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4. A rua na construção da forma urbana medieval portuense

4.2. As ruas de fundação régia

4.2.3. Rua das Flores

Em 1521, D. Manuel I mandou abrir, em terrenos pertencentes à diocese, a Rua de Santa Catarina das Flores (Fig.14), com o intuito de ligar a zona do Convento de São Domingos à Porta dos Carros304. A rua era composta por dois trechos com diferentes nomes: o trecho S. Domingos-Souto foi conhecido pelo actual nome e o trecho Souto- Porta dos Carros chamava-se Rua dos Canos305. Os terrenos onde a rua foi aberta pertenciam maioritariamente à Mitra (na figura do bispo D. Pedro da Costa) que dividiu os seus chãos e ficou senhoria directa de todas as casas que se vieram a construir, posteriormente306. A criação desta rua veio facilitar o trânsito interno da cidade e o escoamento dos produtos entrados pela alfândega e pelo postigo dos Banhos, para Norte. Para a sua abertura concorreu uma finta cobrada aos seus moradores na primeira fase da sua abertura, que decorreu entre 1521 e 1526307.

A abertura deste arruamento constituiu um arranjo urbanístico de enorme importância para a urbe portuense do séc. XVI, pois desafogou-a de trânsito e substituiu o velho eixo Congostas-Mercadores-Bainharia, como via de saída para Norte308. Os seus objectivos passaram pela melhoria da rede viária citadina, pelo enobrecimento duma área de intramuros da cidade, ainda dominada pelas hortas e atenderam, também, ao crescimento populacional da cidade e ao aumento das rendas da Mitra309. A Rua das

302 REAL, Manuel Luís, TAVARES, Rui – “Bases para a compreensão…, 1987, p. 398.

303 ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de; BARROCA, Mário Jorge – História da Arte em Portugal: O

Gótico…, 2002, p. 88.

304 REAL, Manuel Luís, TAVARES, Rui – “Bases para a compreensão…, 1987, p. 399. 305 AFONSO, José Ferrão – A Rua das Flores no séc. XVI…, 2000, p. 91.

306 FREITAS, Eugénio Andrea da Cunha e – Toponímia Portuense…, 1999, p. 147. 307 AFONSO, José Ferrão – A Rua das Flores no séc. XVI…, 2000, p. 83.

308 OLIVEIRA, José Manuel Pereira de – Espaço urbano do Porto…, 1973, p. 244. 309 AFONSO, José Ferrão – A Rua das Flores no séc. XVI…, 2000, p. 83.

Flores veio reforçar a importância dos dois nós viários, situados nos seus topos310, S. Domingos e Porta dos Carros, o primeiro como eixo viário fundamental na distribuição de tráfego no centro da urbe quinhentista e o segundo como principal porta de saída da mesma. Ligavam-se, desta forma, dois importantes núcleos urbanos e comerciais do burgo, nos quais funcionavam feiras311: S. Domingos, onde se realizava a feira franca e S. Bento de Ave Maria, local escolhido para a realização da feira dos bois, a partir de 1590312.

As alterações urbanas registadas no primeiro quartel do séc. XVI estão associadas aos dois grandes empreendimentos da época. A construção do Mosteiro de S. Bento de Ave Maria obrigou, mesmo à reforma do Postigo dos Carros, eixo de saída fulcral da cidade, e à sua substituição por uma porta mais ampla e deslocada para Poente313. Na sequência da abertura da Rua das Flores e como consequência da regularização e urbanização de antigas veredas, existentes nas suas imediações, vão surgir novos arruamentos como a Rua do Ferraz314e a Rua da Ponte Nova. Esta existia já em 1564315 e fazia a ligação entre as duas margens do Rio da Vila, tal como acontecia com a Rua da Ponte de S. Domingos, mais antiga e situada um pouco mais a jusante316.

A edificação de casas na rua aconteceu de forma rápida e logo em 1525 há notícias do sucesso dessas intervenções, de tal forma que a câmara assumiu a remoção das terras que se acumulavam no centro da via como consequência das referidas obras317. Outra das medidas de regularização da rua foi o calcetamento da mesma, ocorrido em meados desse século e necessário para que o intenso fluxo de carros que aí passava se processasse da melhor forma possível318. Ao longo do séc. XVI, a rua assiste, também, às obras nas condutas das águas que abasteciam os conventos franciscano e dominicano, que frequentemente colidiam com a sua pavimentação319.

310 FERNANDES, José A. Rio – “Rua das Flores: a Rua do Ouro portuense”. O Tripeiro. Porto, Série 7, Ano 13, nº 2 (1994), p. 45.

311 OLIVEIRA, José Manuel Pereira de – Espaço urbano do Porto…, 1973, p. 245. 312 AFONSO, José Ferrão – A imagem tem que saltar…, 2008, vol. I, p. 130. 313 Idem, Ibidem, p. 131.

314 FREITAS, Eugénio Andrea da Cunha e – Toponímia Portuense…, 1999, p. 143. Deve o seu nome à casa nobre a si adjacente que pertencera a Gaspar Ferraz, familiar do chantre da Sé, Afonso Ferraz, cuja dignidade capitular foi atribuída durante o episcopado de Frei Marcos de Lisboa, no final do séc. XVI. 315 BASTO, Artur de Magalhães – O Porto Medieval…, 1940, p. 693.

316 OLIVEIRA, José Manuel Pereira de – Espaço urbano do Porto…, 1973, p. 245. 317 AFONSO, José Ferrão – A Rua das Flores no séc. XVI…, 2000, p. 92.

318 Idem, Ibidem, p. 93. 319 Idem, Ibidem, p. 96.

Na Rua das Flores instala-se, também, a Confraria da Misericórdia instituída no Porto por carta régia de D. Manuel I, datada de 1499320. Numa fase inicial a Misericórdia do Porto esteve sedeada na Capela de Santiago do claustro velho da Sé do Porto321 passando, mais tarde para a sua morada actual. Em 1544, as obras do novo edifício da confraria na Rua das Flores ainda não tinham sido iniciadas, facto que só ocorreu seis anos mais tarde322. No final do séc. XVI, este arruamento torna-se, a par da Rua Nova, um dos mais nobres da cidade, sendo escolhida pela burguesia mercantil e pela nova aristocracia portuense, para a construção dos seus luxuosos palacetes323.

De traçado moderno e rectilíneo a Rua das Flores correspondeu, tal como a Judiaria Nova do Olival e a Rua Nova, a um momento de forte afirmação do poder régio na urbe portuense. A intervenção de D. Manuel I pode ter sido fundamental para convencer a Mitra e o Cabido, senhorios directos dos terrenos, a rapidamente urbanizarem este arruamento, não esquecendo a intervenção camarária na regularização do espaço público. Através do aforamento perpétuo, mais comum na intervenção urbana liderada pelo Concelho, e da instituição de um laudémio cinco vezes inferior ao corrente, a Mitra e o Cabido favoreceram a construção de habitações nesta rua. Como contrapartida, impunha-se aos foreiros dos terrenos uma construção arquitectónica de forte rigor, exigência e coerência324.

320 BASTO, Artur de Magalhães – História da Santa Casa da Misericórdia…, 1934, vol. I, pp. 163-167. 321 Idem, Ibidem, p. 173.

322 OLIVEIRA, José Manuel Pereira de – Espaço urbano do Porto…, 1973, p. 251. 323 REAL, Manuel Luís, TAVARES, Rui – “Bases para a compreensão…, 1987, p. 399. 324 OLIVEIRA, José Manuel Pereira de – Espaço urbano do Porto…, 1973, p. 251.