• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 5 A MONOPARENTALIDADE: REFLETINDO SOBRE A REALIDADE

5.3 Rompimento conjugal

Quando as negociações se tornam cada vez mais dificultadas na dinâmica cotidiana, consequentemente, situações conflituosas podem surgir e causar desentendimentos, pequenas e grandes agressões, mágoas que culminam no demoranemento da vida conjugal, inclusive podendo levar à separação conjugal.

Foi ficando complicado, porque... ele começou beber muito, começou a ter agressões de palavras, ai chegou num ponto de agressões físicas. Eu quis me separar, tomei a iniciativa. (Carla).

O final do relacionamento foi terrível, uma perseguição terrível, ele ficava mesmo no meu pé, me acusou [...]. (Cleonice).

Carla e Cleonice optam pela separação, uma vez que, o comportamento dos respectivos cônjuges se torna persistentemente impróprio e violento, isto acaba por transformar a vida conjugal em algo penoso e insuportável.

Entretanto, o processo que leva ao rompimento dos laços maritais detém variados estágios, pois, compreende não só na separação propriamente dita, mas todo o periodo anterior que vem acompanhado do pensamento e a vontade cada vez mais intensas..

Segundo estudos desnvolvidos por Wallerstein e Blakeslee (1996 apud CERVENY, 2004, p. 33) mostram que o cônjuge que toma a iniciativa, já começa o pro- cesso de desligamento dois anos antes de propor a separação.

Cleonice demonstra momentos conjugais de experiências apreensivas do divórcio, até que a dedição seja definitiva:

[...] um dia ele falou “o que você acha de nós separar”, daí eu falei “vamos separar que desse jeito não dá mais para viver”, daí ele falou que levou um susto por eu ter aceitado, como ele é machão ele achou que tinha que seguir aquilo ali, como se diz ela não quer separar, então vamos separar, e eu tornava a repetir “vamos separar, eu não sou sua escrava, eu não quero viver dessa forma”, até que um dia chegou ao fim mesmo, não teve mais jeito, não teve volta. (Cleonice).

Numa época anterior, a mulher era literalmente prisioneira de seu marido, mas, atualmente, ela pode optar em se divorciar e recomeçar sua vida.

Juridicamente os liames matrimoniais são solúveis, se ainda há alguns anos, o divórcio era visto como uma transgressão, em nossos dias é considerado como uma nova forma de vida familiar. “A partir dos anos 1980 começa a surgir com vigor a idéia de que o divórcio era a saída para uma relação infeliz.” (CERVENY, 2004, p. 32).

Muitos cônjuges, apesar de todas as dificuldades que podem encontrar com o rompimento conjugal, acreditam que a separação representa uma melhoria do ambiente familiar e das relações com os que permanecem no lar, uma vez que colocam fim a uma situação de conflito que se torna penosa tanto para os genitores quanto para os filhos.

Melhorou porque o ambiente muda, quer dizer, um ambiente que era pesado se tornou assim um ambiente calmo, um ambiente gostoso. (Carla).

Eu me senti bem melhor, principalmente hoje que passou tudo, eu acho assim que se eu não tivesse nem casado, só tivesse tido os meus filhos e ter feito isso tudo que eu fiz de dez, doze anos que eu fiz sozinha teria sido melhor, aquele dez anos que eu fiquei com ele eu perdi, se eu tivesse catado desde lá e tivesse vindo sozinha só com eles eu acho que eu teria tido mais aproveito. (Cleonice).

O mais difícil já passou... Pra mim tá bem melhor do que quando tava com a mãe dele (última esposa). Foi até bom nóis separa, porque se eu tivesse com a mãe dele, acabava sendo pior. Porque eu já sei minha obrigação, a hora que eu tenho que dar janta pra ele, a hora que eu tenho que dar banho. Quando eu tava com a mãe dele, não... eu só ficava nervoso, era direto, chegava do serviço a mulher no bar, tinha coisa de comer mais ela não fazia. (Antônio).

Entretanto, mesmo as separações desejadas - que ocorrem depois de anos de insatisfação do casal - trazem junto à sensação de alívio sentimentos intensos de sofrimento e ressentimentos.

[...] ele me deprimiu tanto, eu fiquei assim meio paradona quando a gente se separou mesmo, que acabou tudo eu fiquei meia assim... me sentindo culpada, uma sensação horrível; depois que eu fui pensando que a separação seria o melhor. (Cleonice).

