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Síntese da teoria de sistemas e do princípio da complementaridade

CAPÍTULO 2 – PRINCÍPIOS, TEORIAS, SISTEMAS E ANÁLISE

2.11 Síntese da teoria de sistemas e do princípio da complementaridade

2.11.1 Sistema não causa sistema

Se apenas poucas palavras fossem permitidas para sumarizar o que foi visto até esse ponto do trabalho, talvez o que devesse ser dito é: sistema não causa sistema. Sistemas se estabelecem por si sós, complementando-se mutuamente.

Naturalmente, nessa constatação radical precisariam ser vistos com ressalvas os sistemas planejados, mas ela cabe bem ao contexto da presente tese, que está relacionado aos sistemas psico-sociais (ou sistemas de conhecimento, como tem sido dito). Além disso, ela (i) é uma implicação direta das conclusões de Morin (2002, p. 326) e Maturana & Varela (1995, p. 87), de que se um efeito obedece a uma causa, ambos fazem parte do mesmo sistema (de acordo com os conceitos de endocausalidade e de sistemas operacionalmente fechados) e (ii) gera uma implicação direta de que o complemento se dá não somente entre os sistemas que estão sendo analisados (objetos), mas também na relação desses sistemas com o

sistema que os está analisando, o sistema de idéias (sujeito), isso porque o sistema de idéias determina como os demais sistemas são percebidos (HEISENBERG, 1996, p. 96). O fenômeno, dessa forma, se estabelece na dimensão psico-social e surge pela complementaridade mútua entre os sistemas objetos e sistema sujeito.

2.11.2 As cadeias endocausais mostram como o sistema se estabelece, mas não levam à sua origem

As implicações da idéia de complementaridade podem ser mais amplas e para isso serão necessárias pesquisas adicionais. Entrementes, as constatações aqui descritas já oferecem utilidades imediatas. Como a relação entre os sistemas psico-sociais (tanto objetos quanto sujeitos) se dá por complexidade, pode ser infrutífera a tentativa de se identificar a que se devem os sistemas pela via das cadeias causais clássicas (de dentro para fora do sistema). A alternativa que se oferece, então, é a de se buscar indícios de fatores que agiam sobre cada causa interna do novo sistema e que mantinham essas causas (i) ou como efeitos de um sistema anterior ou (ii) em estado latente, oprimidas por fatores do sistema anterior. Nesse sentido, a idéia de complementaridade é precisamente a idéia do contrário (como visto de Bohr, 2000, “contraria sunt complementa”). Buscar contra o que o sistema atual se opõe é buscar aquilo que lhe é complementar e esse é um jeito novo de olhar para as percepções que se tem sobre o relacionamento entre os sistemas. O antigo sistema não causa o sistema atual, até mesmo porque ele pode não existir mais, então a relação entre eles se dá no argumento. No exemplo da figura 2.8.3.a, “desabastecimento” é o jeito de o analista perceber a ligação faltante.

Tanto para se desmantelar sistemas indesejados (uma dor de dente) quanto para se estabelecer um sistema desejado (aumentar as vendas), a viabilização pode ser feita a partir de dois procedimentos básicos:

− usar as cadeias endocausais para identificar o operar interno do sistema e

− sobre cada endo-causa identificada, aplicar o conceito de complementa- ridade, para descobrir o que deixou de existir para que o sistema se estabelecesse (no caso de um sistema indesejado) ou identificar o que

existe e faz com que alguma endocausa não consiga se estabelecer (no caso de um sistema desejado).

Como dito anteriormente, o que caracteriza os conceitos de “contrário” ou de “complementar” entre dois sistemas é que eles não subsistem ao mesmo tempo (podendo um estar em potência em relação ao outro, mas nunca ambos em ato). Então, para que o complemento de uma endo-causa possa ser dado como identificado, deverá ser encontrado aquilo que satisfaça as seguintes condições: (i) que o surgimento de um ocorra na medida exata do desaparecimento do outro e (ii) que possam ser identificados os vínculos que determinam as condições ambientais favoráveis para o surgimento de um sistema e conseqüente desaparecimento do outro.

