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Ruy Braga: o precariado como proletariado precarizado

2. Precarização, precariedade e precariado na literatura: esboço de uma

2.2 Para uma sociologia do precariado

2.2.3 Ruy Braga: o precariado como proletariado precarizado

Ruy Braga terá uma construção teórica do conceito de precariado de forma diversa dos autores que já abordamos. Existem aproximações entre Standing e Alves no que toca aos aspectos da precarização existencial como parte constitutiva do precariado e quanto ao contexto histórico em que ele surge, que é o colapso do Estado de Bem Estar Social e ascensão do neoliberalismo.

Braga irá se diferenciar de ambos, tratando o precariado como sinônimo de proletariado precarizado, adaptando o conceito originado na sociologia francesa dos anos 1980 às condições sociais periféricas.

Em primeiro lugar, é preciso compreender o que entendo por “precariado”, conceito que tomei emprestado, resignificando-o, da sociologia francesa. Trata-se daquele amplo contingente de trabalhadores que, pelo fato de possuírem qualificações escassas, são admitidos e demitidos muito rapidamente pelas

39ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo: Cortez; Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 2011. ALVES, Giovanni. O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo. São Paulo: Boitempo, 2005. DRUCK, Graça; FRANCO, Tânia (Orgs). A perda da razão social do trabalho: Terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007. POCHMANN, Marcio. Nova classe média? O trabalho na base da pirâmide social brasileira. São Paulo: Boitempo, 2012.

40 CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2005.

empresas, ou encontram-se no campo, na informalidade ou são ainda jovens em busca do primeiro emprego, ou estão inseridos em ocupações tão degradantes, sub remuneradas e precárias que resultam em uma reprodução anômala da força de trabalho (BRAGA, 2013b)41.

Como podemos observar, Braga sugere outra dimensão histórica e conceitual para o precariado. O autor fala de pouca qualificação, abrangendo trabalhadores jovens e não jovens. Enquanto Alves (2012a) realçava os caracteres da alta qualificação da jovem geração. O que Braga tem em comum com Alves é o entendimento do precariado como parte da classe trabalhadora, o que os diferenciam de Standing. “Os trabalhadores precarizados são uma parte da classe trabalhadora em permanente trânsito entre a possibilidade da exclusão socioeconômica e o aprofundamento da exploração econômica (BRAGA, 2012a, p. 19)”. O que os três autores acabam por possuir em comum é apenas o aspecto da precarização do trabalho como elemento constitutivo do precariado.

No plano histórico, Braga irá situar o precariado como presente desde o fordismo periférico (anos 1950) até a atual fase neoliberal. Isso é evidente no subtítulo de sua obra, A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista. Assim, Braga parte do contexto da sociedade e da economia brasileira, e não do continente europeu, mas não situa o precariado como emergido do contexto do neoliberalismo.

Nesse sentido, ele se distancia da contextualização realizada por Alves que identifica a formação do precariado brasileiro a partir da última década com a expansão precária da educação superior e do trabalho precário (ALVES, 2012a).

Braga sustentará sua construção teórica, também em Marx, como faz Alves. Mas partirá de outros conceitos. Braga entenderá o precariado como superpopulação relativa em Marx (excluindo tanto o lumpemproletariado, quanto a população pauperizada por considerá-la própria a reprodução do capitalismo periférico) (BRAGA, 2012a, p. 18). Discordando nominalmente de Standing, Braga irá justifica sua escolha em

primeiro lugar, ela permite-nos localizar o precariado no 41 BRAGA, Ruy. A política do precariado e a mercantilização do trabalho. Entrevista especial com Ruy Braga. Porto Alegre: Portal Unisinos, 09 dez. 2012b. Disponível em: <http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/516283- a-politica-do-precariado-e-a- mercantilizacao-do-trabalho>. Acesso: em 30 jun. 2013.

coração do próprio modo de produção capitalista e não como

um subproduto da crise do modo de desenvolvimento fordista. Em segundo lugar, ela enfatiza a dimensão histórica e relacional desse grupo como parte integrante da classe

trabalhadora, e não como um amálgama intergeracional e

policlassista que assumiria de maneira progressiva a aparência de uma nova classe. Em terceiro lugar, em vez de retirar arbitrariamente a insegurança da relação salarial, essa noção possibilita-nos tratar a precariedade como uma dimensão

intrínseca ao processo de mercantilização do trabalho

(BRAGA, 2012a, p. 18).

Em Braga, precariado ganha uma abrangência histórica e social muito mais ampla do que em Standing e Alves. O precariado tende a ser identificado “(...) com a fração mais mal paga e explorada do proletariado urbano e dos trabalhadores agrícolas, excluídos a população pauperizada e o lumpemproletariado (…).” (BRAGA, 2012a, p. 19).

Se por um lado, Braga observa que Standing dilui o precariado num amálgama policalssista e intergeracional, por outro lado, ele tende a diluir o precariado em todas as frações da classe trabalhadora subsumidas a condições de trabalho precário e “super-precário”, como a “fração mais subordinada e explorada da classe trabalhadora” (BRAGA, 2012a, p. 18).

Nesse sentido, o autor identifica nos teleoperadores o retrato mais fiel do precariado brasileiro.

Os teleoperadores resumem todas as tendências importantes do mercado de trabalho no país na última década: formalização, baixos salários, terceirização, significativo aumento do assalariamento feminino, incorporação de jovens não brancos, ampliação do emprego no setor de serviços, elevação da taxa de rotatividade do trabalho, etc. Por tudo isso, estudar a trajetória e o destino histórico dos teleoperadores no Brasil é tão importante. Eles são uma espécie de retrato do precariado pós-fordista em condições sociais periféricas (BRAGA, 2012b).

Por fim, como o precariado possui uma grande amplitude histórica em Braga, ele identificará uma prática política do precariado que remonta “as regulações populista, autoritária, neopopulista, neoliberal e lulista” (BRAGA, 2012b).

Atualmente, a política do precariado pode ser sintetizada da seguinte maneira: proximidade do proletariado precarizado com

a regulação lulista e com as políticas públicas que estimularam a desconcentração de renda entre os que vivem dos rendimentos do trabalho associada à inquietação social com os baixos salários, com as péssimas condições de trabalho e o com o aumento do endividamento das famílias promovido pelo atual regime de acumulação financeirizado (BRAGA, 2012b).