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Capítulo 3 – O nominalismo e a semelhança

3.5 Rodriguez-Pereyra e o problema dos universais – Many Over One

Agora que já temos uma noção mais detalhada dos truthmakers podemos analisar as sentenças de (1) a (6).

Rodriguez-Pereyra acredita que, se oferecermos os truthmakers para as sentenças do tipo (5) e (6) resolveríamos o problema dos universais, isso porque os truthmakers de sentenças do tipo das (5) e (6) oferecerão uma explicação dos truthmakers de todas as outras sentenças que estamos considerando para o problema dos universais. Vejamos novamente as sentenças:

(1) a e b são do mesmo tipo/ tem uma propriedade em comum. (2) a e b são ambos F.

(3) a e b tem uma propriedade em comum, F. (4) a tem uma propriedade.

(5) a é F.

(6) a tem a propriedade F.

De acordo com Rodriguez-Pereyra, a sentença (1) poderia ser considerada uma disjunção disfarçada [covert disjunction]. Poderíamos parafrasear (1) assim: ‘a é F e b é F, ou a é G e b é G ...’ ou ainda ‘a tem a propriedade F e b tem a propriedade F, ou a tem a propriedade G e b tem a propriedade G’, e assim por diante. (1) também poderia ser considerada uma generalização existencial, ou seja, poderíamos dizer que ‘há algo (alguma propriedade) que ambos a e b são (têm)’. Podemos perceber que o que torna (1) verdadeira é nada mais do que o que torna (2) e (3) verdadeiras. (2) e (3) são nada mais do que as paráfrases que acabamos de supor acima. Sendo assim os truthmakers das sentenças do tipo (2) e (3) serão o que torna a sentença do tipo (1) verdadeira.

Assim como a sentença (1), a sentença (4) também é uma disjunção disfarçada só que das sentenças do tipo (5) e (6). Essas sentenças também serão paráfrases da sentença (4). Vejamos, quando dizemos ‘a tem uma propriedade’ estamos dizendo que ‘a é (possuí a propriedade) F ou a é (possuí a propriedade) G ou a é (possuí a propriedade) H e assim por diante’, (4), assim como (1), também poderia ser considerada uma generalização existencial: poderíamos dizer que ‘ há algo (alguma

propriedade) que a é (que a possuí)’. O que tornará (4) verdadeira se não os truthmakers das sentenças do tipo (5) e (6)? Os truthmakers das sentenças do tipo (5) e (6) serão também os truthmakers da sentença do tipo (4).

Mas por que Rodriguez-Pereyra acredita que o problema dos universais deveria ser resolvido através de uma análise dos truthmakers das sentenças do tipo (5) e (6)? Porque, para ele, se pudermos oferecer os truthmakers das sentenças (5) e (6) e os analisarmos conjuntamente, poderemos oferecer os truthmakers de todas as outras sentenças que estamos considerando. Vejamos passo a passo como isso acontece.

As sentenças como (2) e (3) são sentenças conjuntivas encurtadas, diz ele, o que elas informam é: ‘a é (tem uma propriedade) F e b é (tem uma propriedade) F’. Lembremos, como dissemos na seção anterior, que os truthmakers de uma conjunção serão os truthmakers de seus conjuntivos tomados conjuntamente, ou seja, o fato de que Sócrates é branco e o fato de que Platão é branco, tomados conjuntamente, tornam verdadeira a sentença ‘Sócrates é branco e Platão é branco’ (Rodriguez- Pereyra, p. 38-39). Sendo assim, o que torna a frase ‘a é (tem uma propriedade) F e b é (tem uma propriedade) F’ são os truthmakers tomados conjuntamente da sentença ‘a é (tem a proprieda) F’ e da sentença ‘b é (tem a propriedade) F’, ou seja, os truthmakers das sentenças do tipo (5) e (6).

Agora, se pudermos oferecer os truthmakers das sentenças do tipo (5) e (6), também teremos os truthmakers das sentenças do tipo (4), já que ela é uma disjunção disfarçada das sentenças em questão. Também teremos os truthmakers das sentenças do tipo (2) e (3) que são os truthmakers de (5) e (6) tomados conjuntamente – como vimos acima. Por fim, teremos os truthmakers da sentença do tipo (1), que serão os mesmos das sentenças do tipo (2) e (3).

