia ambiental neoclássica para a interpretação dos modernos conflitos sócio-ambientais. Apresenta uma revisão crítica dos princípios neoclássicos partindo do caso do uso e acesso aos recursos hídricos. Particularmente, o trabalho tratará do uso de instrumentos econômicos na experiência de política de águas no Brasil.

Palavras-chave: política ambiental; sociedade e recursos hídricos; sociologia ambiental.

Abstract: This work presents a conceptual critique about the neoclassical comprehension of the environmental question. The article proposes an analysis of the logical-deductive model used by the neoclassical environmental economy for the interpretation of the socio-environmental conflicts. It presents a critical revision of the neoclassic principles starting from the case of the access to water resources. Particularly, the work will treat the use of economical instruments of environmental policy experience of the water management in Brazil.

Key words: environmental political; society and water resources; environmental sociology.

Résumé: Ce travail présente une critique conceptuelle à la compréhension neo-classique dans la question environnemental. L’article propose une analyse du modèle logique-déductif pratiqué par l’économie environnemental neo-classique pour l’interprétation des modernes conflits socio- environnementaux. On présente une révision critique des principes neo-classiques à partir de l’emploi et de l’accès aux ressources hydriques. Notamment, le travail traitera de l’emploi de l’outils économiques dans l’expérience de la politique de l’eau au Brésil.

Mots-clés: politique environnemental; société et ressources hydriques; sociologie environnemental.

Resumen: Este trabajo presenta una crítica conceptual a la comprensión neoclásica de la cuestión ambiental. El artículo propone un análisis del modelo lógico deductivo usado por la economía ambiental neoclásica para la interpretación de los modernos conflictos socio ambientales. Presenta una revisión crítica de los principios neoclásicos, partiendo del caso del uso y acceso a los recursos hídricos. Particularmente, el trabajo tratará del uso de instrumentos económicos en la experiencia de política de aguas en Brasil.

Palabras clave: política ambiental; sociedad y recursos hídricos; sociología ambiental.

INTERAÇÕES

Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 8, N. 2, p. 203-211, Set. 2007.

* Uma versão preliminar deste trabalho, intitulada Territoire, nature et théorie sociale: ambivalences sur la notion de développement durable, foi apresentada na mesa-redonda Territoires et interactions nature-société do Colloque International Interactions Nature-Société (La Baule/Loire-Atlantique, França), organizado pela Universidade de Nantes, Universidade da Bretanha Ocidental, Universidade da Normanda, Universidade de Rennes 2 e pelo CNRS (LETG - UMR 6554). A realização do trabalho contou com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (FAPESP-Brasil) e da Maison des Sciences de l’Homme (MSH-França).

** Sociólogo. Bolsista de pós-doutorado FAPESP e professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos. E-mail: rodrigo@iris.ufscar.br.

Introdução

A temática do acesso aos recursos hí- dricos conquistou grande abrangência cien- tífica e política no decorrer das últimas três décadas. Publicações e conferências científi- cas sobre o tema, bem como encontros mul- tilaterais envolvendo técnicos e chefes de governo, revelam a consolidação da questão hídrica na agenda política internacional.

Do ponto de vista simbólico, também têm sido recorrentes as iniciativas de re-sig- nificação do recurso, associadas, no mais das vezes, à importância mercantil que lhe foi conferida ao longo do século XX. Classifica-

da por muitos como ouro azul ou mesmo pe-

tróleo do século XXI, a água segue sendo pauta do debate por aquilo que comumente tem fornecido significado político aos demais recursos ambientais neste início de século, a saber, sua dimensão econômica.

Esta re-significação do recurso, alçado à categoria de capital natural, também reper- cute na construção de novas estruturas de gestão, voltadas fundamentalmente para o ideal econômico da alocação eficiente dos fatores de produção. Neste sentido, a ado- ção dos chamados instrumentos econômicos de gestão ambiental vem sendo apontada como solução eficaz para o ajustamento do

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consumo social da água. Tais instrumentos teriam o mérito maior de fazer refletir, atra- vés de mecanismos de mercado, os níveis de escassez relativa do recurso, induzindo os agentes econômicos a adotarem condutas

racionais de uso do capital natural.

