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Capítulo III – Por uma existência normalizada

3.1 A rua não é cenário para todos

Nesses projetos, que se não se constituíam como um todo integrado e contínuo ao longo dos anos, tinham como denominador comum os objetivos principais e alguns alvos e mecanismos de ação privilegiados, as preocupações não se restringiam ao âmbito da configuração física da cidade. Ou seja, não foram apenas sobre as ruas, passeios públicos, ou habitações que os debates em torno das reformas necessárias se concentraram.

Ao lado, ou conjuntamente a isto, havia as reflexões sobre quem deveria ocupar esses mesmos espaços, a quem deveria ser permitida a circulação e permanência em pontos da cidade considerados importantíssimos para o cultivo de um ideal de civilização e progresso, presentes em reiteradas declarações produzidas à época e estampadas nos registros eleitos à condição de fontes ao longo desta pesquisa – notadamente os jornais245.

Ao longo da primeira metade do século XX, a capital maranhense teve dois códigos de postura municipais, elaborados em 1893 e 1936. Procuraram impor ao cotidiano de seus habitantes uma série de regras que garantissem o que seus legisladores entenderam como “bom convívio”. Comparando os dois códigos, percebe-se no primeiro a ênfase maior em disciplinar o cotidiano das vias públicas e dos lugares de maior concentração de pessoas. Algo que talvez possa ser interpretado como mais uma tentativa dos poderes públicos em garantir a ordem numa época em que o Brasil, recém instalada a República, passava por atribulações internas envolvendo questões como legitimidade e contestações de governos – ainda que neste código não se mencionem regras para manifestações políticas, por exemplo.

Nele, o ajuntamento de pessoas é considerado proibido nas “casas de bebidas, tavernas e outros lugares públicos”, em que se tivesse como fim participar de “tocatas, danças e cantorias”. Em público, proibia-se ainda praticar atos ou gestos considerados imorais – nada de palavras obscenas ou trajes indecentes. Pessoas que fossem encontradas vagando pela cidade, em estado de embriaguez, deveriam ser detidas nas estações policiais até que cessassem os efeitos do álcool. Tentativa de barrar um elemento indesejado, que se estendia àquele indivíduo considerado expressamente como vadio, caracterizado por “vagar pelas ruas e estradas [...] sem ocupação”246.

Já o código de 1936, se mantém preocupações com a imoralidade de alguns atos – proferir palavras obscenas ou comportar-se em casa de modo desonesto – parece refletir um interesse maior em banir alguns hábitos mais cotidianos, que pudessem talvez depor contra a

245 No que se refere à “civilização”, penso aqui nas afirmações do sociólogo Norbert Elias em O Processo

Civilizador. Diante da complexidade da matéria, ele assevera que um denominador comum pode ser observado: a constatação de que tal conceito é uma manifestação da consciência que o Ocidente tem de si próprio. Sob o rótulo de “civilizado” estariam abrigadas as interpretações que nos últimos séculos colocaram as sociedades ocidentais numa posição de superioridade em relação ao passado ou a outras formas de organizações contemporâneas. À parte as diferenças que Elias estabelece entre os contextos francês e alemão (com sua noção de Kultur), ambos convergiriam para a visão de que a sua é “a maneira como o mundo dos homens, como um todo, quer ser visto e julgado” (ELIAS, 1994, p. 25).

246 SÃO LUÍS. Lei nº 8, de 20 de julho de 1893. Reproduzido em: PORTO, Augusto (Org.). Coleção de leis e

imagem de São Luís enquanto cidade civilizada. As minúcias nesse aspecto levam a ver em artigos deste código um quadro de algumas ruas da cidade, bem como certo constrangimento dos legisladores em ainda ter de conviver com essas práticas. Observa-se no artigo 348 ser proibido, na via pública:

1) estender roupas ou outros objetos a enxugar ou arejar; limpar vasilhas; joeirar gêneros; escamar ou tratar peixe; matar ou pelar animais; ferrar, sangrar ou fazer algum curativo a qualquer animal, exceto em caso de urgência; partir lenha; cozinhar; torrar café, estender couros. 2) lançar nas ruas, praças ou jardins públicos e terrenos baldios, vidros, lixo, imundícies, águas servidas, objetos imprestáveis, animais doentes ou mortos. 3) estender, colocar tapetes, capachos, roupas, etc nas sacadas e janelas que sejam visíveis dos logradouros públicos247.

