• Nenhum resultado encontrado

I.3 O R OMANCE C ANADIANO C OEVO

I.3.1 O Romance Rural

Depois de referir muito de raspão alguns dos autores que no passado consolidaram, em todo o território canadiano, uma certa tradição do romance rural, ou regional, como é o caso de Anna Jameson (1794-1860), autora de Winter Studies and Summer Rambles in Canada (1938), Ralph Connor (aliás, Charles W. Gordon) (1860- 1937), Marian Keith (aliás, Mary Esther MacGregor) (1876-1961), Nellie McClung (1873-1951), L. M. Montgomery (1874-1942), Engel prepara-se para comentar a produção romanesca sua contemporânea, subdividindo a secção do Romance Rural em três grupos principais, que intitula respectivamente: (1) Nova Scotia (2) The Prairie Novel (3) Other Rural Novels. O primeiro grupo, ‘Nova Scotia’, é, por sua vez, dividido em dois subgrupos: (a) Thomas Head Raddall (1903-1994), Will R. Bird (1891-1984), (b) Buckler (Ernest) (1908-1984) and Bruce (Charles) (1906-1971); o segundo grupo, ‘The Prairie Novel’, contempla quatro autores (a) Frederick Philip Grove (1879-1948), (b) W.O. Mitchell (1914-1998) e Sinclair Ross (1908-1996), e (c) Edward A. McCourt (1907-1972).

I.3.1.1 Nova Scotia

Engel dedica a Raddall doze páginas e meia, quase dez por cento da sua dissertação de cento e trinta e duas páginas. Mais atenção, e pouco mais, apenas a concedeu à obra de Hugh MacLennan, o seu supervisor, que no capítulo a ele dedicado declinou, naturalmente, qualquer orientação.

O forte de Raddall , sublinha Engel, é a sua capacidade de rechear um romance de pitorescos episódios de acção. No entanto, também é capaz de escrever excelente prosa descritiva, e atinge o seu melhor quando retrata as excentricidades da sua própria província: “humorous everyday incidents in the lives of fishermen and sailors, the varied picture of the more active facets of Nova Scotia life” (MAT 9), um olhar que procura ser objectivo, mostrando do exterior “the heroism, love and hope of the little man of his province. Seldom, however, does he penetrate beyond the waterfront of a city to the lives of its more stable inhabitants” (MAT 9).

O escopo de Engel incide sobre três romances de enredo contemporâneo: The Nymph and The Lamp (1950), Tidefall (1952) e The Wings of Night (1956). Nos três livros, os protagonistas enfrentam uma época difícil numa província que procura manter-se agarrada ao velho estilo de vida e ao mesmo tempo sobreviver, adaptando-se ao novo. Carney, a personagem principal do romance de 1950, “memorable and strange, is unique in the annals of Canadian literature” (MAT 11), enquanto praticamente todas as outras personagens dos romances de Raddall são pouco mais, no entender de Engel, do que:

types who have been done before and done better. They have barely enough individuality to appear anything but clichés. They are mixed with local colour characters – fishermen, sea captains, labourers and islanders. Raddall seems to see people as generalizations. The result is that his work is more provincial than it superficially seems to be” (MAT 16).

Embora não sendo natural de Nova Scotia, Raddall parece ter interiorizado bastante da perspectiva regional peculiar a esta província, dando a entender que “The truly good moments in a man’s life come when he is close to the sea, the forest, the land or to someone he loves (MAT 14). Mais do que condená-la, Raddall ignora a sociedade. Não se sente à vontade a escrever sobre a vida profissional, a educação ou a vida política da província, o que não deixa de surpreender Engel, porquanto são precisamente as três esferas de acção em que os habitantes da Nova Scotia se podem orgulhar de suplantar a grande maioria dos seus concidadãos do resto do país. Trata-se, porém, de ocupações com que Raddall nunca esteve em contacto, e, por isso, nunca aflora a educação para além da escola primária de província; o governo e as profissões são vagas sombras projectadas no pano de fundo da sua obra (cf. MAT 14).

Para os protagonistas dos romances de Raddall, a civilização das primeiras décadas do pós-guerra apresenta-se como uma nuvem negra ameaçadora, e, ao invés de procurarem atravessá-la, fogem dela, para as suas ilhas, os seus mares, as suas florestas: “And this is the weak point of Raddall’s work”, observa Engel com perspicácia, “for one can imagine nothing less typical of the province that has produced Canada’s best statesmen and professional men than the act of running away” (MAT 16-17).

