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Rosine e Robert Lefort: a unidade da psicanálise

2.2 O nascimento da clínica com crianças: especificidades de um campo?

2.2.4 Rosine e Robert Lefort: a unidade da psicanálise

O ensino de Lacan produziu grande impacto sobre os psicanalistas que se dedicavam à análise de crianças. Rosine e Robert Lefort estão entre os maiores expoentes da escola francesa, desenvolvendo um trabalho cuja marca foi a concepção da criança como analisando por inteiro, o que os levou à defesa de uma unidade na psicanálise. Segundo Robert Lefort (1991, p. 13), “não há especificidade na análise de crianças. A estrutura, o significante e a relação com o Outro não concernem de maneira diferente à criança e ao adulto. É isso que faz a unidade da psicanálise.”

Desse modo, não haveria para a psicanálise, adultos ou crianças, apenas sujeito. É nessa pressuposição que se baseia a defesa dos Lefort de uma unidade na clínica. O importante é o modo como se apresentam saber, gozo, objeto a e Outro, no que concerne à estrutura e isso não depende da idade. Por se constituir a partir da linguagem, o sujeito é, muitas vezes, confundido pela relação que mantém com ela. Assim, alguns psicanalistas preconizam a especificidade da clínica com crianças, justificando seu ponto de vista na equiparação “do ‘verbal’ com a linguagem.” (PACHECO, 2012, p. 124).

Com crianças, ter-se-ia, portanto, diferenças no uso da língua, o que não significa alterações na estrutura da linguagem. “É preciso investigar, portanto, o que significa a estrutura da linguagem e como seria possível verificar a entrada da criança nessa estrutura, bem como, a modalidade dessa entrada.” Essa Verificação, segundo Pacheco (2012), ocorre sob transferência, na qual se pode avaliar a posição do Outro para cada sujeito: Outro absoluto, Outro indefinido ou excessivamente consistente e, a partir dessa diferenciação, realizar o diagnóstico acerca das estruturas clínicas: neurose, psicose e perversão (PACHECO, 2012, p. 125).

Pelo fato de trabalharem numa instituição de crianças órfãs ou abandonadas, os Lefort tiveram contato com a particularidade da ausência dos pais no tratamento, o que repercutiu na forma de conceber a transferência. Segundo Rosine Lefort (1991), era necessário se afastar do discurso de um dos pais, ou até mesmo dos dois, para compreender o discurso da criança. Esse método de trabalho rompia drasticamente com o que era

convencionalmente estabelecido, pois os pais sempre ocuparam um lugar mais ou menos definido na análise dos filhos, ora priorizando-se sua dimensão real, ora fantasística, mas seu discurso sempre foi colocado em relevo. O que Rosine e Robert Lefort propõem, no entanto, é estabelecer a condição da criança de analisando integral, devendo, portanto, sua análise estar centrada no seu discurso. Nas palavras de Rosine Leford:

É, pois, com o discurso da criança que lidamos. Um discurso que está longe de ser o dos pais [...]. O ensinamento de Lacan – no qual a referência à criança é quase uma constante – desprezou essas figuras parentais derrisórias que são postas em evidência, como todos sabem: o pai omisso, o pai assustador, etc. Não é isso que se refere nos tratamentos, mas ao Nome-do-Pai, à estrutura, e também à topologia, pedra angular da transmissão da psicanálise. (LEFORT, 1992, p. 11 apud PACHECO, 2012, p. 123).

Tendo como referência o ensino de Lacan, Rosine e Robert Lefort em conjunto com Éric Laurent, Jacques-Alain Miller e Judith Miller fundam o CEREDA (Centro de pesquisas sobre a criança no discurso analítico) no âmbito do Campo freudiano em 1983. O objetivo principal do grupo é propor contribuições da psicanálise de crianças ao discurso analítico. Na carta de intenção de 11 de outubro de 1982 que, em seguida, dá origem ao CEREDA, Robert Lefort apresenta seu posicionamento a respeito da análise de crianças da seguinte forma:

Manter a psicanálise com crianças na redução a uma técnica de jogos e desenhos implicaria uma grande contradição com aquilo de que a criança se mostra capaz, mesmo ainda muito jovem – mesmo antes de falar -, no sentido de nos esclarecer sobre um ponto tão essencial quanto a constituição do sujeito no discurso analítico. [...] Seria preciso retomar a psicanálise com crianças nesse nível mínimo, ali onde o corpo aparece de maneira privilegiada como um corpo de significante. Significante, com certeza, mas no qual o real tem todo seu lugar a partir do objeto (a); e, se o sujeito aparece como um efeito de real é, de fato, na criança (LEFORT, 1982, p. 53). O posicionamento dos Lefort acerca da utilização de brinquedos demonstra o quanto sua clínica foi revolucionária. O distanciamento de práticas que apregoavam um trabalho com crianças baseado em jogos e desenhos foi um ponto bastante defendido pelos autores, que fugiam de uma proposta psicoeducativa como as de Anna Freud e Melanie Klein. Mais do que isso, os Lefort empreenderam um trabalho que retirou a criança da posição e objeto do discurso do outro, tomando-a como sujeito por inteiro.

Desse modo, Rosine e Robert Lefort (1986, p. 45-46) prescindem dos brinquedos, fazendo uso de objetos que se prestam à projeção e a diversos usos pela criança que, assim, os utiliza como suporte para seu discurso. Rosine Lefort (1991, p. 32) chega afirmar: “Eu nunca pensei que eu deveria colocar brinquedos numa sessão. Eu colocava objetos que representavam simbolicamente, que eram representantes do objeto para fazer uma estrutura.”

De acordo com o ponto de vista dos Lefort, a análise é centrada no discurso, sendo o brinquedo um objeto e um representante necessário para a estruturação psíquica da criança. Rosine Lefort ainda acrescenta:

Para as crianças existem muitas maneiras de falar: seja porque ainda não tem linguagem ou porque são muito pequenas ou ainda porque sua doença não permitia: se vocês não colocarem objetos dos quais elas possam fazer algo, exprimir alguma coisa, nenhuma análise será possível. (LEFORT, 1986, p. 46, apud CALZAVARA, 2012, p. 120).

Pelo exposto, percebe-se que, para os autores, não há uma especificidade na clínica com crianças, tendo em vista sua idade ou fase de desenvolvimento, o que justificaria um trabalho analítico adaptado com a utilização de recursos lúdicos. Observa-se com Rosine e Robert Lefort um posicionamento diferente acerca do uso do brinquedo na análise, se comparado àqueles dos demais autores abordados anteriormente nesta discussão. De fato, a proposta dos Lefort é oferecer materiais que sirvam de suporte ao discurso da criança, uma vez que a análise se dá através da fala, tal como ocorre com adultos. Essa concepção está amparada na compreensão de uma clínica fundamentada nos pressupostos de Lacan, sobretudo, com a dimensão de sujeito que este irá propor.

Leserre apresenta um questionamento muito pertinente com relação à análise de