Dos aspectos de maior complexidade envolvidos na temática hídrica, certamente os problemas das instituições e dos instru- mentos de regulação ocupam posição de destaque. Os arranjos institucionais envol- vidos na criação de ambientes descentrali- zados de gestão, bem como o caráter univer- salizante dos instrumentos de intervenção, têm fornecido novos questionamentos para os que seguem atentos à necessidade cres- cente de reflexão sobre os pressupostos con- ceituais correntes relacionados com a ques- tão hídrica.

Neste artigo buscaremos desenvolver breves reflexões sobre o aparato conceitual e os valores sociais envolvidos na constru- ção das políticas públicas para a regulação do uso e acesso à água. Mais especificamen- te, trataremos do emprego de instrumentos econômicos de política ambiental na expe- riência brasileira de gestão das águas, nota- damente alicerçada na governança local do recurso. Para tanto, o texto divide-se em três partes. Na primeira discutiremos os pressu- postos conceituais do utilitarismo neoclás- sico, base teórica de parcela significativa das políticas de gestão dos recursos naturais em geral e das águas em particular. Na segun- da parte apresentaremos algumas alternati- vas de crítica sociológica ao aparato concei- tual utilitarista, ressaltando as distintas es- feras que compõem os quadros de sociabili- dade e de orientação das práticas de grupos sociais distintos. Na terceira parte tratare- mos dos limites que os princípios da mercan- tilização dos recursos naturais colocam para um aprofundamento da crítica às estratégias capitalistas de uso dos processos ecossistê- micos para a produção de valores exceden- tes. Por fim, nas considerações finais, será feita uma síntese das principais implicações das discussões empreendidas ao longo do texto.

1 Os instrumentos econômicos na regulação público-ambiental

A economia ambiental neoclássica tem fornecido um importante suporte conceitual para a adoção em escala internacional de ins- trumentos econômicos para a gestão dos re- cursos naturais (JACOBS, 1994; MARTINS, 2004). No nível das políticas públicas, este suporte conceitual fornece os fundamentos para a hipótese do Princípio do Poluidor Pa-

gador, adotado pela legislação ambiental de grande parte dos países filiados à OCDE (Organisation de Coopération et de Développement Economiques). De acordo com tal princípio, o agente social poluidor deve arcar com as despesas para manter o meio ambiente dentro de parâmetros acei- táveis de qualidade, sustentando, por con- seguinte, a hipótese de que, ao ser penaliza- do pela cobrança no uso deletério da água, o poluidor seria induzido a adotar práticas menos onerosas ao meio ambiente (OCDE, 1992). No caso dos agentes econômicos, tal indução per si proporcionaria condições su- ficientes para a adoção de novas estratégias tecnológicas de uso dos recursos naturais.

Na construção epistemológica do re- ferido princípio – que, em consonância com o utilitarismo neoclássico, segue uma lógica estritamente hipotético-dedutiva, onde os conceitos aplicadas na análise derivam abs- tratamente uns dos outros1 –, supõe-se que

o agente econômico isoladamente induziria o progresso técnico, respondendo rapida- mente à demanda de sustentabilidade am- biental. Contudo, tal resposta justificar-se- ia menos pela legitimidade dos valores da sustentabilidade ambiental ante ao cálculo econômico do agente do que pela ameaça de custos adicionais que o não atendimento à demanda de sustentabilidade lhe acar- retaria. No caso da aplicação do Princípio do

Poluidor Pagador à gestão das águas, espera- se que a insistência de um agente na adoção de um mesmo padrão de uso e descarte de água pelo agente leve ao aumento dos seus custos de produção, custos estes que, re- passados ao preço final de seus produtos, di- minuirá sua competitividade. Assim, seria esta uma forma de internalização do pro- blema ambiental pelos agentes econômicos tida pela OCDE como legítima e urgente de

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INTERAÇÕES

Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 8, N. 2, Set. 2007. ser instaurada nos países que atravessam si-

tuações limite.

