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SÍNDROME DE DOWN: CONCEITUAÇÕES E CONCEPÇÕES NUM RESGATE HISTÓRICO

2 SÍNDROME DE DOWN: DIMENSÕES DO DESENVOLVIMENTO E DO PROCESSO DE QUEM APRENDE

2.3. SÍNDROME DE DOWN: CONCEITUAÇÕES E CONCEPÇÕES NUM RESGATE HISTÓRICO

Antes de trazer as reflexões sobre a criança com Síndrome de Down, no contexto escolar, torna-se importante situar o seu processo histórico, sua relação com o percurso social e educativo, bem como algumas formas de participação nas atividades coletivas, ao longo dos tempos.

Num resgate histórico da pessoa com Síndrome de Down, é possível notar que eram comuns as práticas de eliminação das pessoas com deficiência na Antiguidade. Tratadas com repúdio ou como seres exóticos postas à exibição em locais públicos para visitas, as pessoas com necessidades especiais atravessaram um longo período marcado pela negligência e negação. Amaral (1994, p.14-15) explica que a deficiência, assim como a loucura, na Antiguidade, “[...] oscilou entre dois pólos bastante contraditórios; ou um sinal da presença de deuses ou dos demônios [...]”. O contexto exibia a forte presença de organização social e econômica através da pecuária, artesanato, agricultura.

Schwartzman (2003) diz que possivelmente a Síndrome de Down sempre esteve presente na espécie humana, pois há vários objetos arqueológicos como desenhos e esculturas nas culturas Olmecas, no México, que permitem relacionar as características físicas destes achados à Síndrome de Down. Também há relatos de que, na cultura grega, a deficiência não era admitida entre seus membros, e as pessoas com comprometimentos físicos não eram consideradas seres humanos.

Na Idade Média, um período que compreende aproximadamente os anos de 476 a 1453, a pessoa com deficiência era vista como conseqüência de causas sobrenaturais, e o indivíduo deveria ser merecedor de piedade, orações e preces do restante da comunidade. Diante da forte influência do Cristianismo, a pessoa com alguma diferença significativa era considerada possuída pelo demônio, sofria práticas de exorcismo, flagelação e, até mesmo, de sacrifício (SAAD, 2003). Nesse período, o modelo de homem a ser atingido é o da formação cristã sob os moldes da autoridade da Igreja e, portanto, ele deveria permanecer sem pecados (ARANHA, 1996).

A partir da Renascença, no século XVII, palco de transformações filosóficas, artísticas, econômicas e culturais no contexto europeu, sob o pano de fundo do crescimento do poder da burguesia e a implantação do capitalismo (ARANHA, 1996), alguns pintores expressaram nas artes, através de suas telas, figuras incomuns. Traços fenotípicos, similares aos das crianças com Síndrome de Down, eram exibidos, na Alemanha, em uma tela que expõe uma criança com vestimenta vermelha ao lado de um macaco. A associação à figura do macaco e o tipo de vestimenta costumavam representar as pessoas, ditas “anormais” (SCHWARTZMAN, 2003).

Nos séculos XVIII e XIX, o paradigma da Institucionalização ganhou expressão, e evidenciou um modelo de sociedade onde as pessoas com deficiência deveriam ser mantidas em instituições, separadas das outras, confinadas em escolas especiais, asilos ou sanatórios. A pessoa era vista como um ser incapaz de conviver no meio social, por conseguinte, o foco de atendimento estava naquilo que o contexto apontava faltar, organicamente, no sujeito. Como mudança de paradigma, compreende-se o conjunto de regras, crenças, valores validados por um grupo, num determinado tempo histórico, que influencia no comportamento humano, mas acaba entrando em crise por não dar conta de todas as respostas possíveis às necessidades dos sujeitos (MANTOAN, 2006).

Pode-se dizer que as transformações nos segmentos da sociedade culminaram com ênfase na ação médico-científica e, conseqüente, o entendimento e o tratamento da deficiência pela via da organicidade, do ponto de vista estritamente biológico. Esse período mais conhecido como século das “luzes” marca uma reorganização e interpretação do mundo a partir da valorização da razão humana e da ótica contrária aos pressupostos do teocentrismo medieval (ARANHA, 1996).

