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Fonte: Google maps, 2016. Elaborado e editado pelo autor. Os marcadores indicam o local aproximado de algumas localidades frequentadas pelo viajante.

Auguste de Saint-Hilaire16 nasceu em Orleans em 1779 e morreu na mesma cidade

francesa no ano de 1853, aos 74 anos. Lorelai Kury (2003) é um dos principais nomes da historiografia brasileira a respeito do uso dos relatos de viagem para a História. Ela pesquisou sobre a vida de Saint-Hilaire e aponta que o viajante vinha de família nobre, que estudou alguns anos na Alemanha e que desenvolvia diversos estudos sobre a História Natural,

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Augustin François César Prouvençal de Saint-Hilaire (Orleans, França, 1779 – Orleans, França, 1853). Viajou pelo Brasil entre os anos de 1816 e 1822. Trabalhou no Museu de Ciências Naturais de Paris antes de embarcar em direção ao Brasil. Escreveu sobre diversas províncias brasileiras abrangendo a região centro sul do país. Após sua viagem retornou à França realizando a análise de inúmeras amostras de fauna e flora retiradas de terras brasileiras (KURY, 2003).

especialmente sobre frutos. Era um cientista17 de certo renome em seu país, tendo prestígio no meio científico da França, atuando no Museu de História Natural deste país.

Saint-Hilaire chegou ao território brasileiro em 1816, aos 37 anos, financiado pelo estado francês e participando de uma comitiva do Duque de Luxemburgo, para criar laços diplomáticos entre Brasil e França, já que os dois países possuíam uma situação diplomática fragilizada devido à invasão de Napoleão Bonaparte a Portugal, que ocasionou a vinda da corte portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808. Após o período napoleônico, ainda restava um impasse sobre a posse da Guiana francesa e o Duque de Luxemburgo desembarcou no Brasil em busca da solução deste problema. Esse duque era amigo da família de Saint-Hilaire, o que facilitou a sua viagem, um sonho que o naturalista nutria fazia tempo, segundo nos revela Kury (2003).

A viagem ao novo mundo é realizada na condição de viajante-naturalista do governo francês, onde este deveria coletar material da fauna e da flora brasileira e repassá-los ao Museu de História Natural de Paris, função a qual manteve constante preocupação, pois era extremamente atento com a condição das malas que levavam seus escritos e coleções. Acima de tudo, o objetivo da vinda de Saint-Hilaire era analisar quais “vegetais úteis que crescerão bem em sua pátria” (KURY, 2003, p.7) e qual seria o melhor modo de cultivá-los, tornando em última instância o viajante útil à pátria e à ciência. Para cumprir este objetivo Saint-Hilaire reuniu uma quantidade realmente impressionante de amostras “durante sete anos de viagens penosas e constantes por todo o sul e sudeste do Brasil, colecionou cerca de sete mil plantas, dois mil pássaros e seis mil insetos” (DEAN, 1992, p.10-11). Por outro lado, o trabalho de Saint-Hilaire e de outros viajantes naturalistas do período pode ser visto como uma espécie de biopirataria, que se apropriaria de recursos naturais e de conhecimento nativo para enriquecer nações europeias. Segundo Kury (2003), o viajante via seu trabalho como uma troca e não um roubo.

Analisando uma diversidade de cartas e estudos do viajante, Kury (2003) nos traz informações de que, além de conhecer a produção científica brasileira, Saint-Hilaire tinha certo conhecimento sobre o que encontraria no sul do país, tanto nas disputas políticas quanto na área ambiental. Já sabendo que diversas árvores europeias aclimatavam bem no Brasil

17 Considero Saint-Hilaire como um cientista, por ter formação em botânica e participar da Academia de

Ciências de Paris, além de seu papel como naturalista não deixar de ser uma função desempenhada através de métodos científicos práticos. Sua viagem difere de alguns outros viajantes, como Baguet, exatamente por ser uma viagem com fins científicos.

meridional, ele esperava encontrar plantas nativas que fossem úteis à França. Seus trabalhos no Brasil voltaram-se, principalmente, às plantas conhecidas pelos habitantes das províncias.

Ele desembarcou na província de São Pedro do Rio Grande do Sul no final do outono de 1820 na praia de Torres, aos 41 anos. Uma idade que permitia a ele ter acumulado conhecimento suficiente para analisar o ambiente e ainda manter o vigor para empreender tal aventura. Ele não viajou sozinho, teve a companhia de diversas pessoas durante a viagem, alguns soldados e guias anônimos e outros companheiros mais destacados como era o caso de José Mariano, um tropeiro mestiço de gentil difícil que cuidava dos animais e da caça; o índio botocudo Firmino e o negro liberto Manuel que eram responsáveis pelos animais de transporte; o criado francês Laruotte que parecia ser muito próximo de Saint-Hilaire e também o zeloso soldado Matias. Alguns destes acompanhavam o naturalista há algum tempo, percorrendo outras regiões do Brasil, como apontado pelo próprio viajante em seu relato.

O trajeto (Mapa 6) estabelecido por Saint-Hilaire e seu grupo foi percorrer o litoral norte do Rio Grande do Sul e se deslocar para Porto Alegre, capital da província. Após permanecerem ali no primeiro mês do inverno de 1820 eles atravessam o istmo da Lagoa dos Patos indo pelo litoral em direção a São José do Norte e a destacável cidade de Rio Grande. Visitam a cidade de Pelotas e retornam a Rio Grande, de onde partem rumo ao sul passando por Chuí e chegando a província Cisplatina, atual Uruguai. Lá percorrem todo o litoral, passando por Rocha até chegar a Montevidéu. Adentram um pouco ao norte até Santa Lucía e Canelones e partem em direção a Colônia do Sacramento, seguindo pela margem do Rio Uruguai até São Borja, passando novamente pela divisa das províncias da Cisplatina e do Rio Grande do Sul. Após visitar as aldeias que anteriormente formavam os “Sete Povos das Missões”, o viajante passa a percorrer uma zona mais interiorana indo em direção a Santa Maria, descendo a serra da Mata Atlântica e adentrando novamente no Pampa, em uma região onde mantém registros sobre esta zona ecótone entre os dois biomas. Acaba passando pela cidade de Rio Pardo e volta à Porto Alegre, em junho de 1821, e de lá deixa a província rumando até São Paulo e Rio de Janeiro.

Portanto os relatos de Saint-Hilaire e de Alexander Baguet não abarcam o Pampa argentino. Além disto, o viajante francês detém-se em percorrer as regiões mais próximas ao mar e aos mais importantes rios como o Uruguai e o Jacuí, o que o leva a ter uma perspectiva diferente daquela que poderia ter tido se escolhesse qualquer outro caminho por estes campos, como, por exemplo, adentrando no interior do Uruguai. Seu trajeto de viagem também

propiciou que tenha tido experiências na zona de contato entre a parte mais meridional da Mata Atlântica e o Pampa, produzindo sobre ela interessantes passagens. Já Baguet percorre o que poderíamos chamar de interior do Pampa da província do Rio Grande do Sul indo até a região missioneira, sem passar, no entanto, pelo território uruguaio.

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