• Nenhum resultado encontrado

RUMO AO FIM DAS FRONTEIRAS

No documento Download/Open (páginas 61-65)

De acordo com Lévy (2001b), nos próximos decênios do século XXI, mais de 80% dos seres humanos acessarão o ciberespaço cotidianamente, e os diferentes processos de concepção, produção e comercialização estarão mergulhados no espaço virtual. Dessa forma, num ponto qualquer de uma grande cidade poderemos ter acesso a uma inteligência coletiva acumulada a séculos, da qual participam os mais diversos povos. Inteligência esta que concentra conhecimentos e envolve processos de cooperação.

Uma das hipóteses fundamentais de Lévy é que “a inteligência coletiva aumenta ao mesmo tempo em que melhora a organização da cooperação entre os seres humanos.” Lembra que, etimologicamente, a palavra competição, tem origem latina competire, que significa “tender a um mesmo ponto”. Dessa forma, temos que convergir, como sugere a etimologia, “porque estamos engajados em um processo aberto de competição”. Para ele a competição (cooperativa) está na base de todas as formas de inteligência coletiva, pois “não há outras maneiras de aprender e descobrir senão testando um grande número de hipóteses, tentando diversos comportamentos, explorando vários ambientes”. Descentralizando assim, os processos que levam ao conhecimento. (2001a, p. 98 e 99)

Na sua perspectiva, o ciberespaço será o lugar da criação e da aquisição de conhecimentos, das atividades de aprendizagem, de pesquisa e de lazer. Não importa que sejamos contra ou favor, estes são os indícios que apontam para o futuro, futuro este “cada vez mais marcado pelo mercado capitalista, a ciência e a técnica”, os quais “modelam o coletivo humano há pelo menos quatro séculos”. Assim, temos duas escolhas: ou denunciamos e criticamos ou tentamos compreender e dar-lhe um sentido. (2001a, p. 57)

Lévy esclarece que, se esforça em adotar uma atitude de enfrentamento, aberta para o movimento real, que está em fluxo de evolução e, tenta perceber e distinguir seu melhor sentido, para torná-lo evidente.

Não é senão nos inserindo, tanto intelectual quanto afetivamente, na corrente que nos leva, que poderemos orientá-la, tanto quanto for possível. Não se trata, evidentemente, de negar os aspectos caóticos e dolorosos da realidade: sofrimentos, conflitos, lutas de poder, exclusões, injustiças, miséria, desaparecimento de modos de vida e de cultura tradicionais, unidimensionalidade de uma visão banalmente econômica ou tecnocientífica do mundo...Mas o fato da realidade apresentar aspectos desprazerosos (e certamente abertos a muitas melhorias) não deve nos impedir de compreender sua significação e de viver plenamente sua riqueza. (2001a, p. 57)

Para ratificar, enfatiza que o desejo da cibercultura seria a organização de um laço social baseado em interesses comuns, como o compartilhamento do saber, a aprendizagem cooperativa ou os processos abertos de colaboração, e não sobre relações de poder, ou relações institucionais, nem sobre links territoriais. A desterritorialização do conhecimento seria a própria base da cibercultura. (1999)

Contudo, reconhece que as técnicas, presentes na cibercultura, implicam em diversos interesses: econômicos, financeiros e sociais. Mas argumenta que, a maior parte da crítica à cibercultura ou à tecnociência era progressista e visionária, e hoje se tornou conservadora, caminhando de costas para o futuro, “trabalha mais para ampliar o ressentimento e o ódio do que para promover uma visão positiva do futuro.” (2001a, p. 57), O processo normal de expansão do mundo humano, segundo Lévy, tem início com as idéias, entretanto essa expansão é sempre acompanhada, a curto ou longo prazo, do aspecto econômico. A atração pelo ganho é muito forte na espécie humana, e a leva a explorar e, “a institucionalizar, a solidificar, a materializar e a comercializar o espaço aberto pelos inventores.” Contudo, a inteligência coletiva nasce de processos de cooperação competitiva, em que as idéias abrem um largo espaço, e onde as explorações poderão ser numerosas e abundantes, mas baseadas nas capacidades cooperativas dos agentes concorrentes. (2001a, p. 61)

Lévy explica que, os princípios que orientaram o crescimento inicial do ciberespaço foram a interconexão, a criação de comunidades virtuais e a inteligência coletiva. Mas alerta que, o ciberespaço não é determinante para a inteligência coletiva, ele apenas propicia um ambiente favorável, à interconexão. E, talvez seja o espaço, onde a pulsação é mais forte, pois “as relações on-line não excluem as emoções fortes.“ (1999, p. 128)

No entender de Lévy, a comunicação entre os homens expande-se e multiplica- se na interconexão entre as informações que explodem hoje no ciberespaço. E quanto mais nos conectamos, viajamos, no planeta ou nos livros, ou na sociedade ao nosso redor, mais o nosso espírito se abre. Para ele, há uma intensa relação entre a comunicação interna (o grau de sensibilidade a si próprio) e a riqueza das experiências do mundo externo. (2001a, p. 45)

Quanto mais um ser está conectado com o interior, mais vasto é seu campo de interação, mais rica é sua experiência, mais ele é capaz de aprender (isto é, de aumentar seu mundo), mais ele está conectado com o exterior. Devemos nos inserir, tanto intelectual quanto afetivamente para podermos orientar, temos que dar um sentido a esse movimento ao invés de apenas difamá-lo, tentar “reconciliar meus semelhantes com seu próprio mundo e, assim ajudá-los a viver. (2001a, p. 59)