O desenlace final do casamento provoca uma imensidão de sensações ambivalentes, como descreve Garbar e Theodore (2000, p. 33): “Medo de ficar só, culpa por querer sair do casamento, raiva do parceiro que não é capaz de garantir felicidade, e assim por diante.”

Afinal, a maioria dos entrevistados vivenciaram resquícios de uma época em que a união era considerada compromisso de amor e companherismo para a vida inteira, sendo o divórcio uma dolorosa exceção. Deste modo, a maioria dos casais esperam que a profecia do “viveram felizes para sempre” se cumpra em seus relacionamentos:

Na realidade, eu fiquei assim um pouco chateada, porque a gente quando casa pensa que vai ter um relacionamento até o fim da vida. Então, quando chega esse ponto de não acontecer isso ai, a gente fica um pouco até revoltada com a situação, mas depois com a ajuda de amigos, parentes, conversaram muito comigo, eu tive muito apoio, ai eu fui superando .Carla).

É importante considerar que quando separação acontece - seja por inciativa de um deles ou acordo mútuo - é porque os dois tinham problemas juntos. Sendo assim, cada um deles é responsável

pelos sucessos e insucessos vividos nesse casamento, deste modo, não é possível atribuir a culpa da separação a um dos dois somente, pois, ambos colaboraram para este desenlace.

Mas, o divórcio advindo de uma crise repentina, ou não, é um momento de grandes transformações, entre outras coisas, culmina numa diferenciada organização familiar.

No caso de Luís, a separação acontece de modo inesperado: após dez anos de casamento sua esposa decide sair de casa, é feito um acordo entre o casal – no qual não é revelado na entrevista – e ela deixa os três filhos (dez, oito e sete anos) com o pai:

Sou separado... deu dez ano que a gente ficou juntos, os meninos tava pequeno, ela foi embora e largou eles... fizemos um acordo e ela foi embora […]. Não tinha planejado foi tudo de repente, na hora foi decidido.

César e Raquel também vivenciam separações repentinas, entretanto, ocasionadas por fatalidades, pois, ambos são viúvos e perdem seus companheiros em situações trágicas.

O parto teve de ser cesária, pois o bebê não estava na posição para um parto natural... A infecção foi fulminante, embora ela tivesse uma saúde de ferro, nenhum médico e nenhuma tecnologia foi capaz de detectar a tempo aonde encontrava-se a infecção, cheguei a transferi-la para um dos melhores hospitais do país, o Albert Einstein, e nem lá conseguiram salvá-la. (Carlos). A gente tava com doze anos de casado, foi quando aconteceu o acidente com ele, foi inclusive no dia do aniversário dele. Como nessa época ele já era gerente do trabalho, ele não almoçava mais em casa, então, ele almoçava lá, e nesse dia, ele me ligou falando que ia almoçar com a gente, então, vindo pra casa pra almoçar de moto, ele bateu num caminhão e morreu na hora. (Raquel).

César é casado por dois anos, sua esposa tinha trinta e dois anos quando falece de infecção hospitalar - a filha do casal tinha seis dias. É de se concluir, que o acontecimento não faz parte dos planos do casal essa que a tragédia é um susto enorme para Carlos que, na época, não espera ter que acolher sozinho em seu lar a primogênita:

[...] Obviamente se conclui que não havia nenhum planejamento a esse respeito, foi um momento muito difícil e delicado da minha vida, onde o momento de alegria de ver a minha filha vir ao mundo se misturou com a terrível dor de ver a minha querida esposa nos deixar aqui sozinhos.

Raquel espera o marido para comemorar o aniversário dele com a família, quando recebe a notícia do seu acidente; esta ruptura repentina provoca um misto de sensações, nem sempre coerentes.

Para Raquel perder esse vínculo é um processo doloroso, pois, ela está extremamente ligada ao marido e, em certos momentos, entre outros sentimentos, tem o pressentimento de não conseguir continuar sua própria vida:

Eu achei que não ia conseguir... minha primeira reação foi isso, porque na minha casa por mais que era tudo dividido, compras e supermercado tudo eu dependia dele, não dava pra gente ir fazer compra, eu esperava o dia que ele podia pra ir comigo, ir no açougue e tudo mais; eu tinha carta e carro mas não era por medo é que eu era dependente dele, eu precisava dele pra tudo. Eu perdi tudo, perdi o marido, os braços e as pernas.

As famílias que vivenciam o rompimento conjugal por situações trágicas, de certa forma, carregam o sofrimento de quererem continuar algo que é interrompido indesejadamente.

