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2 LOCALIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE DA

2.3 Rosa Mística e Alto Branco: dois espaços, duas realidades

Tendo em vista as múltiplas realidades socioespaciais existentes no espaço, é interessante discutir como se dão as relações existentes entre lugares diversos, com atores diferentes e realidades distintas, embora algumas vezes semelhantes no que concerne a alguns aspectos. A renda e o acesso a recursos e a serviços públicos são fatores que contribuem sobremaneira para a configuração espacial de dado local, além de fatores não materiais, como as relações entre os indivíduos.

A partir de tal constatação busca-se, nesse tópico analisar como essas configurações e relações se apresentam nos espaços do Alto Branco e Rosa Mística, partindo do principio que “é suficiente observar qualquer cidade para verificar que há grande diferenciação entre as características de moradia” (RODRIGUES, 2003, p. 11), busca-se comparar as realidades da Rosa Mística e do Alto Branco, não só a partir dos tipos de moradias existentes, mas de uma forma geral.

A essas características de moradia as quais a autora se refere, por exemplo, juntam-se outros atributos físicos (ou não) que contribuem de forma significativa para a constituição e funcionamento de determinado espaço. Segundo Corrêa (1987, p. 81):

Em relação às áreas residenciais, há bairros aprazíveis e faraônicos, habitados por uma população de alto nível de renda [...] que a par das belas e luxuosas residências, dispõem de uma boa infra-estrutura e serviços adequados[...]. Em oposição a estes bairros, há outros habitados por uma população de baixo nível de renda [...]. Tanto os conjuntos habitacionais como as casas autoconstruidas localizam-se na periferia do espaço urbano, em áreas precariamente dotadas de infra-estrutura e serviços, e de baixo preço da terra.

Os dois espaços analisados encontram-se basicamente nessas circunstâncias, de um lado o Alto Branco, bairro nobre da cidade, onde residem pessoas, na sua maioria, como alto poder aquisitivo, de outro a Rosa Mística, comunidade predominantemente pobre, que apesar de seus avanços ainda possui espaços bastante precários. Esse fato pode ser entendido a partir da afirmação de Corrêa (1993, p. 63):

Os terrenos de maior preço serão utilizados para as melhores residências, atendendo à demanda solvável. Os terrenos como menores preços, pior localizados, serão utilizados na construção de residências inferiores, a serem habitadas pelos que dispõem de menor renda. O como e o onde se fundem, dando origem a áreas que tendem a ser uniformes internamente em termos de renda, padrões culturais, valores, e, sobretudo, em termos dos papéis a serem cumpridos na sociedade pelos seus habitantes.

As palavras do referido autor demonstram como a renda, sobretudo no caso da habitação, influencia a lógica da localização, ou seja, pessoas com maior poder aquisitivo moram em localidade mais favorecidas tanto do ponto de vista social como do infraestrutural. Ao passo que os indivíduos com menor poder aquisitivo tendem a morar em locais menos privilegiados.

Lembrando, no entanto, que apesar de existir exceções, a realidade é bem próxima do que foi exposto por Corrêa, que expõe: “[...] o espaço urbano, especialmente o da cidade capitalista, é profundamente desigual [...]” (1993, p. 08). O autor atribui ao capital a “responsabilidade” por essa desigualdade entre os espaços.

No caso em voga – Alto Branco e Rosa Mística- não é correto, no entanto, afirmar que há homogeneidade nesses lugares, ao contrário é fundamental destacar a multiplicidade de cada um deles, pois possuem características diversas, tanto do ponto de vista aquisitivo como do social e ideológico. Ou seja, além de serem distintos entre si, eles possuem um espaço interno também heterogêneo.

É interessante afirmar ainda que esses dois espaços tem muitas diferenças ao mesmo tempo que possuem algumas semelhanças, abordadas posteriormente. A Rosa Mística e o Alto Branco estão bastante próximos, divididos apenas por algumas ruas fronteiriças.

O Alto Branco é um bairro arborizado, possui um dos microclimas mais amenos entre os bairros de Campina Grande, é pouco movimentado na sua grande parte, o que demonstra entre outras coisas, o pequeno relacionamento que os moradores mantém entre si (Figura 15).

Figura 15 ‒ Rua Manoel Elias de Castro. (parte “nobre” do Alto Branco).

