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2 O ÁLCOOL CARBURANTE

1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 ÓLEO DIESEL 3894 4269 4864 5770 6305 7250 8535 9316 10326 10902 11401 11280 11515 11025 11486 11846 1

3. OS MOTORES E AS AUTOPEÇAS

3.3 SÍNTESE SOBRE A INOVAÇÃO DOS MOTORES

As dificuldades tecnológicas iniciais sinalizam um lançamento precipitado do veículo a álcool no mercado, pois é certo que os materiais não estavam adequados na maioria dos veículos. Por outro lado, a carência na regulamentação e fiscalização da qualidade do combustível na cadeia de abastecimento (problema que, vale a pena registrar, também existia no caso da gasolina) se amplifica com o etanol, um produto novo de características desconhecidas por consumidores e mecânicos. Dessa forma, natural foi que a percepção dos consumidores no início do programa tenha sido de que era o álcool a principal causa do mau funcionamento dos motores, desviando a atenção dos verdadeiros problemas tecnológicos dos carros.

Enquanto a intervenção na produção de etanol, que coincidia com os interesses dos produtores de álcool da cana-de-açúcar, foi generosa em recursos públicos no financiamento de bens de capital e fomento de pesquisa em institutos públicos, a intervenção do governo na área de motores foi mais branda, até mesmo por causa do caráter multinacional das empresas montadoras de veículos instaladas no Brasil. A intervenção envolveu investimentos em pesquisas de motores pelo CTA e IPT, envolveu ações políticas para o incentivo e convencimento das montadoras multinacionais e medidas de renúncia fiscal e incentivo ao crédito ao consumidor. O esforço do governo não foi eficaz para a coordenação efetiva entre as iniciativas de pesquisa e desenvolvimento dos institutos públicos e os principais atores do complexo automotivo: as montadoras multinacionais.

Em um determinado momento, durante a crise de 1981, as montadoras passaram a perceber a utilidade de uma inovação tecnológica, o carro a álcool, como forma de aumentar as vendas. Por outro lado, o governo parece ter percebido o seu comprometimento com todo o programa e passa a exercer forte propaganda, indiretamente através de declarações de autoridades e diretamente divulgando lemas tais como: “Carro a álcool: você ainda vai ter um”. As bases da sustentação do uso do álcool combustível, entretanto, estavam originalmente comprometidas por duas questões estruturais: primeira, a impossibilidade de regular os preços internacionais do petróleo que logo ficaria mais barato e forçaria o governo a subsidiar, direta ou indiretamente, o preço do álcool. A outra questão era a dificuldade de um país em desenvolvimento determinar ações de P&D a empresas multinacionais que estavam mais interessadas em tecnologias para o mercado global, o que não acabou não se constituindo o caso dos motores a álcool à época.

Fato é que os desenvolvimentos tecnológicos adotados no país pelas multinacionais constituíram inovações incrementais, não tendo sido desenvolvido por elas, nem pela indústria nacional um motor específico para a queima de álcool, com exceção do protótipo do CTA.

No uso como carburante, tanto em mistura (20%) com a gasolina ou uso exclusivo (hidratado), basicamente não se modifica a tecnologia do motor, fazendo-se tão somente adaptações que não permitirão o controle da tecnologia. Por outro lado, poucos são os incentivos para o desenvolvimento de novos motores, especialmente concebidos para utilizar este combustível, como seria desejável. (ANCIÃES, 1979, p.357)

Pode-se tecnicamente afirmar que este desenvolvimento não foi alcançado porque “não era necessário” para assegurar a viabilidade e a competitividade num mercado fechado. Pode-se também argumentar que mesmo que se realizasse a previsão do Dr. Stumpf do CTA sobre a possibilidade de se alcançar uma economia de 5% no consumo dos motores a álcool em relação à gasolina, o custo do litro da gasolina teria sido por largo período mais barato que o do álcool, zerando vantagem tão pequena.

A indústria nacional de autopeças participou ativamente dos desenvolvimentos, tanto cumprindo as especificações das montadoras, quanto desenvolvendo autopeças específicas, como no caso dos filtros de combustível, especiais para o etanol. Não recebeu, contudo, recursos em condições equivalentes àqueles transferidos para as usinas, nem uma proteção adequada quando da abertura do mercado na década de 1990, sendo, naquele período, fortemente desnacionalizada. Ainda assim , pesquisa na página do INPI identificou o depósito de oito patentes de sistemas e autopeças no título “motor a álcool” no período 1982- 2002 (INPI, 2006, Disponível em http://www.inpi.gov.br . Acesso em 27 jan. 2006). Certamente, o número de patentes envolvendo todos os sistemas de motores será muito maior dada a multiplicidade de autopeças.

O carro a álcool se consolidou no mercado devido aos desenvolvimentos tecnológicos feitos nos motores e autopeças, mas, também, na produção e distribuição do etanol, cuja viabilidade econômica se garantiu por uma política de subsídios já tratada. Se, por um lado, foi dada ênfase no fortalecimento da indústria nacional de álcool, por outro, a experiência de construção de um motor específico para o combustível se resumiu ao CTA, instituto de competência indiscutível, mas distante do mercado e das montadoras de veículos. A participação das montadoras permitiu o alcance do objetivo do consumo de álcool carburante em larga escala, conforme previsto no Proálcool, mas não permitiu o desenvolvimento tecnológico da indústria nacional de automóveis, que ainda incipiente e

semi-artesanal (Puma, Gurgel, FNM, etc.) poderia, caso tivesse recebido incentivos e recursos, ter partido para a produção de um motor específico para o álcool.

Portanto, ao que parece, o desenvolvimento tecnológico do motor a álcool e das autopeças andaram a reboque do objetivo de produzir e comercializar etanol. Entendemos que, ao contrário, estes desenvolvimentos deveriam ter tido atenção e recursos equivalentes, no mínimo, àqueles dados à produção do etanol. Investimentos em P&D e a disponibilidade de capital de risco para o desenvolvimento das tecnologias de motores, inclusive a investigação de novos ciclos termodinâmicos, poderiam ter contribuído de maneira mais firme para o desenvolvimento do país, já que representariam tecnologias de maior valor agregado, envolvendo um maior número de elos da cadeia produtivo e demandando trabalhadores com uma variedade maior de perfis e conhecimentos.