Contudo, toda separação tem consequências que provocam muita turbulência, e não envolvem apenas os cônjuges como também a prole que sentem diretamente o desentendimento familiar e a ruptura, progressiva ou brutal, dos laços que os uniam, afinal, os descendentes estão fortemente ligados à vivência afetiva dos pais.

Alguns filhos podem encontrar dificuldade em aceitar as circunstâncias de separação dos pais; outros monstram-se relativamente neutros deixando a decisão a critérios dos genitores, para assim não tomarem partido de nenhuma das partes; também podemos observar posicionamentos filiais em favor da dissolução do casamento, para eles, isto pode significar o fim de um dia-a- dia violento e repleto de insegurança - já que a insatisfação dos pais perante o casamento é visível. Por isso, os conflitos se tornam constantes e insuportáveis também para os descendentes.

Durante muito tempo, as palavras separação e divórcio evocaram quase sistematicamente, sofrimento, dor, mal-estar. A pais separados associava-se, automaticamente, filhos traumatizados. Sabe-se hoje que, para os filhos, é preferível uma separação a uma situação por demais conflituosa que se cristaliza. (GARBAR; THEODORE, 2000, p. 106).

A opinião dos filhos pode de certo ponto influenciar no processo de separação, ou até mesmo retardar, mas não é o bastante para impedi-lá. Enfim, com maior ou menor explicitação dos sentimentos, com o tempo, os descendentes reconhecem que a decisão relativa a separação cabe aos seus pais.

Teve uma vez que a gente ia se separar, sentamos com os filhos, mas ela (a filha), chorou tanto, não queria que o pai saísse de casa, e a gente resolveu não separar, mas depois não teve mais jeito, não dava pra continuar assim, não existia paz, até os filhos concordaram. (Carla).

A formalização da separação cabe ao casal, contudo, a prole manifesta com propriedade sua intenção em residir com um dos genitores.

Ele (filho) não queria a mãe, ele é muito apegado comigo, desde pequenininho foi assim onde eu vou ele quer ir junto. (Antônio).

Todos os dois filhos, não queria o pai não, na época eles queriam ficar comigo. (Cleonice).

Os próprios filhos que optaram em ficar comigo, eu e meus filhos sempre conversamo muito, eu tive apoio deles na época da separação. Ele (genitor) até disse que eu tava pressionando os filhos pra que eu ficasse comigo, ai sentamos nós quatro, e os próprios filhos que decidiram que queriam ficar comigo. (Carla).

Observamos que no caso de Antônio o interesse do filho em residir com a mãe é nulo, e este apesar da pouca idade – quatro anos na época da separação – manifesta ativamente sua opinião.

Cleonice e Carla expõem a decisão dos filhos em residir com a mãe; entretanto, o ex- companheiro de Carla interpreta o posicionamento da prole como uma forma de coerção materna, ou seja, a mãe diante da circunstância da separação, aproveita de seu maior contato com os descendentes para persuadi-los a ficar com ela.

Mas, Carla realça que tais desavenças são esclarecidas através de um diálogo familiar democrático, onde todos expõem seus sentimentos e suas decisões sobre quais dos genitores desejam residir.

Em nenhum momento Luís relata a interferência dos filhos sobre a decisão dos pais no que diz respeito à guarda filial, uma vez que esta se torna um acordo comum somente entre os pais, onde a prole apenas acata tal combinação.

A “aparente” aceitação filial (sob o prisma das falas dos genitores), entre tantos fatores, pressupostamente pode se dar pelo fato dos filhos sentirem, mesmo que intimamente, o desejo dos pais em assumir, ou não, a responsabilidade de seus cuidados, haja vista que a prole nunca é neutralizada dos climas instaurados no ambiente familiar.

Já os filhos de Raquel assim como a filha de César vivenciam o processo de rompimento parental ocasionado pela morte de um dos pais, restando-lhes apenas um dos genitores, além de apresentam pouca idade, inclusive para o entendimento daquela situação de falecimento.

Vale destacar que não somente a prole como também o círculo de relacionamento familiar pode exprimir formas diversas de opiniões e juízos sobre o término da união marital podendo, de certa maneira, exalar reflexos, tanto positivos como negativos, nos cônjuges.

Enquanto eu trabalhava ela não tava nem ai não com o menino, ele ficava na rua e ela no bar. Eu falei, ah! Não serve não. Muita gente admirou, a maior parte dos vizinhos aqui falou, oh, cê tá de parabéns. (Antônio).