Fonte: Caline Mendes de Araújo. Outubro/2010.

É considerado um dos bairros nobres da cidade, conta com uma série de residências de grande porte, prédios, luxuosas mansões, que geralmente são protegidas por grandes portões, grades de proteção e cercas elétricas, em ruas que segundo Costa e Sá (2007, p. 113) “vão se tornando cegas, pois seus moradores nada vêem isolados por muros que escondem suas casas”, demonstrando muitas vezes o medo da violência urbana, que se instala em variados espaços, independente de suas características e demonstrando também o status que tal lugar e tais pessoas possuem em relação aos demais, sobretudo os seus “opostos”.

O alto poder aquisitivo de grande parte dos moradores desse bairro torna “desnecessário” a instalação de serviços públicos como escolas, postos de saúde e pontos comerciais em algumas de suas áreas, pois certa parcela do bairro dispõe de recursos para buscar esses tipos de serviços em outros locais como os Shoppings Centers da cidade, o centro, outros bairros e até em outros municípios como Recife e João Pessoa.

Esse é um dos motivos pelos quais o bairro se mostra tão “deserto” em sua grande parte, a falta de comércio e serviços. Fato que prejudica aquela parcela de pessoa pertencente ás áreas menos (ou bem menos) abastadas do bairro. Outro fator que “determina” a intervenção ou não do Estado no bairro é porque o mesmo já conta, na sua maioria, com uma boa infraestrutura, resultado de alguns investimentos públicos naquele local. Dessa forma o Estado age de acordo com as necessidades daqueles que exercem influência sobre ele, em virtude do seu poder aquisitivo.

Corrêa (1993, p. 19) disserta sobre os investimentos do Estado nessas áreas, lembrando-se do papel que os sujeitos mais abastados possuem em relação ao poder público, vejamos:

Os proprietários de terras bem localizadas, valorizadas por amenidades físicas [...] agem pressionando o Estado visando à instalação da infra- estrutura urbana ou batendo créditos bancários para eles próprios instalarem a infra-estrutura.

A partir do exposto pode-se compreender como o Estado trabalha em função daqueles que tem melhor renda, atuando de acordo com os seus interesses, deixando para depois aqueles que realmente precisam de uma ação estatal, uma vez que os indivíduos não possuem mecanismo (sobretudo financeiro) para pressionar os governos nas diversas esferas.

Ainda segundo Corrêa (1993, p. 26) o Estado “tende a privilegiar os interesses daquele segmento ou segmentos da classe dominante que, a cada momento, estão no poder”. Essa afirmação resume de forma bastante clara o exposto do paragrafo anterior.

É imprescindível destacar, nesse momento, que o Alto Branco, como todo espaço, não é homogêneo, ele dispõe de áreas que “fogem” aos padrões da maioria dos seus moradores, ou seja, são aquelas áreas anteriormente destacadas como “fronteiras” (Figura 16).

Figura 16 ‒ Área de transição, Rosa Mística-Alto Branco (Rua José Batista Chaves).

Fonte: Caline Mendes de Araújo. Fevereiro/2010.

Percebe-se essa ruptura espacial e econômica ao observar o tipo de moradia dessas ruas, fluxo de pessoas, presença de pontos comerciais, escolas públicas. Sobre essas áreas que ficam entre os bairros ricos e os populares, Corrêa (1987, p. 81) afirma: “Entre uma área e outra, localizam-se os bairros das diferentes frações da classe média. Caracterizam-se por apresentarem aspectos ora dos populares, ora dos ricos”.

É o caso das ruas que se situam entre o bairro do Alto Branco e a Rosa Mística que contam com casas “populares”, pessoas que circulam, se comunicam, utilizam os mesmos serviços, como posto de saúde, escolas, posto policial, comércio, entre outros. Essa identificação de uma parte das pessoas do Alto Branco com a Rosa Mística retrata um fato interessante, mostra duas realidades distintas do Alto Branco.

A primeira parte é aquela do Alto Branco como um “lugar dos barões” (como classificou uma moradora de uma das “áreas de transição”); e a outra é a do Alto Branco enquanto lugar, que possui relações sociais mais próximas, em que as pessoas se relacionam, interagem, inclusive com moradores de bairros vizinhos, divido as semelhanças das necessidades coletivas e/ou individuais.