Engel fica com a sensação de que Raddall não conhecia bem os seus comprovincianos e, por isso, recorria a enredos e episódios vistosos. Tudo o que acaba por fazer são brilhantes generalizações sobre as suas personagens, mostrando ao leitor a Nova Scotia do exterior, na perspectiva do turista, que parece ser o modo como a maioria dos nova-escocianos se vê a si própria. Em detrimento da Nova-Scotia, lamenta Engel, falta à obra de Raddall aquela weltanschauung imprescindível para escrever um bom romance.8

E Engel termina os seus comentários à obra de Raddall com observações que, sobretudo, lançam luz sobre a sua própria obra futura, o seu entendimento do papel e do modus operandi do romancista:

One of Raddall’s problems is that [...] he is unable to cope with modern methods. He has a superb narrative style, but his writing methods are outmoded, so that he falls between the two current schools of writing – the “hacks” who buy their plots and live well, and the artists, who live less well but write better. The difficulty for Raddall is to write seriously, after James Joyce and Virginia Wolf and E.M.Forster, the type of novel that has not since Robert Louis Stevenson been taken seriously. The modern writer must take into account sociology, modern politics and economic theory, and if he is going to write seriously about people, the new sciences must be included in the modern writer’s viewpoint (MAT 18).

Partilhando as mesmas limitações de Raddall – “more provincial, more arrantly adventurous [novels] than Raddall’s” (MAT 19) – mas sem as suas qualidades de prosador, Will R. Bird é ‘arrumado’ em apenas sete linhas.

8 Ora aí está uma das afirmações em que Engel poderia estar a pensar quando se referiu à sua tese na entrevista. A impossibilidade de um sistema filosófico coerentemente integrado é precisamente uma das premissas basilares do pós-modernismo, e uma experiência com que se vão ter de defrontar as próprias heroínas de Engel.

No segundo subgrupo, ‘Buckler and Bruce’, Engel comenta dois livros: The Mountain And The Valley (1952), de Ernest Buckler e The Channel Shore (1954), de Charles Bruce. De The Mountain And The Valley, Engel termina dizendo ser “a strange book, rich with the poetry of an unhappy man in a queer but poetic environment. It is not always realistic: its rustic sexuality is obsessive: it is sometimes moving, and always, strange” (MAT 25). David Canaan, o protagonista do romance, é um homem de grande sensibilidade, psicologicamente instável, que apenas ganha equilíbrio quando consegue ao mesmo tempo dedicar-se à literatura e à agricultura. Engel salienta que o que abunda em sensualidade no romance falta em espiritualidade, estando completamente ausente a religião, o que é surpreendente quando o seu autor pretende dar uma imagem realista de uma região de grande tradição religiosa. Embora reconheça em Buckler uma grande capacidade de penetração psicológica nos problemas e afectos das personagens (cf. MAT 20), e uma intenção realista “clearly against the romantic conception of country people as earthy and clumsy men of good will” (MAT 21), Engel aparenta9 não ver em The Mountain And The Valley “one of the finest portraits of the artist as a young man that the language has known”, como o classifica John Moss, o autor do valioso A Reader’s Guide To The Canadian Novel (1987), (Moss 42), que releva ainda a sua estrutura retrospectiva, a distância irónica obtida através da narrativa na terceira pessoa, a prosa exacta e precisa. Para Moss, o romance é, ainda, claramente uma alegoria do papel da arte na vida, em muitos aspectos, parece-me, não muito diferente do que acontece com algumas personagens de Engel, como Harriet, Sarah ou Lou.

O romance de Bruce, The Channel Shore, é favoravelmente comparado ao anterior, porquanto dá uma imagem mais verdadeira da vida rural. Embora longo, penoso e, por vezes, despido de interesse, o romance é sempre límpido e autêntico. “The characters are drawn carefully”, escreve Engel, “and established in a more balanced picture than Buckler’s are” (MAT 25).

Trata-se de uma história de relações e contrastes complexos, continua Engel. Pescador e camponês, metodista e católico são confrontados uns com os outros, e tornam-se visíveis as distinções morais a preto e branco, que ainda perduram (1957) em

9 Digo aparenta, porque, um pouco mais adiante, Engel refere-se ao romance de Buckler como sendo “self-consciously personal” (MAT 29).

comunidades onde não se fazem ainda sentir os efeitos dos valores equívocos da vida urbana. As pessoas do campo são retratadas com mais atenção às múltiplas dimensões das suas vidas, e não como simples estereótipos. O pormenor histórico e a linguagem coloquial são de grande riqueza e rigor.

E, à guisa de corolário, Engel escreve:

Bruce has avoided on the one hand lush sentimentality and on the other, platitudinous domesticity, which generally sour the rural novel. His view of the Channel Shore is sober and sympathetic. The heaviness of the book comes from a too close attention to detail which weighs the plot down considerably. Though Bruce uses the omniscient Tolstoyan point of view to add bulk and depth to his narrative, it is not quite successful because his material is not so vivid as Tolstoy’s in Anna Karenina, the Tolstoy novel which has some affinity with The Channel Shore. There is in Bruce’s novel the golden tone of the Levin episodes in Anna Karenina, but a darker scheme against which to foil the pastoral element is lacking. And it is indeed difficult for the relatively simple Shore people to bear Bruce’s close scrutiny without being diminished by it (MAT 27-28).

Documentos relacionados