Pierre Lévy manifesta sua previsão sobre o ciberespaço como “uma meditação coletiva do espírito humano”. Coloca o ciberespaço como um “meio de se reunir consigo mesmo”, além de interligar todos os habitantes do planeta, em um tipo de “cidade universal”, em que todo mundo se torna vizinho, mas também faz “convergir todos os empreendimentos humanos”. Para ele, “o ciberespaço será o principal ponto de apoio de um processo ininterrupto de aprendizagem e de ensino da sociedade por si mesma”, onde “todas as instituições humanas irão se entrecruzar e convergir para uma inteligência coletiva sempre capaz de produzir e explorar novas formas”. (2001a, p. 152)

Considera que, a genuina educação funde todas as disciplinas em um processo de aprendizagem maior, onde o autoconhecimento é tão importante quanto o conhecimento do mundo. “Um conhecimento de si que finalmente nos leva a perceber que somos, todos juntos, uma consciência iluminando um mundo”. (2001a, p. 156) Dessa forma, a única finalidade da educação seria dar à consciência humana uma maior dimensão e expansão: liberdade e amor por todas as formas e todos os seres. (2001a)

Acredita que, o conhecimento verdadeiro conduz o ser humano em direção à liberdade e à responsabilidade. E, que o conhecimento “é aquilo no qual estamos desde a origem: a consciência”. Pois, a ação autêntica que vem do coração é feita em consciência. (2001a, p. 161) Assinala que, o ser humano sempre “se envolve em uma atividade de conhecimento, de aprendizado”, a cada vez que ele “organiza ou reorganiza sua relação consigo mesmo, com seus semelhantes, com as coisas, com os signos, com o cosmo”. (1998c, p. 121)

Aponta ainda que, a totalidade das pesquisas e todas as evoluções cosmofísicas, biológicas, culturais ou pessoais, pertencem a “uma só expansão universal da consciência”. E, que o big-bang físico ficou para trás. Agora a liberdade do ser humano deve conduzi-lo a um big-bang espiritual, para transportá-lo à dimensão do amor. As ferramentas, as organizações econômicas, os regimes políticos, os estilos de educação, os modos de organização e as práticas espirituais que puderem contribuir da melhor forma em prol da abertura onidirecional do espírito e da atualização serão as formas escolhidas pelo desenvolvimento, pela história e pela nossa liberdade. (2001a, p. 189) Lévy considera que, as maneiras de alcançarmos a evolução serão mediadas pelos computadores e redes informacionais, inseridos no livre mercado, em uma democracia planetária de desenvolvimento humanista, do ser integral. Onde as cooperações competitivas favoreçam a inteligência coletiva e o caminho para a benevolência. (2001a)

Em sua análise, ressalta que “quanto menos estamos em contato com nós mesmos, mais estreito fica o mundo em que vivemos e mais nos inquietam os acontecimentos e os seres humanos”. Assim “conhecer a si mesmo é condição indispensável para conhecer e compreender os outros”, pois “o conhecimento de si, da vida e do mundo são o mesmo e único conhecimento” (2007, p. 153 e 154), em que “cada alma é uma letra particular e insubstituível do grande hipertexto” (p. 205) e “a emoção é nossa interface com o mundo”, pois “se nossa alma tivesse pele, seu toque seria a emoção”. (p. 46)

Para Pierre Levy (2007, p. 19), o seu estudo sobre as questões humanas e sobre a tentativa de entender as coisas do mundo “traz a marca de uma completa transformação interior”, pois aprendeu que é necessário também conhecer-se a si mesmo e realizar o autoconhecimento como uma descoberta. Estes estudos, que alguns críticos definem, pejorativamente, como “auto-ajuda”, unem o aspecto humano ao aspecto tecnológico. “Saber, no sentido mais fundamental, é experimentar, encontrar, conhecer o gosto e a textura do amor”. (2007, p. 62)

É grande a tentação de condenar ou ignorar aquilo que nos é estranho. É mesmo possível que não nos apercebamos da existência de novos estilos de saber, simplesmente porque eles não correspondem aos critérios e definições que nos constituíram e que herdamos da tradição. (1993, p. 117)

Lévy e Authier descrevem uma situação extrema para exemplificar que o saber é uma extensão do ser.

O pelotão de execução se apronta para me executar. Minha situação é desesperadora...Em alguns segundos tudo volta: meus primeiros passos, minhas primeiras palavras, meus amores, as pessoas e as paisagens que conheci, os ofícios que pratiquei, os combates que conduzi, os cantos que me ninaram, tudo o que marcou minha vida e que faz dela uma existência singular. Talvez alguma informação, algum hábito esquecido, algum saber metido nas dobras do tempo poderia, na situação crítica em que me encontro, salvar-me. (...) Mas por que seria a minha história, do começo ao fim, que me voltaria e não apenas o que sei? Porque toda a minha vida está impregnada de saber. Porque a linha da existência está sempre duplicada por uma linha do conhecimento que a recruza, a desposa e a ilumina. (2008, p. 99)

Conforme Lévy (2001a, p. 154), a partir do momento que um espaço foi descoberto na cultura, pode ser explorado e conquistado pelas pessoas. A educação, ou aprendizagem, “é uma atualização da cultura”, no sentido de seu ato “exploratório, consciente e deliberado”. Tudo o que nos habita termina por exprimir-se “na ecologia da experiência”, através da qual realizamos nossa evolução. “O interior e o exterior trocam continuamente seus lugares na dialética da experiência pessoal e da consciência coletiva”. (p. 166) Não apenas “os outros” fazem parte de nós, mas também nós somos parte dos outros. (p. 171)

No documento Download/Open (páginas 61-65)