A comunidade da Rosa Mística não tem contato direto com uma parte do Alto Branco, a parte mais abastada por assim dizer, de pessoas enclausuradas, que não mantém relações de convívio, que desfrutam de serviços básicos em outros lugares, onde é possível gastar o que se tem com melhores e mais caros serviços. Ao questionar uma moradora da Rosa Mística sobre essa relação como o Alto Branco, ela afirma que não sabe nada sobre o “lado de lá”, que só sabe do “lado de cá”.

Ou seja, a realidade das pessoas do Alto Branco, mesmo sendo um bairro vizinho, não é de conhecimento da maioria dos moradores da Rosa Mística, que não tem acesso a esse espaço e não sabem o que se passa no bairro ao lado. Quando ela afirma que só sabe de alguma coisa do “lado de cá”, ela quer dizer que sabe sobre a sua realidade, sobre o que ela vive e que o outro bairro é tão próximo geograficamente, mas distante ideologicamente, pois não mantém contato com o vizinho, porém distinto, o que impossibilita a interrelação entre eles.

Outra moradora afirma: “Eu não tenho contato com o Alto Branco não [...], tenho não, de jeito nenhum, eu não tenho contato com o Alto Branco não, é dali do posto pra cá”. (R.P, moradora do local há 60 anos). Nesse caso além de mostrar o distanciamento em relação ao Alto Branco, essa pessoa utiliza um ponto fixo, o posto de saúde (que está localizado em uma dessas áreas de transição das quais vimos falando), para delimitar o seu acesso, onde terminam os seus contatos.

Tem-se nesse caso um exemplo de segregação, que segundo Lefebvre (1983) citado por Sogame (2001, p. 96) afirma: “[...] é resultado de uma estratégia de extrema diferenciação social que conduz a formação de espaços homogêneos, impedindo a comunicação entre as diferenças”. Mesmo tendo em vista as exceções existentes nos lugares é possível notar as disparidades que se fazem presente nos espaços das cidades como um todo, sejam elas

grandes, médias ou pequenas, o que poderá mudar nessas análises é a dimensão do problema a partir da escala adotada.

Para Villaça (2003, p. 33) “Uma vista rápida a essas metrópoles e cidades médias revela ao observador razoavelmente atento a existência de duas cidades, a da minoria da classe média, e a da maioria da classe abaixo da média”. Assim, também é possível, através da análise e conhecimento de tais realidades (Alto Branco e Rosa Mística), perceber que há uma diferenciação que vai desde o acesso a serviços coletivos até o poder de consumo individual dos sujeitos.

Vasconcelos (2004, p. 263) citando J. Rodrigues Vignol (2001, p. 11) afirma existir dois tipos de segregação “(1) em termos sociológicos, significaria a ausência de interação entre grupos sociais; (2) no sentido geográfico, significaria desigualdade da distribuição de grupos sociais no espaço físico”. O que ocorre entre a Rosa Mística e Alto Branco é uma relação de segregação nos dois sentidos expostos, pois mesmo possuindo áreas de transição onde há relação de convivência entre os sujeitos, nota-se a extrema diferença predominante entre o “bairro rico” e a “comunidade pobre”.

As distinções podem ser notadas através dos aspectos físico, que demonstram, através da paisagem, fatores que diferenciam e separam esses dois espaços, como o tipo de residência, arborização, presença de lixo e esgoto, entre outros; e das relações estabelecidas, pois pessoas que são vizinhas não se conhecem, não se falam, e não raro, não se “suportam” (usando como justificativa a violência, por exemplo). Esse fato também contribui para o afastamento das pessoas e para a rarefação do contato entre elas.

Essa realidade pode ser percebida nitidamente, do ponto de vista da segregação geográfica que o autor coloca, quando se observa as duas áreas e veem-se essas disparidades As suas paisagens são a prova da segregação existente. Sobre esse fato, Carlos (2007, p. 77) afirma: “As contradições sociais emergem, na paisagem, em toda sua plenitude; os contrastes e as desigualdades de renda afloram”.

A Rosa Mística possui casas “populares”, maior fluxo de pessoas, atividades comerciais predominantemente pertencentes ao circuito inferior da economia urbana, presença de poluição e lixo em alguns locais. Já na paisagem do Alto Branco predominam elementos que demonstram a qualidade de vida de grande parte dos seus moradores, tais como as vias de acesso (a maioria das ruas calçadas), rede de esgoto, o tamanho e o tipo de residências, que diferenciam-se bastante da realidade da comunidade Rosa Mística.