Não se viam como separadas a reforma dos espaços com a redefinição de seus frequentadores. Uma aparecia como consequência quase natural da outra, segundo aqueles que se ocuparam com a matéria no período observado. Entre os grupos sobre os quais se discutiram, três ocuparam uma posição de maior destaque, sendo citados com mais regularidade: os mendigos, os vadios e as prostitutas. Três personagens que, apesar das diferenças apresentadas entre si, tinham em comum o fato de não exercerem uma atividade laboriosa considerada digna, recaindo sobre suas figuras a aura de nódoas sociais, pesos carregados pela “gente de bem”, constituindo-se ainda como focos de perigos e inseguranças: à vida, à saúde, à economia, ao convívio social, à imagem da cidade. Observemos rapidamente como foram construídas cada uma dessas personagens nos registros produzidos à época.

O problema da mendicância foi algo fartamente explorado pelos jornais ludovicences ao longo de toda a primeira metade do século XX. As reclamações e os argumentos contrários à existência de mendigos pelas ruas da cidade se repetem quase sempre com o mesmo tom: a necessidade de restringir ao máximo a presença errante desses indivíduos nos espaços públicos, qualificada por um jornal como sendo “a concepção errada da liberdade humana”248. Afirmava-se então que qualquer aparência de prosperidade, de bem estar, assim como da tradicionalmente decantada cultura intelectual do habitante de São Luís, desaparecia por completo quando “a pobreza desamparada desta capital sai mendigando pelas ruas”. Praças e jardins se tornavam palcos para todas as espécies de mendigos, que quebravam

247 Diário Oficial do Maranhão, 15/04/1937. 248 A Lanterna, 15/12/1913.

o ritmo normal da cidade com seus pedidos de esmola – seja impedindo o caminhar do transeunte, seja atrapalhando o trabalho nas casas comerciais.

Aos mendigos da cidade se juntariam regularmente aqueles oriundos de localidades próximas, atraídos, por exemplo, pela chegada de embarcações à capital, investindo sobre os passageiros na esperança de garantirem uma esmola mais generosa. Deixariam assim, logo de imediato, uma má impressão a quem visitasse São Luís.

E quando os redatores daquele jornal se referiram a “espécies de mendigos”, não se utilizaram apenas de um recurso retórico. Eles de fato, num trabalho que hoje designaríamos como sociológico, os dividiram em categorias distintas. Desse modo, os cerca de duzentos mendigos contabilizados (não ficou claro como chegaram a esse número), foram distribuídos em duas modalidades principais: os mendigos de profissão e os ocasionais.

A primeira delas incluía os vagabundos, “que por índole ou tendência doentia se furtam ao trabalho”. Esses se entregavam à embriaguez e imploravam a caridade pública com o único fito de sustentarem seus vícios. Neste grupo havia ainda aqueles que, apresentando uma lesão orgânica curável, teriam a possibilidade, quando restabelecidos após um tratamento, de exercer algum trabalho do qual obteriam sua existência. Menciona-se o exemplo de “um homem forte e sadio, que pede esmola simplesmente porque lhe falta o nariz”. Os de temperamento preguiçoso fariam parte da segunda categoria de mendigos. Procurando sempre uma desculpa para fugir ao trabalho, eram desocupados por pura opção. Viveriam como parasitas, submetendo frequentemente à exploração a inocência dos próprios filhos249.

Concluía-se que somente a invalidez desamparada constituiria um tipo de mendicância justificável e merecedor de amparo. As demais, seguindo o movimento das sociedades, “quando vão recebendo o clarão benfazejo e salutar da civilização”, deveriam ser extirpadas.

Uma solução para o problema do trânsito de mendigos pelas ruas de São Luís era vista na construção de um estabelecimento destinado especialmente ao abrigo daqueles indivíduos. E foi o que aconteceu em abril de 1919, com a inauguração do Asilo de Mendicidade. Patrocinado pela maçonaria, mais precisamente pela Loja Renascença, ficava

249 Em outra crônica, Luzo Torres (1910, p. 42) dizia que o preguiçoso era um doente que fechava os olhos aos

deveres da existência: “A preguiça, o horror ao trabalho, como moléstia que é, torna-se perigosa, produzindo uma reação terrível no meio que atua [...]. Doença, meus senhores! Mas doença d’alma”.