Mas quais seriam esses truthmakers? Quais seriam os truthmakers das sentenças do tipo (5) e (6)? De acordo com Rodriguez-Pereyra, quando dizemos que a é (tem a propriedade) F estamos dizendo, primeiro, que a existe e, segundo, que há algo que o faz ser F. Portanto os truthmakers das sentenças do tipo (5) e (6) serão, primeiro, o fato de algo existir e, segundo, o fato desse algo ser o que ele é50. Ele apresenta um ponto geral para que aceitemos isso:

50 O Nominalismo de Avestruz considera apenas a como o truthmaker das sentenças do tipo (5) e (6).

Rodriguez-Pereyra apresenta alguns motivos para acreditarmos que algo a mais é necessário para tornar essas sentenças verdadeiras, essa discussão não será apresentada aqui, para maiores informações ver a seção Against Truthmaker Ostrich Nominalism (Rodriguez-Pereyra, 2002, 43-46).

Tome qualquer sentença verdadeira predicando algo sobre a, por exemplo, ‘a é branco’. Também existirá outras verdades sobre a, como, ‘a é esférico’ e ‘a é quente’. E agora a idéia de que a é o único truthmaker dessas verdades deve ser vista como seriamente deficiente. Pois, como a mesma coisa torna verdadeiro ‘a é branco’, ‘a é esférico’ e ‘a é quente’? Em geral, o que torna a F deve ser algo diferente daquilo que o torna G, se F e G são propriedades diferentes. (Rodriguez-Pereyra, 2002, 45)

Se voltarmos ao problema dos universais veremos, então, que há um problema anterior a ser resolvido. Lembremos que o problema dos universais foi colocado anteriormente como o problema de como é possível que particulares numericamente diferentes possuam a mesma propriedade (ver seção 2 desta dissertação). Porém, se aceitarmos que uma solução para o problema dos universais deve oferecer os truthmakers de sentenças como ‘a é F’ e ‘a tem a propriedade F’ e que o truthmaker desses tipos de sentenças não pode ser apenas o fato da existência de a – ou de qualquer outro particular que ocupe o lugar de a, teremos que explicar a multiplicidade de propriedades que a – ou qualquer outro particular que ocupe seu lugar – possui51. De fato, muitas das teorias que tentam solucionar o problema dos universais fazem isso. A Teoria de Tropos, por exemplo, explica a multiplicidade das propriedades em termos dos diferentes tropos que a tem, o Universalismo explica a multiplicidade das propriedades em termos dos diferentes universais que a instancia, o Nominalismo de Semelhança explica essa multiplicidade em termos dos diferentes particulares a que a se assemelha.

Com isso, deveríamos perceber que, como defende Rodriguez-Pereyra, o problema dos universais não é o de responder diretamente como é possível que particulares numericamente diferentes possuam a mesma propriedade, mas sim, o de responder como é possível que um único particular possua muitas propriedades, esse problema é chamado por ele de ‘problema de muitos em um’ [Many over One].

51Rodriguez-Pereyra admite que se os particulares tivessem apenas uma propriedade então, talvez, os

próprios particulares poderiam ser os truthmakers de sentenças como (5) e (6). Porém, dado a multiplicidade das propriedades que os particulares possuem somente o particular a (ou qualquer outro que ocupe seu lugar) não poderia ser o truthmaker desses tipos de sentenças.

De acordo com Rodriguez-Pereyra, quando levamos em consideração o problema do many over one junto com a solução proposta pela teoria de truthmakers, o problema do one over many desaparece, isto porque o que tornará a verdade de uma sentença como ‘a é F e b é F’ serão os truthmakers de ‘a é F’ e de ‘b é F’ tomados conjuntamente e, como os truthmakers dessas sentenças não podem ser apenas a existência de a, precisaremos explicar como é possível a multiplicidade de propriedades que a possui, ou seja, explicar como é possível que ‘a é F’, ‘a é G’, ‘a é H’ e assim por diante. Nas palavras de Rodriguez-Pereyra, é o fenômeno many over one em vez do fenômeno do one over many que deve ser explicado, pois o one over many tem como seu ponto de partida fatos na multiplicidade de particulares compartilhando alguma propriedade, fatos expressados por sentenças como ‘a é F e b é F’. Também devemos perceber que, já que as teorias que tentam dar conta do problema dos universais também oferecem uma explicação para o problema da multiplicidade das propriedades dos particulares, o problema admitido como sendo o problema de many over one não coloca o nominalismo de semelhança em vantagem com relação as outras teorias e nem sugere uma resposta particular ao problema. O que o nominalismo de semelhança propõe é uma solução para o problema do many over one sem a necessidade de postular universais nem tropos.

Agora, lembremos que, para Rodriguez-Pereyra, a conexão entre a semelhança e as propriedades que os objetos têm em comum pode ser uma pista para resolver o problema dos universais (Rodriguez-Pereyra, 2002, 21). Nas próxima seção veremos o que isso significa e como essa conexão oferece uma resposta ao regresso sugerido por Russell.