• Nenhum resultado encontrado

Rousseau e a natureza como fonte

2.1 O SURGIMENTO DO IDEAL DE AUTENTICIDADE

2.1.1 Rousseau e a natureza como fonte

Jean- Jacques Rousseau foi um dos grandes críticos do Iluminismo, principalmente da noção de que o mal humano poderia ser compensado pelo aumento do conhecimento ou do esclarecimento. O esclarecimento para Rousseau não garante o desaparecimento do mal. Para ele é necessária uma transformação da vontade, visto que possuímos dois amores, ou duas espécies de vontade: a natural e a criada pela sociedade.

Para Rousseau, a natureza é boa, porém o contato com o mundo é que pode nos tornar maus, os primeiros impulsos da natureza são sempre corretos, não havendo “pecado original” no coração humano. Deus fez tudo bom, como afirma Rousseau na primeira frase do Emilio: “tudo está bem quando sai das mãos do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem” (1999, p.7). A sociedade nos faz perder o contato com nossa natureza interior, passamos a nos preocupar com o que os outros pensam de nós, o que esperam de nós, o que admiram e desprezam em nós. Isso faz com que nos separemos da natureza e percamos nosso contato com ela, visto que estamos a ouvir somente a voz da sociedade.

Rousseau estabelece uma distinção entre amor de si e amor-próprio. O amor de si nasce conosco e garante que sempre busquemos a nossa sobrevivência, portanto, é natural. Contudo o amor-próprio é justamente essa preocupação que passamos a ter com o que os

outros pensam de nós, o que esperam de nós e que nos faz perder o contato com nossa natureza. Além disso, o amor de si faz com que busquemos somente o necessário para nossa sobrevivência. Já o amor-próprio cria necessidades supérfluas. Nas palavras de Rousseau:

O amor de si, que só a nós mesmos considera, fica contente quando nossas verdadeiras necessidades são satisfeitas, mas o amor-próprio, que se compara, nunca está contente e nem poderia estar, pois esse sentimento, preferindo-nos aos outros, também exige que os outros prefiram-nos a eles, o que é impossível. Eis como as paixões doces e afetuosas nascem do amor de si, e como as paixões odientas e irascíveis nascem do amor-próprio. Assim, o que torna o homem essencialmente bom é ter poucas necessidades e pouco se comparar com os outros; o que torna essencialmente mau é ter muitas necessidades e dar muita atenção à opinião. (1999, p. 275).

O amor-próprio é responsável pelas más paixões e pelas necessidades dispensáveis. Já o amor de si fica somente com o que é necessário e não se importa em demasia com as opiniões externas. Segundo Rousseau, há um ponto específico onde o amor de si se torna amor-próprio. É justamente quando o homem levanta seus olhos e avista a outrem. Isso o leva a comparar-se e a querer estar no lugar de destaque. Nesse momento, nasce o amor-próprio responsável por todas as más paixões e por obstruir a voz da natureza.

O progresso nessa linha de raciocínio não nos torna melhores. Pelo contrário, ele acaba obscurecendo cada vez mais nossa voz interior. Rousseau, segundo Taylor, não propunha uma volta ao estágio pré-cultural ou pré-social, antes:

A ideia de recuperar o contato com a natureza era vista mais como um escape da dependência calculista do outro, da força da opinião e das ambições que ela criava, por meio de uma espécie de alinhamento ou fusão entre razão e natureza ou, em outras palavras, entre cultura/sociedade, de um lado, e o verdadeiro élan da natureza do outro. (FS, p. 459-460).

Rousseau, através da recuperação do contato com a natureza, buscava libertar o homem da dependência externa. Além disso, propõe uma existência simples, sem elementos desnecessários que possam aprisionar o homem e fechá-lo para a natureza. Rousseau está propondo, portanto, uma vida austera:

Permanece no lugar que a natureza te atribui na cadeia dos seres, nada poderá fazer com que sais dali; não te revoltes contra a dura lei da necessidade, e não esgotes, querendo resistir a ela, forças que o céu não te deu para estenderes ou prolongares tua existência, mas apenas para conservá-la como lhe aprouver e enquanto lhe aprouver. Tua liberdade, teu poder só vão até onde vão tuas forças naturais, e não além; todo o resto não passa de escravidão, de ilusão, e de prestígio. (1999, p.75).

A liberdade austera é essencial para que o ser humano possa ser uma criatura integral e livre por si mesma, pois isso lhe permite ouvir a voz da natureza em seu interior. Para que o homem possa ser livre, Rousseau apresenta uma máxima: “o homem realmente livre só quer o que pode e faz o que lhe agrada.” (1999, p. 76). O homem livre é aquele que não se deixa guiar pela sociedade, criadora de necessidades e desejos, mas se deixa guiar pela voz da natureza que lhe prescreve apenas o necessário.

Ao agir desse modo, o homem também saberá se guiar pela vontade geral, pois “o bem comum é evidente em toda parte”. Não há necessidade de muitas deliberações. O bem é evidente para todos. Todos são capazes de percebê-lo e o primeiro que o propôs nada fez além de expressar o que todos já sentiram. Todos farão o bem, desde que tenham a certeza de que os demais também o farão.

Rousseau, ao identificar o bem com a liberdade e com a descoberta dos motivos das ações no interior de cada pessoa, está dando um passo muito importante na direção do subjetivismo moderno. Somente o voltar-se para dentro nos garante que possamos chegar ao bem, “a voz interior de meus verdadeiros sentimentos definem o que é o bem: como o élan da natureza em mim é o bem, é ele que deve ser consultado para se descobrir o bem” (FS, p. 464). Rousseau, para Taylor, não deu o passo radical na direção do subjetivismo, mas abriu caminho para tal direção. A unidade do ser humano se encontra em seu próprio interior, e nossa felicidade depende de seguirmos essa voz interna.

O passo mais relevante em direção ao subjetivismo moderno foi dado por Herder, tendo o caminho aberto por Rousseau. Estar em contato com a natureza interior, para Rousseau, consistia em libertar-se das opiniões alheias e da alienação calculista e restritiva da sociedade. Consistia em encontrar o lugar natural e viver nele de maneira austera, não se deixando levar pelas necessidades supérfluas criadas pela sociedade.

Documentos relacionados