As primeiras instituições escolas e classes especiais surgiram na França e visavam treinar e garantir comportamentos adequados e básicos para a vida diária. A expressão “educação especial” tem ligações com os estudos do médico francês, Jean Itard, sobre o menino selvagem, de Aveyron, numa perspectiva médico- pedagógica, iniciando a possibilidade de educação das pessoas com deficiência intelectual (RAIÇA et. al., 2006).

Ao ser encontrado numa floresta da França, por volta do ano de 1800, aos 12 anos de idade, o menino Victor foi submetido a um plano de trabalho do médico Jean Itard, que envolvia metas educativas de retorno à convivência social. Para isso, Itard buscou trabalhar aspectos que favorecessem, por exemplo, o uso da fala, o interesse pela vida social, e se contrapôs às conclusões de Pinel, um psiquiatra francês que diagnosticou não ser possível educar esse menino, por razões das suas limitações biológicas (CARNEIRO, 2008).

A respeito disso, Itard descreveu:

o ensino pode e deve ser planejado e esclarecido pela medicina moderna, que é de todas as ciências naturais a que pode cooperar mais intensamente no aperfeiçoamento da espécie humana apreciando anomalias orgânicas e intelectuais de cada indivíduo, e determinando o

que a educação será capaz de fazer por ele e o que dele pode esperar a sociedade. (ITARD, apud BOSSA, 1994, p. 09)

Num outro contexto, em 1866, no século XIX, um médico inglês John Langdon Down descreveu uma considerada sub-raça, detalhando num trabalho de pesquisa, um grupo distinto de sujeitos com “ [...] um comprometimento intelectual, registrando o fato ao caracterizar detalhes fenotípicos clássicos de uma então considerada doença da idiotia Mongólica”(VOIVODIC, 2008, p.39). Por muito tempo, o termo “mongolismo ou mongol” foi utilizado socialmente para denominar as pessoas com Síndrome de Down, pois os traços físicos destas pessoas eram atribuídos à semelhança aos fenotípicos dos povos da Mongólia. Mas só em 1959 o cromossomo extra foi descoberto por Jérome Lejeune, um geneticista francês.

Em 1904, Binet, psicólogo francês, responsável pelo Ministério da Instrução Pública, propôs investigações sobre diagnósticos da deficiência intelectual, com a finalidade de integrar alunos ao ensino público (BANKS-LEITE, 2010). Esta forma de investigação da inteligência em escalas, através dos testes psicométricos, estabeleceu condições padronizadas e quantificáveis dos acertos e erros, com graus de dificuldades, nas respostas de cada um.

No início do século XX, Binet e Simon empreenderam uma série de estudos feitos a respeito de criar uma escala métrica da inteligência infantil e de adultos para apoiar os diagnósticos. Para eles “a inteligência se confunde com a concepção de idade mental, que significa a idade biológica média na qual as crianças conseguem acertar um determinado número de provas (BANKS-LEITE, 2010, p. 60)”.

À luz desta investigação, nos Estados Unidos, Stern, psicólogo, relacionou a idade mental à idade cronológica, criando os testes de (QI) Quociente de Inteligência, em 1912, e é nesse momento que a deficiência intelectual recebe tratamento do campo psicológico, não mais estritamente médico. (CARNEIRO, 2008). Há algum tempo, esta forma de diagnóstico vem sendo muito criticada, pois a ênfase recai nas questões orgânicas do sujeito e justifica o desenvolvimento apenas decorrente dos fatores biológicos e maturacionais dessas pessoas.

No meado do século XX, o paradigma da institucionalização começou a sofrer críticas.

Tinha-se o interesse do sistema, ao qual custava cada vez mais manter a população institucionalizada, na improdutividade e na condição crônica de segregação; assim tornava-se interessante o discurso da autonomia e da produtividade, para a administração pública dos países que se adiantavam no estudo do sistema de atenção ao deficiente (BRASIL, 2000, p. 15).