num prédio localizado no sítio Pedreiras, cercado por muitas árvores frutíferas, à margem direita do rio Anil. Tudo indica que, de maneira providencial, o acesso ao Asilo só poderia ser feito por meio de embarcações, o que também serviria como fator inibidor de fugas. No início era composto por dois pavimentos: no inferior, ficavam as mulheres; no superior, os homens. Em cada um deles havia salões dormitórios, refeitório, enfermaria, sentina, banheiro e cozinha. Enfatizava-se naquele momento que o “asilo já possui 50 camas e ainda há lugares para outras tantas”. 250

Durante o curso desta pesquisa não foi encontrado o registro dos primeiros estatutos do Asilo de Mendicidade, que talvez oferecessem mais indícios sobre a organização e as regras daquela instituição. Foi apurado que tais estatutos sofreram uma reforma em 1943, sendo publicados no Diário Oficial do Maranhão. Comparando este documento com as poucas fontes encontradas sobre o Asilo, penso que no geral os objetivos principais foram mantidos. Assim, ficou dito no artigo 2º que aquele estabelecimento tinha por fim “recolher os mendigos de ambos os sexos que lhe forem enviados pelos poderes competentes e aqueles que espontaneamente o procurarem”251.

Em tese, não seriam admitidas pessoas que, apresentando boa saúde, exerciam a mendicidade por simples vício ou ociosidade. Como não foi encontrado material que trouxesse mais detalhes sobre os internos do Asilo, não é possível garantir que esta regra tivesse sido de fato seguida à risca. Afinal, é possível que, no interesse de livrar determinado ponto da cidade da presença de um mendigo, este fosse internado naquele estabelecimento. Porém, parece mais plausível que nestes casos, em vez de encaminhado àquela instituição, ele fosse encarcerado na cadeia por dedicar-se à vadiagem, algo previsto (e praticado) à época.

Ainda assim, o caráter prisional do Asilo de Mendicidade pode ter sido garantido caso tenha funcionado a determinação de que “os mendigos [...] não poderão vir à cidade, a passeio ou em visitas aos seus parentes e amigos, salvo em casos especiais, a juízo do Presidente”252.

250 Os primeiros asilados foram: um homem africano, casado, de 101 anos; uma viúva de 35 anos; uma mulher

solteira de 36; um viúvo de 90 anos; e um homem solteiro de 40 (Pacotilha, 22/04/1919).

251 Diário Oficial do Maranhão, 11/10/1943.

252 Diário Oficial do Maranhão, 11/10/1943. Aos domingos e feriados, o Asilo de Mendicidade era aberto à

Antes de se efetivar uma internação, o indivíduo em situação de mendicância deveria ser submetido a exames médicos, não apenas para verificar se gozava de boa saúde (o que impediria sua internação), mas também para confirmar se não sofria de alguma moléstia que por sua vez também fosse obstáculo à sua permanência. Pois, segundo o artigo 4º, “em hipótese alguma serão aceitos mendigos que sofram das faculdades mentais, lepra, tuberculose, úlcera ou outra qualquer moléstia contagiosa”253. Já aqueles que adentraram à instituição sofrendo de outra doença, assim que verificado o seu restabelecimento, “de modo que se torne apto para o trabalho”, deveriam deixar o Asilo.

O único relatório encontrado sobre as atividades do Asilo de Mendicidade corresponde ao ano de 1923 – publicado no ano seguinte pela Imprensa Oficial e cujo exemplar se encontra na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. É um documento que não traz informações detalhadas sobre os internos e seu cotidiano nas dependências daquele estabelecimento, restringindo-se basicamente as estatísticas de entrada e saída254. Nele enfatizava-se um problema que, segundo ficou dito, vinha acompanhando a instituição há algum tempo: o alto número de internos falecidos. Foram 33 mortes em 1923 – 16 homens e 17 mulheres. A isso responsabilizavam “o estado deplorável de saúde dos indigentes que são internados pelos poderes públicos”, referindo-se certamente àqueles mendigos que eram recolhidos pelas forças policiais255.

Desde o início, o Asilo de Mendicidade contou com uma equipe de médicos, provavelmente não fixa, mas que visitava ocasionalmente o estabelecimento, prestando gratuitamente seus serviços256. O que talvez contribuísse para certa irregularidade no atendimento aos mendigos ali internados. É o que se depreende dos agradecimentos feitos a

253 Benedicto Ferreira foi retirado do Asilo e entregue à polícia “por sofrer das faculdades mentais” (Diário

Oficial do Maranhão, 09/04/1929).