Nestes termos, a criação de mercados de água e a valoração do recurso surgem como processos de significação por excelên- cia da questão ambiental em nível social. Por intermédio da instauração destas novas institucionalidades, as situações de degrada- ção e escassez relativa dos recursos hídricos seriam naturalmente incluídas no cálculo racional-econômico dos agentes consumido- res, que, por sua vez, seriam incitados a de- finirem formas de uso mais sustentáveis de tais recursos.

No concernente à experiência interna- cional de gestão das águas, os instrumentos econômicos mais utilizados para a garantia de usos mais eficientes do recurso têm sido os orientados para a criação de mercados de

água e para formas de cobrança pelo uso dos recursos hídricos – a valoração da água.

Na América Latina, o Chile é atual- mente o único país que dispõe de legislação que estabelece um claro sistema de direitos transacionáveis do uso e acesso à água. Da- tada de 1981, a legislação chilena garante a negociabilidade dos diretos de água, permi- tindo o intercambio entre as formas de uso (LEE; JURAVLEV, 1998). Contudo, histori- camente, menos de 3% das transações co- merciais ocorreram com mudanças na mo- dalidade de uso do recurso, sendo que, do total de transações (considerado como ex- cessivamente baixo para a consolidação de um mercado efetivo), cerca 94% ocorreu entre fazendeiros. Não por outra razão, con- forme demonstra Galaz (2004), grande par- te dos conflitos no acesso ao recurso no país envolvem, de um lado, usuários de clusters agroindustriais, e de outro, camponeses e comunidades indígenas.

Já em relação à cobrança pelo uso da água, as experiências latino-americanas mais expressivas são a mexicana e a colombiana. No México, a cobrança, seguindo o Princípio

do Poluidor Pagador, é praticada sobre os despejos efetuados por municipalidades ou indústrias que excedam limites determina- dos de poluição (BELAUSTEGUIGOITIA; CONTRERAS; GUADARRAMA, 1996). Coordenado pela Comissão Nacional de Água, o atual sistema de cobranças, em vi- gor desde 1991, enfrenta problemas institu-

cionais (dado seu caráter centralizado) e de resistência de distintos seguimentos sociais à precificação do recurso. De acordo com Castro (1998), a valoração da água no país foi seguida da elevação do número de liga- ções clandestinas, dando assim margem ao acirramento dos conflitos entre usuários e poder público. Além disso, o autor ainda destaca a existência de grandes disparidades no poder de negociação de diferentes seg- mentos sociais diante das instituições públi- cas responsáveis pela regulação do acesso à água, ressaltando também o uso político do recurso por parte dos poderes locais.

Na Colômbia, o sistema de cobrança pelo uso da água é descentralizado. A res- ponsabilidade pela execução da cobrança é das Corporações Autônomas Regionais. Des- de 1942, o valor cobrado era normalmente calculado com base na tentativa de cobrir custos de operação dos sistemas de monito- ramento. A partir de 1993, quando da apro- vação da nova legislação ambiental do país, a cobrança por poluição passou a ser defini- da pelo custo dos danos causados aos “servi- ços” ambientais. Contudo, a complexidade que envolve a determinação do valor mone- tário dos “serviços” ambientais e sua tradu- ção em preços para segmentos usuários vem tornando o sistema institucionalmente cus- toso e socialmente questionável, tendo opo- sição forte e organizada de poluidores e usuários (RUDAS; RAMIREZ, 1996).