Além disso, como pano de fundo houve “[...] toda uma reavaliação dos direitos humanos e, na esteira que inclui a mulher, a criança, o negro o índio [...] a pessoa com deficiência pôde começar a ser olhada [...]” (AMARAL, 1994, p. 14). A partir da década de 60, novos valores se tornaram expressivos no contexto social: o da desinstitucionalização e o da normalização, isto é, uma perspectiva que concebe a pessoa o mais próximo da “normalidade” possível para o convívio social e o que promove a integração desses sujeitos (BRASIL, 2000).

Assim, o conceito de integração foi disseminado e o foco estava numa intervenção que pudesse ser feita para que a criança com necessidades educacionais especiais acompanhasse o ritmo da escola, ou seja, o alvo do trabalho estava individualmente na criança e não no fazer escolar. Esta perspectiva caracteriza o paradigma da Integração, também conhecido como o de Serviços, que evidenciou a premissa de haver uma necessária tentativa de modificar a pessoa oferecendo-lhe serviços e pequenos espaços para que ela “[...] pudesse vir a se assemelhar, o mais possível, aos demais cidadãos, para então poder ser inserida, integrada, ao convívio em sociedade” (BRASIL, 2000, p. 16).

Nessa lógica de sociedade, as pessoas com necessidades educacionais especiais conseguem superar, por esforços pessoais, algumas barreiras sociais e arquitetônicas, mas não há uma preocupação com a modificação social para fazê- las participar e interagir nas várias instâncias da vida. Além disso, a inserção das pessoas se deu aos poucos, mas em ambientes separados (classes especiais, horário exclusivo, setor específico, etc.). Nesses moldes, não há modificação nas atitudes sociais, espaços físicos e práticas para atender a estas pessoas, ou seja, a sociedade cruza os braços para receber a pessoa, o que pode ser compreendido como contrário aos princípios inclusivistas (SASSAKI, 1997).

Foram várias as contestações a respeito do paradigma. Os debates que relativizavam os conceitos sobre “ser igual e ser diferente” e essas discussões se tornaram cada vez mais frequentes. Conquistas históricas como a Constituição brasileira em 1948, o ato da Educação para Todas as crianças com deficiências, em 1975, a Declaração de Jomtien/ Declaração mundial sobre Educação para Todos, realizada na Tailândia, em 1990, e a de Salamanca, em 1994, na Espanha, fomentaram discussões, numa concepção de igualdade para todos dando espaço para o posterior paradigma, o de Inclusão (Suporte) e sua concepção social da deficiência (RAIÇA et. al., 2006).

Na Declaração de Salamanca (1994), documento importante que fomenta essa discussão, destaca princípios básicos que caracteriza uma mudança de pensamento frente à pessoa com necessidades educacionais especiais, ao descrever que as crianças têm direito fundamental à educação com oportunidades de atingir e manter o nível adequado em seu caminho de aprendizagem, segundo as suas características, interesses, habilidades que serão sempre únicas. Além disso, segundo orienta o documento, aos sistemas educacionais fica a tarefa de produzir e implementar programas condizentes com as necessidades das pessoas, de oportunizar acessos e permanência nas escolas regulares que garantam a participação de todas as pessoas.

Segundo Mrech (2003), a respeito do percurso desse modelo inclusivo, é possível afirmar que ele tem suas raízes a partir de quatro vertentes: a) a emergência da psicanálise; b) a luta pelos direitos humanos; c) a pedagogia institucional e; d) o movimento de desinstitucionalização manicomial. A psicanálise trouxe novas concepções sobre os sujeitos e questionou o modelo médico aplicado, sobretudo, às pessoas com necessidades educacionais especiais enquadrando-as em médias e padrões quantificáveis de inteligência. A pedagogia institucional, segundo Voivodic (2008), foi a primeira a perceber a importância do contexto educacional do aluno, sendo esse contexto um fator importante para que ele se desenvolva. O movimento de desinstitucionalização manicomial revelou a importância de situações saudáveis para o bom andamento dos sujeitos em ambientes comuns e não excluídos da sociedade (MRECH, 2003).

Mrech (2003) destaca, ainda, que a inclusão também está ligada ao movimento de pais de crianças com deficiência, em prol de melhorias no atendimento e tratamento de seus filhos. Entre 1950 e 1960, nos Estados Unidos, os pais de alunos fundaram organizações como National Association for Retarded Citizens.

2.4. EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA NO BRASIL: SITUANDO OS ESPAÇOS