254 Desse modo, registrou-se que em 1º de Janeiro de 1923 havia 84 asilados (45 homens e 39 mulheres). Ao

longo daquele ano entraram 68 homens e 64 mulheres. Nesse período, contabilizaram como curados 43 homens e 35 mulheres. Para 1924 passaram 105 asilados (54 homens e 51 mulheres) ASILO DE MENDICIDADE DO MARANHÃO. Relatório Anual do Asilo de Mendicidade apresentado à Grande, Benemérita e Benfeitora,

Augusta, Respeitável e Sublime Loja Capitular Renascença Maranhense, 1924, p. 4).

255 Ainda segundo o Relatório (p. 14), o Asilo de Mendicidade recebia uma subvenção do Governo do Estado.

Até junho de 1923 “era esta subvenção de 500$000 mensais, sendo elevada para 1:000$000”.

256 Em 1923, o corpo de funcionários do Asilo contava com o administrador, uma enfermeira, quatro criados, um

Antonio Ferreira de Campos, membro da Diretoria do Asilo, que “dentro dos limites dos seus conhecimentos, como Farmacêutico” teria procurado suprir as ausências dos médicos257.

Nesta época foram inaugurados mais dois pavilhões: um para os chamados paralíticos e outro para “trabalhos”258. Apesar de não haver especificações, tudo indica que este último se configuraria num espaço destinado a treinar os mendigos asilados no exercício de um ofício, do qual poderiam extrair sua sobrevivência quando deixassem o Asilo.

Entretanto, o que foi apresentado como resposta definitiva ao incômodo da mendicância logo se mostrou suscetível a uma série de inconvenientes. Interessante notar que as críticas nesses primeiros anos de funcionamento do Asilo não se dirigiram exatamente a problemas em sua estrutura ou a deficiências em sua administração. Ressaltava-se, sim, uma espécie de falta de colaboração daqueles apontados como os principais beneficiados: os próprios mendigos, com sua relutância e até mesmo egoísmo, estariam minando o sucesso daquela instituição.

No jornal Pacotilha, apenas três meses após a inauguração do Asilo de Mendicidade, fazia-se notar que, mesmo sendo este “excelente e confortável”, sua lotação não fora atingida, sobrando ainda muitas vagas. Isto tudo porque os mendigos, afirmava-se, em regra não gostam de asilos: “Preferem, como os passarinhos, à reclusão com todas as garantias de subsistência, as incertezas da liberdade”259. Acostumados à vida nômade, eram refratários ao sedentarismo dos asilos. Faziam do esmolar sua ocupação, “quase um desporto”. Em virtude disto, continuavam as lamentações corriqueiras ao período “pré-Asilo”: Está de novo a cidade infestada pelos mendigos. A cada passo encontra-se um que, em voz lamurienta, repete o clássico: - Uma esmolinha, pelo amor de Deus! E não só nas ruas. Creio que ninguém desconhece a cena seguinte: - Batem palmas, fortes e vibrantes. Se se não atender com urgência, novas palmas mais fortes e mais vibrantes. Os leitores já calculam quem seja: é o “pobre”, que vem insistir pela sua esmola260.

257 ASILO DE MENDICIDADE DO MARANHÃO. Relatório Anual do Asilo de Mendicidade apresentado à

Grande, Benemérita e Benfeitora, Augusta, Respeitável e Sublime Loja Capitular Renascença Maranhense, 1924, p. 5

258 Em abril de 1929, por ocasião da comemoração do décimo aniversário do Asilo de Mendicidade, foi

inaugurado um novo pavilhão, com capacidade para 36 leitos (Diário Oficial do Maranhão, 20/04/1929).

259 Pacotilha, 31/07/1919. 260 Pacotilha, 31/07/1919.

Anos depois, os redatores de O Jornal ecoavam esta mesma crítica, lembrando que os relevantes serviços do Asilo estavam comprometidos pelos mendicantes “que não se sujeitam à reclusão, por uma questão de hábito”. Somava-a a isto o descuido dos poderes públicos no internamento desses indivíduos, o que tornava os habitantes de São Luís “benevolentes em detrimento do nosso bom nome”. E, numa referência à localização do Asilo e à necessidade do uso de embarcação para lá chegar, apelava-se para “organização de canoas de saneamento, para a repressão desse abuso, facilmente corrigível”261.