Antônio demonstra que a apreciação positiva das pessoas que fazem parte do seu meio social, sobre a atitude dele em pôr fim ao seu relacionamento conjugal fornece-lhe certo amparo para firmar a idéia de que a decisão da separação é a melhor escolha diante do comportamento (classificado por Antônio) como insatisfatório da companheira:

Para Carla, apesar de ter uma opinião formada sobre sua separação conjugal, o apoio dos familiares, fornece relativo respaldo à sua decisão.

Não senti nenhum tipo de pressão, quando eu tomei a decisão, eu já tava certa de que aquilo seria melhor, mas, graças a Deus, eu tive muito apoio da minha família, meus filhos que acharam que a decisão deveria sair de mim. (Carla).

Esse amparo familiar encontrado por ela, fortalece o núcleo de relacionamento e, de certa forma, lhe disponibiliza mais seguraça diante de eventuais comentários sobre sua situação de separada:

Eu nunca me preocupei o que os outros iam falar lá fora, o que me preocupava era eu e meus filhos lá em casa, e não o que a pessoa alheia lá fora ia falar ou deixar de falar, nunca me preocupei com isso. (Carla).

Já Cleonice mostra uma sutil preocupação com a aparência do seu relacionamento conjugal perante aos filhos e aos vizinhos; há uma preocupação em preservar os membros familiares mesmo diante do abalo matrimonial.

[...] a gente não briga assim para as crianças ouvir, portanto, nem meus vizinhos ouviam, eles não acreditavam quando a gente separou porque achava que a gente não brigava. (Cleonice).

Quando ocorre a separação de fato, observamos que Cleonice anuncia uma postura alheia aos comentários - talvez como um recurso de auto-preservação:

Eu acho que eu nunca liguei para isso, eu nunca me preocupei, às vezes a gente sente sim, mas eu não fiquei ligada muito nisso porque é até ruim; as pessoas já falam que ficam se sentindo mau porque as pessoas rejeitam por você é separada, porque ela não tem marido... eu nunca fiquei pensando muito nessas coisas não. Pode até ter acontecido comigo, mas eu nunca dei muita bola para isso.

No caso de Raquel os comentários alheios interferem bruscamente na sua vida, pois, além dos sentimentos relativos ao luto do marido, ela ainda tem que lidar com julgamentos negativos:

Eu senti preconceito, na verdade, eu tive um episódio de viuvez muito triste, já é triste você ser sozinha com os filhos. Que nem quando meu marido morreu, a cidade na época, falava absurdos da morte dele, que ele tinha se matado por eu havia o traido, sabe... inventou muitas coisas minhas que me afetou muito emocionalmente, eu entrei em depressão, em um mês eu perdi quinze quilos, na época. Porque a gente tinha um relacionamento muito bom pras pessoas falarem dele o que falou, então, me abateu muito, foi dois sofrimentos: a difamação que tavam fazendo dele e a perda.

Em tempos mais remotos, as famílias que não contavam com a presença do genitor no ambiente doméstico eram alvos de preconceitos e de marginalização: “A presença da figura masculina em um lar era necessária para garantir a idoneidade moral das mulheres.” (ALVARES, 2003, p. 36).

O povo inventa horrores da gente! Eu senti assim também preconceito, em relação aos amigos do meu marido, depois que eu fiquei viúva, os amigos deles me ligando, não pra me confortar, mas pra me chamar pra tomar vinho, você tá vendo que isso é uma cantada. E isso me magoa muito: “Poxa vida! O que eles acham que a gente é, só porque é viúva vai virar uma prostituta, vai ficar saindo com um e com outro?.” E ainda às vezes acontece da pessoa falar “você tá sozinha” ou alguém chegar e falar “oh, fulano falou que você é ajeitada, não quer sair com ele um dia?”. Então, são essas coisas assim, e isso me magoa, porque eu fiquei muito decepcionada na época que falaram de mim. O padre até falava “deixa filha, porque viúva realmente é perseguida”. Eu sempre falo que a gente não tem que sair brigando com aquele que falou de você, só o tempo vai dizer quem você é. (Raquel).

Raquel demonstra que com o tempo, ela aprendeu a lidar com os preconceitos e assim, seguir sua vida de acordo com os seus próprios valores e verdades, buscando o caminho que acreditou ser o mais favorável.

A forma com que cada genitor monoparental lida com as opiniões externas, durante e após o processo de rompimento conjugal, é uma condição pessoal que vai sendo amadurecida ao longo dos acontecimentos e das relações sociais.