• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I: ESPAÇO DO MUNDO, CADERNO E ATELIER.

RUÍNAS IMAGINÁRIAS

68

U

ma ruína imaginária: A Mansão filosofal, citação tanto a ocupação de templos romanos durante o medievo, quanto às Mansões Filosofais, de Fulcanelli, onde as ornamentações, numa extensão ao princípio de decoro vitruviano, contribuem para a idéia de edifícios “falantes”, de construções retóricas pela correspondência aos códigos estabelecidos pelo uso das ordens e dos relevos e esculturas complementares, como os acrotérios, o tímpano e as métopas. Estes elementos decorativos secundários, pelos desígnios do desgaste do tempo, passam a aludir ao fim material do edifício e por este meio “falam” mais que os deuses indefinidos nos acrotérios

Neste hipotético templo de Deméter, da Terra, vali-me além da atribuição vitruviana da ordem coríntia às deusas virginais, dos bucrânios nas métopas, - em uma associação livre feita na cultura rural na qual os crânios de bois são usados como talismãs para proteger a plantação – e, no tímpano, a própria árvore arquetípica espalhando seus galhos sobre toda a terra. Na área correspondente a vedação das colunas, tem-se uma citação a ocupação medieval das construções romanas e por uma associação da divisão dos elementos e suas relações associações com temperamentos, nas aberturas das janelas. Enfim, uma alegoria da prudência sobre a porta, com a presença de Hermes no nicho acima e, logo à esquerda, a efígie de Terminus, o deus do fim obrigatório das coisas, da corrosão, da ruína.

69

Cenotáfio dos arquitetos. Água forte e ponta seca, 60x30cm. 2006.

N

uma derivação do tema de Brueghel, propus um capricho arquitetônico, também uma ruína em construção: o cenotáfio dos arquitetos. Nesta fantasia se apresenta uma imensa construção de apelo babélico, composta a partir de uma montagem com os elementos clássicos da arquitetura. As colunas, o frontão, o obelisco, o corpo em rotunda, a cobertura em cúpula; neste devaneio a torre é projetada por arquitetos mortos, esqueletos que tiram medidas da maquete enquanto operários nas mesmas condições a constroem.

70

O monumento está locado no campo, num lugar ideal para o edifício escultura. Tal como a Villa Rotonda de Paládio esta torre pontua um espaço, constitui um ponto de referência na paisagem. Um cenotáfio para os arquitetos da linguagem clássica.

Alegoria do final dos tempos: Água forte e ponta seca, 40x60cm, 2007.

I

maginei este teatro como um cenário da arquitetura clássica, com diversos exemplos de construções unidas de maneira insólita num ambiente de catástrofe. Seres fantásticos montados em imensos peixes voadores figuram como uma homenagem à última gravura produzida por Charles Meryon, O Ministério da Marinha, em que ele, como oficial da Marinha, imagina um ataque fantástico à instituição à qual pertencia.

71

LABIRINTO

DENTRO DA BABEL: série Labirinto.

Labirinto, gravuras I e II: Transição. Água forte e ponta seca, 60x80cm, 2009.

A

série de imagens em gravura que compõem o álbum “Labirinto” foram agregadas em forma de dobragens, pelo modelo leporello, e encadernadas no sistema japonês, por onde se pode vivenciar a imagem isolada ou em conjunto, pela seqüência ou pelo conjunto. Tal seqüência corresponde a uma leitura hipotética do interior de um edifício em demolição, mas que, por associação simbólica, corresponderia ao interior de um edifício interminável, a exemplo da Babel de Brueghel.

72

Labirinto, gravuras III e IV: Ambiente. Água forte e ponta seca, 60x80cm, 2009.

O labirinto, antítese dos mapas, modelo terrível, ascensional e ao mesmo tempo divertido da arquitetura, encerra as qualidades de um ambiente feito para enganar, trair e mesmo matar aquele que o adentra, se pensarmos pela intenção de Dédalo e a teia do Minotauro. O labirinto das grandes catedrais medievais substituiu o Minotauro por Cristo e, em vez da morte, a salvação, uma experiência da ascese. Os labirintos de topiaria dos parques, ou mesmo os labirintos de espelhos dos antigos parques e quermesses, já estão entre o terceiro modelo, o da diversão.

73

74

Labirinto, gravuras VII e VIII: Ambiente. Água forte e ponta seca, 60x80cm, 2009.

O que veio a me interessar, em primeira instância, foi o lastro de impacto causado ao pensar nos labirintos do terror ou da ascensão, os labirintos circulares ou octógonos, o de estar preso numa cadeia de armadilhas aparentemente sem lógica.

Os interstícios deste edifício seriam compostos por passagens e espaços intermediários, nunca um final ou saída, como se no fim se prenunciasse o começo.

Estes espaços do desespero são piranesianos por excelência, tomados de um Piranesi dos carceri, das perspectivas infindáveis¹. Partem de um princípio de configuração de ambientes de passagem e intermédio.

O fato de serem dobradas confere ao ato de revelar à imagem a intenção de adentrar o ambiente. A grande dimensão das gravuras (60 x 80 cm cada dupla) tem a finalidade de provocar a estranheza frente às dimensões usuais do livro e remeter mais a uma cenografia particular. Neste esforço gráfico, surgem também figuras humanas esboçadas que conferem ao espaço mais um caráter de abandono que de reconhecimento com semelhante.

A disposição dos lugares, de transição para ambientes, foi desenvolvida a partir de vários percursos pelo edifício e pelo acompanhamento deste processo intermediário entre construção e destruição. O edifício que serviu por modelo foi outrora uma grande gráfica na região do Cambuci, na cidade de São Paulo e estava se transformando num ambiente que abrigaria uma coleção de arte.

75

Labirinto, gravuras IX e X: Transição. Água forte e ponta seca, 60x80cm, 2009.

O fato de ter abrigado uma gráfica já serviu como uma instigação ao fazer da gravura uma reconstrução da memória do lugar, recuperando a própria função imaginativa proporcionada pelas ruínas. Os esboços foram tomados em diversas situações. Nestas situações, as modificações do espaço, as demolições e reconfigurações revelavam um organismo vivo, uma ruína em processo, o que recordou muito a própria Babel de Brueghel. Vi a possibilidade de vislumbrar os próprios interstícios desta construção mítica.

As figuras humanas que se insinuam nas gravuras foram produto do acompanhamento desta transitoriedade de edifício em ruínas e, posteriormente, em edifício reconfigurado. A dinâmica de percurso no interior, motivado pela quase ausência das janelas, sugeria um labirinto; talvez, além disso: de moto perpétuo, de uma circulação na qual o fim se liga ao começo. Os vultos surgem nas últimas pranchas, mas são indicadas por objetos deixados, denunciando o trabalho interrompido, mas que poderia ter se encerrado há um tempo indefinível, um novo pacto com o sentido da ruína: o da atemporalidade.

76