Segundo matéria do jornal Folha do Povo, não eram justificáveis os mendigos que teimavam em não se “sujeitar àquela salutar prisão”, onde poderiam ter remédio aos males do corpo e aos sofrimentos de sua condição miserável. Nem mesmo deveriam ser seriamente consideradas as oposições das famílias aos internamentos. Pois caberia ao governo promover o internamento “ainda que por modos severos”, impedindo que eles, “ostentando chagas e deformidades horríveis”, oferecessem “aos olhos de toda a cidade o espetáculo confrangedor de sua miséria”262.

Registros que deixam patente que foram interpostas resistências por parte das pessoas que naquele momento eram pensadas como objetos de uma estratégia de sujeição e subordinação em nome do que se considerava o bom aspecto a ser apresentado pela capital maranhense. Projetos que determinaram de antemão quais seriam as necessidades não só para o alcance de um salutar ambiente urbano como também para o grupo de indivíduos classificados como sério empecilho àquele fim.

Erigiu-se a imagem do Asilo de Mendicidade como a solução ideal para o fim da mendicância e para a correção dos mendicantes – esqueceram-se apenas de combinar tudo com esses últimos, que reiteradas vezes mostravam não estar de acordo com a alternativa apresentada. É o que indicam os casos de Deomedes Pacheco e Norberto Pereira dos Santos, excluídos do Asilo por insubordinação; e de José Peixoto e José Ferreira Queiroz, que, ignorando os obstáculos geográficos oferecidos pela localização do Asilo, conseguiram fugir de suas dependências263.

261 O Jornal, 30/01/1923. 262 Folha do Povo, 09/11/1927.

Na década de 1930, ainda são encontrados apelos girando em torno do combate à mendicância. Não tanto na defesa do Asilo de Mendicidade como recurso privilegiado ao qual recorrer, demonstrando certo descrédito neste tipo de iniciativa. Em dezembro de 1934, o chefe de polícia conclamava, por meio da imprensa, os comerciantes e também o público em geral a não cederem aos pedidos de esmolas dos mendicantes que perambulavam pelas ruas da cidade. Ele procurou basear seus argumentos na informação de que centenas de mendigos haviam sido cadastrados para receberam, no Quartel do Corpo de Segurança, esmolas que eram distribuídas aos sábados. Possivelmente esta era uma maneira de conhecer e ter sob suas vistas e controle boa parte das pessoas que viviam em estado de mendicância. E, para dirimir quaisquer dúvidas, no que parece uma postura quase apelativa de convencimento, o Chefe de Polícia, “para maior convicção da realidade”, convidava a todos para assistirem um daqueles eventos264.

Talvez haja aí uma forte indicação de que, ao lado da repulsa que eles provocavam, havia espaço para a prática de auxílio àqueles indivíduos vistos como desprovidos de toda ordem. Não se entrando no mérito das motivações principais que entravam em cena (pena, caridade, religiosidade), é no mínimo improvável pensar na existência de uma atitude monolítica em relação ao tratamento dispensado aos indivíduos que viviam da mendicância.

Práticas de caridade bem menos presentes quando se pensa em outra personagem considerada incômoda para a consagração de São Luís enquanto lugar belo, civilizado e organizado: a prostituta. Gente como Teresa, a “gata magra”, ou Josefa, “a perna seca”. Viviam num cortiço à Rua do Veado, “se é que se possa chamar de cortiço a uma espelunca”, pondera uma nota no jornal A Imprensa, em agosto de 1906. Reinaria ali uma “gritaria infernal e incessante”, que duraria todos os dias da semana, sem que a polícia ordenasse um “tour de promenade à São João” – em referência ao posto policial localizado na rua de mesmo nome265.

264 Mas parece que essa estratégia também não vinha tendo grande destaque. Isso porque em março de 1935, o

Chefe de Polícia propunha uma reorganização desse auxílio – a chamada “Caixa de Mendigos”. Esperava contar com a participação “do comércio, da indústria e da população em geral”. Assim como aconteceu com o Asilo de Mendicidade, a expectativa era de que a tal Caixa contribuísse para que a cidade se visse livre da “chusma de mendicantes” que representavam “um espetáculo deprimente para os foros de civilização” (Diário Oficial do Maranhão, 17/12/1934 e 20/03/1935).

O mesmo jornal retornaria suas atenções sobre este assunto meses depois,

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