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I RONIA COMO FORMA DE EQUILÍBRIO

No documento Ironia: Bandeira contra a maldição (páginas 82-88)

Capítulo 3. A ironia como forma de equilíbrio Bandeira: Noivo da morte,

3.1 I RONIA COMO FORMA DE EQUILÍBRIO

O trabalho até aqui empreendido teve por escopo demonstrar o uso da ironia por Manuel Bandeira, não apenas como um recurso de estilo disponível ao poeta para a consecução de sua obra, mas como um meio por ele escolhido para,

através de seu emprego, blindar-se em relação à maldição da morte que passa a espreitá-lo desde a sua saída da adolescência e o acompanha até o ocaso de sua existência aos 82 anos de idade. Foi ela o meio encontrado pelo poeta para manter- se equilibrado em meio à desestabilidade da vida.

Não podemos deixar de constatar que com sua obra, particularmente a poética aqui estudada, ele traduz as dores do mundo a contradição entre a vida e a morte, não na dolência e no balanceio da poesia habitual, mas, muitas vezes, numa secura e por vezes numa ironia que carrega em si a rara qualidade de ser humorística e trágica.

A presença do humor irônico em seus poemas deve-se à convivência que ele autor travou diariamente com o pesadelo da morte, e o seu legado artístico ao povo brasileiro representa o milagre e a vitória da saúde sobre a doença, da vida sobre a morte.

Chega em seus poemas, como que a experienciar o último estágio dos que estão prometidos à morte, no dizer de Kübler-Ross, a nutrir certa ternura pela ―indesejada das gentes‖, noiva e companheira constante de muitos anos, interlocutora secreta que, de modo paradoxal, revelou-lhe o valor absoluto de cada dia, de cada pessoa, de cada coisa, enfim ensinou-lhe a sabedoria da morte - quando o indivíduo ao descobrir que não apenas os outros morrem – transformando- se em sabedoria de vida, como em muitas correntes filosóficas e psicológicas, como visto ao longo do que foi trazido à colação neste trabalho. A importância da existência de cada coisa, cada um: simples, essencial, efêmera e passageira. Milagre. E a morte, também milagre, apesar da contradita do eu lírico, como diz em seu poema

PREPARAÇÃO PARA A MORTE

A vida é um milagre. Cada flor,

Com sua forma, sua cor, seu aroma, Cada flor é um milagre.

Cada pássaro,

Com sua plumagem, seu vôo, seu canto, Cada pássaro é um milagre.

O espaço, infinito, O espaço é um milagre. A memória é um milagre. A consciência é um milagre. Tudo é milagre.

Tudo, menos a morte.

– Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.

E também em outros poemas que compõem o conjunto de textos em que o poeta fala de sua preparação para a morte. Vejam-se os poemas a seguir:

VONTADE DE MORRER

Não é que não me fales aos sentidos, À inteligência, o instinto, o coração: Falas demais até, e com tal suasão, Que para não te ouvir selo aos ouvidos.

Não é que sinta gastos e abolidos Força e gosto de amar, nem haja a mão, Na dos anos penosa sucessão,

Desaprendido os jogos aprendidos.

E ainda que tudo em mim murchado houvera, Teu olhar saberia, senão quando,

Tudo alertar em nova primavera. Sem ambições de amor ou de poder, Nada peço nem quero e - entre nós -, ando

Com uma grande vontade de morrer.

CANÇÃO PARA MINHA MORTE

Bem que filho do Norte Não sou bravo nem forte. Mas, como a vida amei Quero te amar, ó morte, - Minha morte, pesar Que não te escolherei.

Do amor tive na vida Quanto amor pode dar: Amei não sendo amado, E sendo amado, amei. Morte, em ti quero agora Esquecer que na vida Não fiz senão amar.

Sei que é grande maçada Morrer mas morrerei - Quando fores servida - Sem maiores saudades Desta madrasta vida, Que, todavia, amei.

PROGRAMA PARA DEPOIS DE MINHA MORTE

...esta outra vida de aquém-túmulo.

Guimarães Rosa Depois de morto, quando eu chegar ao outro mundo,

Primeiro quererei beijar meus pais, meus irmãos, meus avós, meus tios, meus primos.

Depois irei abraçar longamente uns amigos - Vasconcelos, Ovalle, Mário...

Gostaria ainda de me avistar com o santo Francisco de Assis. Mas quem sou eu? Não mereço.

Esquecido para sempre de todas as delícias, dores, perplexidades Desta outra vida de aquém-túmulo.

O CRUCIFIXO

É um crucifixo de marfim Ligeiramente amarelado, Pátina do tempo escoado. Sempre o vi patinado assim.

Mãe, irmã, pai meus estreitado Tiveram-no ao chegar o fim. Hoje, em meu quarto colocado, Ei-lo velando sobre mim.

E quando se cumprir aquele Instante, que tardando vai, De eu deixar esta vida, quero

Morrer agarrado com ele.

Talvez me salve. Como - espero - Minha mãe, minha irmã, meu pai.

Na obra bandeiriana, no dizer de Castañnon Guimarães (2008, p. 121) ―Tem papel importante a presença do humor. Este, que pode ir de um tom ameno à uma acidez corrosiva, é um elemento que instaura uma subversão na expectativa do desenvolvimento dos textos , em especial naqueles de natureza narrativa‖.

Afora a ironia, inúmeros outros temas atravessam a obra do extraordinário poeta pernambucano, assuntos que giram em torno da solidão, da dor, do medo da morte, do cotidiano e do prosaico e não só estes, mas também os grandes temas da poesia tradicional e universal como o amor, a solidão, a saudade, a infância e a família. Sobressai-se, entretanto, a temática da morte, esta uma constante, como

que a inculcar no poeta a idéia de viver provisoriamente e a obrigá-lo a viver o presente sem nenhuma perspectiva de futuro e produzir versos como única saída para perpetuar-se no tempo. Essa constatação de provisoriedade da existência se converte então em mola propulsora de sua constante ironia e também do trato de temas como tédio, a melancolia, o erotismo, o popular e o folclórico, a fuga e o escapismo. De tudo isso serve de exemplo o poema ―Vou-me embora pra Pasárgada‖, que no dizer de Antonio Cândido é o exemplo clássico do pungente sentimento de frustração que transversaliza a obra do poeta, levando-o à evasão pela poesia.

PASÁRGADA

Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcalóide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

3.2 RETORNO AO PASSADO COMO FONTE DA POESIA E ÚNICO RECURSO PARA GARANTIR O

No documento Ironia: Bandeira contra a maldição (páginas 82-88)

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