2.11.3 Melhor é perceber os problemas como sendo sistemas

Outra consideração importante que pode ser deduzida nesse ponto do trabalho é o reconhecimento de que podem surgir dificuldades intransponíveisao se tentar analisar os sistemas psico-sociais a partir do conceito convencional de “problema”. Existem métodos de análise (por exemplo, Selner, 1999 e Checkland, 1972) em que os problemas nos sistemas operam como sinalizadores a indicar ao analista por onde começar a análise. Contudo, entre os sistemas não planejados, pode ser difícil se identificar o que havia antes do “problema” surgir, uma vez que um problema caracterizaria o desvio de um padrão pré-estabelecido, padrão esse que pode não existir nos sistemas psico-sociais. A alternativa que se defende nessa tese é a de se perceber os problemas como novos sistemas que se estabelecem contrapondo-se (por regulação) ao sistema que já existia antes do novo sistema (“problema”) surgir (de acordo com o que está representado na figura 2.9.a).

Assim, no presente trabalho, a palavra sistema designa qualquer coisa que possua uma ontologia própria, que tenha uma constituição própria, que possa ser percebida por possuir uma complexidade que lhe seja inerente ou que a diferencie de seu entorno, de acordo com as características especificadas por Katz & Kahn (1974, p.41) e Bertalanffy (1975, p.215). Dessa forma, além daquelas coisas que tradicionalmente já são consideradas sistemas, como, por exemplo, os corpos biológicos, os rios, as florestas e as organizações sociais, também situações ou

fenômenos que receberiam a denominação genérica de “problema” são considerados sistemas, como, por exemplo, uma dor de dente, o crescimento nas vendas de uma empresa, o colapso financeiro de um país e uma briga entre vizinhos (SENGE, 1990).

2.11.4 Saltos de inferência: poderosa ferramenta

Talvez o dispositivo mais interessante de análise em circunstâncias como essas que aqui estão sendo descritas (sistemas não planejados), são os saltos de inferência das coisas conhecidas para as desconhecidas, a partir de hipóteses estabelecidas pelo analista (THOMAS, 2001, p.125). Os saltos de inferência podem ser ferramentas poderosas e de simples aplicação, principalmente em situações de inércia, em que o analista não dispõe da experiência necessária para continuar o trabalho. A partir da reflexão sobre os dados de que dispõe sobre a área desconhecida do universo (vide figura 2.11.4.a) a ser analisada, o analista passa a especular e testar hipóteses, investigando exatamente do modo como faria a partir de outra teoria qualquer, com a diferença, no caso do viés da complementaridade do presente trabalho, de que ele não terá que encontrar os vínculos de relação ativos que causam o sistema, por saber que o sistema pode ter surgido de si mesmo, desde que as condições ambientais lhe tenham sido favoráveis (seja porque algo surgiu e que passou a operar como fonte de energia ou porque algo desapareceu e deixou de lhe oprimir as endo-causas).

Figura 2.11.4.a — Estabelecimento de hipóteses e saltos de inferência Fonte: dados primários (2006)

A perspectiva é a da possibilidade de que os testes de hipóteses (apresentado na figura 1.2.b) poderão apoiar, sobretudo o aprendiz, nos seus “saltos de inferência”. Considerando-se a plausibilidade dos argumentos da presente tese, de que os fenômenos podem não ter uma relação causal que os ligue, mas serem complementares entre si, a complementaridade poderia ser obtida pelo estabelecimento de hipóteses de como os fenômenos se relacionam. Nesse caso, o aprendiz poderia exercitar o hábito de criar os mencionados “artifícios semânticos”, a partir da execução dos saltos de inferência. Da aplicação do modelo da figura 1.2.b (naturalmente, nessa figura onde consta “o sintoma de um problema é percebido” adote-se, para essa nova forma de ver a realidade, “um sistema é percebido”), também se pode obter a formalização de outro aspecto dos saltos de inferência: que o analista faça suficientes iterações até que consiga uma explicação razoável (tanto pela complementaridade quanto pela causalidade, se julgar que isso pode lhe ajudar) para o surgimento do sistema.

2.11.5 Finalizando

Espera-se, assim, que ao final desse capítulo tenha ficado claro que o princípio da causalidade não é suficiente para se descreverem os processos que levam ao surgimento e à mudança nos sistemas psico-sociais. Dessa forma, inspirado nas idéias de que (i) um sistema pode surgir pelo desaparecimento de outro, sendo-lhe, portanto, contrário e complementar, possivelmente caracterizando aquilo que Hamel (2001, p.117) chamou de “mudança abrupta e descontínua” e (ii) de que as relações entre os sistemas psico-sociais só se estabelecem efetivamente na mente do analista, é que serão analisados alguns casos desenvolvidos por alunos do CCT-UDESC, buscando-se indícios de que a realidade pode realmente se comportar de acordo com os argumentos desse capítulo, sendo esses argumentos, portanto, plausíveis. Na seqüência, é apresentada a metodologia utilizada para se chegar aos resultados dessa pesquisa.