No Brasil, o modelo francês tem sido a principal referência para a construção dos arcabouços institucionais nacional e esta- duais de gestão dos recursos hídricos2. Em

nível federal, a lei 9.433 de 1997, ao instituir a Política Nacional de Recursos Hídricos, de- finiu em seu artigo quinto que a valoração seria o instrumento privilegiado de ação po- lítica de controle ambiental. Dado o caráter descentralizado da gestão das águas no país, nos rios de domínio da União, cumpre aos Comitês de Bacia Hidrográfica3 a implemen-

tação da cobrança. No caso dos rios de do- mínio estadual, são os estados da federação os responsáveis pela regulamentação do sis- tema de cobrança.

Desde 2003, em nível federal, a co- brança pelo uso dos recursos hídricos é pra- ticada pelo Comitê do rio Paraíba do Sul, que envolve municípios dos estados de São Pau-

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lo, Rio de Janeiro Minas Gerais. Em nível estadual, o Ceará implementou a cobrança no final de 1998. No estado de São Paulo, o projeto de lei que regulamenta a cobrança nos rios do estado tramita em regime de ur- gência na Assembléia Legislativa estadual desde dezembro de 2000. Neste último caso, a pressão de grupos de usuários e mesmo a indisposição do executivo estadual em acei- tar a gestão integral Comitês de Bacias Hi- drográficas sobre os recursos arrecadados são alguns dos impasses para a aprovação da cobrança no estado (MARTINS; VALENCIO, 2003).

De maneira geral, no Brasil, o princí- pio da mercantilização da água, sobretudo através das estratégias de valoração, vem sendo amplamente defendido por movimen- tos ambientalistas e pelas instituições descen- tralizadas de gestão ambiental (Comitês de Bacia Hidrográfica). As justificativas comu- mente manifestadas em favor do princípio estão, por parte dos movimentos ambienta- listas, relacionadas à perspectiva de penali- zação dos agentes poluidores, e, por parte das instituições gestoras, voltadas à arreca- dação de recursos financeiros para as ativi- dades de gerenciamento.

Considerando as motivações políticas que seguem assegurando a expansão das es- tratégias de mercantilização da água não só no Brasil, mas nas sociedades latino-america- nas como um todo, nos parece que, em ter- mos de reflexão científica, fazem-se neces- sários novos esforços de interpretação crítica dos principais termos envolvidos na noção de valoração ambiental. Ou seja, se por um lado as necessidades de recursos financeiros para a gestão ambiental e de enquadramento jurídico dos agentes poluidores são inquestio- náveis, por outro, é preciso atentar para a

não-naturalização de noções lógico-dedutivas que pouco contribuem para a construção de políticas públicas condizentes com a com- plexidade das disputas sócio-ambientais.

Do ponto de vista da análise sociológi- ca, são vários os caminhos de interpretação crítica que podem ser desenvolvidos sobre os princípios da mercantilização dos recur- sos naturais. Dentre tais caminhos, buscare- mos aqui percorrer brevemente os contornos essenciais de duas alternativas interpreta- tivas, quais sejam: a das dimensões extra-

econômicas do comportamento econômico dos agentes sociais, e; a da crítica ao padrão capitalista de uso e acesso aos processos ecossistêmicos.

2 O mercado e as demais esferas de sociabilidade

Diante da situação de hegemonia teóri- ca dos pressupostos neoclássicos da econo- mia ambiental na construção de políticas pú- blico-ambientais, parece ser de grande valia a proposição de outros olhares como alter- nativas de compreensão das disputas sócio- ambientais. Em grande medida, estes novos olhares podem partir do resgate de críticas já produzidas por interpretações sociológi- cas e antropológicas dos limites empíricos e conceituais da análise utilitarista dos fenô- menos sociais. Neste resgate, as obras de autores como Pierre Bourdieu e Marcel Mauss podem fornecer novas luzes às esfe- ras de sociabilidade que estão para além das determinações econômicas imediatas.