Marcelo Lopes de Souza no quarto capítulo do livro “O ABC do Desenvolvimento Urbano” discorre sobre essas disparidades:

Em termos muito gerais, essa diferenciação entre as áreas residenciais de uma cidade- diferenciação, em última análise, em matéria de condições de qualidade de vida, incluindo aí tanto aspectos materiais como coisas imateriais como prestígio e poder – reflete uma diferenciação entre grupos sociais. Em outras palavras: diferenças econômicas, de poder, de status etc. (SOUZA, 2008, p. 67).

O autor faz uma avaliação muito pertinente quando observa que não só aspectos materiais, mas também os imateriais contribuem para que essas diferenças se constituam. Não se pretende aqui afirmar que o Alto Branco está totalmente livre de problemas e que a Rosa Mística é um lugar que só possui mazelas. Ao contrário ambos estão sujeitos e possuem dificuldades. No entanto a origem, as consequências e as soluções são distintas, pois se trata de realidades diferentes.

E como afirma Lefebvre (2006, p. 94): “[...] mesmo onde a separação dos grupos sociais não aparece de imediato com uma evidência berrante, surge, ao exame, uma pressão nesse sentido e indícios de segregação”. É o que se pode perceber no caso em voga, em certos espaços o Alto Branco não se distingue tanto da Rosa Mística, mas analisando bem existem espaços de diferenças gritantes.

O que busca-se mostrar é a notória disparidade existente entre essas duas áreas, de um lado uma com alto poder aquisitivo, que conta com o acesso aos serviços básicos e maiores condições de sobrevivência digna e do outro uma área com muitos problemas a serem resolvidos, porém com insuficientes recursos e poucos investimentos públicos.

As condições de acesso a determinados bens e serviços (públicos ou não), são bastante relevantes para o tipo de organização socioespacial que vai se estabelecer em determinados lugares. A esse respeito Souza (1995, p. 90) relata:

O Estado tradicional promotor de segregação residencial (junto com o capital imobiliário, ou tendo este por trás...), ao investir diferencialmente nas áreas residenciais da cidade e estabelecer estímulos e zoneamentos e outras normas de ocupação do espaço que consolidam a segregação, atua, também como agente repressor [...].

A partir da citação acima é possível (re) afirmar a importância do papel Estado na configuração socioespacial urbana. Entretanto se a intervenção do Estado se dá de forma a beneficiar o capital imobiliário em detrimento das camadas mais pobres da população e investindo desigualmente em determinadas áreas, a segregação socioespacial se dará de forma

mais nítida e séria, resultando consequentemente em mais problemas, sobretudo os de ordem social. Roberto Lobato Corrêa (1993, p. 66) a respeito da segregação residencial afirma:

A segregação residencial implica necessariamente em separação espacial das diferentes classes sociais fragmentadas. A separação, por sua vez, origina padrões espaciais, ou seja, as áreas sociais que emergem da segregação estão dispostas espacialmente segundo uma certa lógica, e não de modo aleatório.

A citação tem um conteúdo muito sério que complementa o que foi dito anteriormente, o capital e o Estado tem papéis preponderantes na lógica espacial de uma cidade. O dinheiro, as ações dos poderes públicos, as funções de cada indivíduo na sociedade são fatores bastante influentes na lógica da organização do espaço urbano. A análise da relação Rosa Mística-Alto Branco, nesse contexto, nos auxilia a ter uma visão da Rosa Mística de forma mais geral, sem limitá-la ao seu espaço interno, por assim dizer.

Após esta parte da pesquisa, que visou analisar a configuração atual da comunidade da Rosa Mística, partindo dos processos pelos quais este lugar passou e vem passando, será apresentado posteriormente o último momento deste estudo que se preocupa em analisar a Rosa Mística a partir de uma abordagem mais conceitual, parte também das vivências e experiências dos sujeitos que formam esta comunidade, objetivando o maior entendimento do leitor acerca do que é realmente a Rosa Mística para além de um espaço físico.

3. DISCUSSÃO CONCEITUAL ACERCA DAS PRINCIPAIS CATEGORIAS