Em estudo sobre a crise da agricultura tradicional na Argélia, Bourdieu (1963) des- taca o quão limitante pode ser, do ponto vis- ta analítico, a universalização do homo

oeconomicus utilitarista. Ao tratar das trans- formações da ordem econômica e social do campesinato argelino durante o período de domínio francês sobre o país, o autor eviden- ciou o papel desempenhado pelo conjunto dos saberes empíricos, transmitidos pela edu- cação difusa, sobre o agir dos membros de grupos sociais específicos. No caso dos cam- poneses argelinos, as categorias econômicas capitalistas – tais como a previsão, a organi- zação técnica do trabalho, o crédito e a tro- ca monetária –, ao serem confrontadas com a consciência temporal campesina, foram por esta assimiladas não através de sua essência ou tipo puro. Ao contrário, tais categorias fo- ram depuradas pelas noções de previdência, de ajuda (baseada em laços de consangüi- nidade reais ou fictícios) e de troca de dons com base na tradição do grupo social.

As transações culturais efetuadas en- tre estruturas temporais distintas promove- ram, neste caso, uma nova conjuntura so- cial sem o predomínio indistinto da ideologia colonial ou mesmo do tradicionalismo local. Do jogo de oposições e valores da economia

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INTERAÇÕES

Revista Internacional de Desenvolvimento Local. Vol. 8, N. 2, Set. 2007. simbólica resultou aquilo que Bourdieu e

Sayad (1964) denominaram de coexistência

dos contrários, onde o ethos moderno do com- portamento econômico capitalista passou a coexistir, em cada sujeito, com os modelos e o ethos herdados da tradição.

Destarte, a possibilidade de coexistên- cia de distintos ethos e da composição de novos habitus que re-significam categoriais econômicas é não apenas possível, mas ab- solutamente pertinente para a construção de visões prospectivas sobre o comportamento dos grupos sociais ante às novas tempora- lidades que a mercantilização dos recursos naturais incitam. No caso brasileiro, em par- ticular, se considerarmos a diversidade de construções simbólicas em torno das águas, os grupos sociais que têm na interação com o recurso seu núcleo de sociabilidade (tal como os pescadores artesanais profissionais e certas comunidades ribeirinhas tradicio- nais) e as diferentes formas de interpretação da importância do recurso para a conserva- ção ambiental e dos modos de produção material sobre a natureza, logo verificar-se- á a premência das interpretações sobre as distintas formas de interpretação e adequa- ção dos segmentos sociais diante dos propó- sitos das estratégias de mercantilização da água. Ou seja, torna-se possível supor que a universalização do cálculo utilitarista da eco- nomia ambiental simplifica as expectativas em torno de supostas condutas econômico- racionais de uso do recurso ambiental4.

Ainda sobre a constituição das cate- gorias econômicas, é importante ressaltar que a sociedade cria formas diversas de trocas, que se relacionam e se retroalimentam. Nes- te sentido, cumpre destacar a assertiva de Mauss (2003) de que os mercados são cons- tituídos de práticas econômicas que são, si- multaneamente, políticas e culturais5. Em seu

Ensaio sobre a Dádiva, o autor interpreta a troca como um fato social total, cujas regras manifestam-se simultaneamente na moral, na religião, no direito, na economia, na polí- tica, na organização das relações de paren- tesco e na estética da sociedade em questão. Neste sentido, os indivíduos não podem ser concebidos como estátuas econômicas, pos- to que também são agentes políticos, cultu- rais e pessoas morais. É justamente por esta razão que, ao se supor a conduta racional

do agente econômico diante dos mecanismos de valoração da água, está-se absolutizando a dimensão econômica da conduta social e refletindo-se sobre um agente abstrato, fracionado em sua integridade social.

Este superdimensionamento do cálcu- lo econômico na conduta individual em ambientes de mercado é, tal como sugere Sahlins (2001), uma expressão da própria cultura permeada pela hegemonia da razão utilitária. Tal razão, fundamento da visão moderna de racionalidade econômica, é, do ponto de vista cultural, a maneira pela qual as sociedades ocidentais vêm se experimen- tando desde o início do século XX. Equivo- cadamente, este modo de experimentação social segue sendo reificado como único fun- damento para a explicação das proprieda- des das relações sociais, desconsiderando que

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