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A S ANÁLISES DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO B RASIL : A BUSCA POR

POR UMA CARACTERIZAÇÃO DA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

A recorrência sintética à literatura de políticas públicas no Brasil é uma digressão necessária para que seja possível constatarmos a existência de alguns estudos e, por conseguinte, de produções que se ancoram na literatura mais especializada de políticas públicas. Essa recorrência também permite compreender quais os fundamentos utilizados nessas obras para a leitura da realidade, tendo como parâmetro geral de análise o Estado. Assim, a partir do estudo de Souza (2010), foi possível perceber que algumas políticas públicas no Brasil foram analisadas à luz do seu próprio referencial teórico- metodológico. Ou seja, elas se utilizaram do constructo teórico mais presente ao campo das políticas públicas.

Em uma obra considerada pioneira no Brasil, Santos (1987), ao estudar a política previdenciária no país, se reporta às contribuições de Lowi (1970; 1964) e Salisbury (1968). No seu estudo, ele considera que a política social do

período autoritário (ditadura militar, especificamente) materializou uma política distributiva-paternalista, compreendida a partir da definição de Lowi (1970; 1964), mas que também as políticas redistributivas estiveram presentes através das políticas sociais stricto sensu1. Quanto à demanda, critério apontado por

Salisbury (1968), o autor coloca que se deu por um padrão difuso, visto que o governo não precisou se confrontar com nenhum grupo específico para a tomada de decisão. Em suma e também sob a influência de Marshall (1967), Santos (1987) sintetiza as políticas públicas desse período autoritário como preventivas (saúde, salário, saúde, educação, saneamento, nutrição), compensatórias (INPS, IPASE2) e sociais stricto sensu.

Contemporâneo à obra de Santos (1987), mas focalizando a política urbana, Cintra (1978), ao analisar as características do contexto político em que se desenvolvem as atividades de planejamento urbano, também traz para o debate as contribuições de Lowi (1970; 1964) sobre o processo de coerção ao qual as políticas urbanas estão sujeitas na sua formulação, bem como as políticas que são adotadas, como redistributivas, não-redistributivas e regulatórias. Na mesma obra e seguindo ainda a tipologia de Lowi (1970), Salisbury (1968) é apontado quando ele destaca que a formulação das políticas decorre do processo decisório e da demanda por uma das alternativas, a saber, distributivas, redistributivas, regulatórias ou autorregulatórias.

Vários outros estudos sobre políticas públicas se reportam à tipologia de Lowi (1970; 1964) e, por vezes, à de Salisbury (1968), dentre eles, Carvalho

1 Para Santos (1987), as políticas stricto sensu são: PIS/PASEP, FGTS, FUNRURAL. A Lei

Complementar n° 07/1970 instituiu o Programa de Integração Social (PIS) que objetivava a integração do empregado do setor privado com o desenvolvimento da empresa. Já o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP) foi criado pela Lei Complementar nº 08/1970 para beneficiar os servidores públicos. Assim, as conhecidas siglas PIS/PASEP são contribuições sociais de natureza tributária, devidas pelas pessoas jurídicas, com objetivo de financiar o pagamento do seguro-desemprego, abono e participação na receita dos órgãos e entidades para os trabalhadores dos setores públicos e privados. O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) foi iniciado no ano de 1966 para proteger o trabalhador demitido sem justa causa, enquanto que o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (FUNRURAL) foi criado pela Lei Complementar nº 11, de 25/05/1971 para estender ao homem do campo os benefícios previdenciários dos trabalhadores urbanos.

2 O Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) foi criado pelo Decreto-Lei nº 72, de

21/11/1966, originando-se da fusão de todos os Institutos de Aposentadoria e Pensões existentes à época. Já o Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (IPASE) foi criado pelo Decreto-lei nº 288, de 28/02/1938, com o objetivo de realizar as funções de órgão de assistência aos servidores do Estado e praticar operações de previdência e assistência em favor de seus contribuintes. O IPASE ficou de fora da unificação dos institutos em 1966 e só foi extinto com a criação do Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) em 1977.

(1986), Frey (2000), Melo (1999), C. Souza (2006; 2003), Viana (1996) e Lamounier (1994). Mas apenas este autor, além de Santos (1987) a aplica mais sistematicamente, no caso, no estudo específico da política agrícola. Já os demais destacam apenas a importância das contribuições para as análises das políticas públicas em geral (SOUZA, 2010).

A maioria da recorrência a Marshall (1967) na literatura brasileira tem sido mais para tratar da discussão dos direitos de cidadania a partir de sua concepção liberal moderna de cidadania do que propriamente tipificar as políticas públicas. Mesmo assim, ao tratar a política social através do que entende como o núcleo central (seguro social, serviços assistenciais médicos e sociais, habitação e educação), o autor abre espaço para as discussões do bem-estar dos cidadãos. Assim, é possível identificar sua influência em Draibe (1998; 1993; 1989), em Pereira (1998) e, como já apontamos, em Santos (1987). É a partir daí que Santos (1987) tece as discussões sobre políticas sociais stricto sensu, e Draibe (1998; 1993; 1989) desenvolve suas análises sobre o Welfare State. Já Pereira (1998), que também incorpora, de forma indireta, a influência de Lowi (1970), adota explicitamente os aportes de Marshall para classificar as políticas sociais e desenvolve a seguinte categorização: políticas contributivas, contratuais e mercadorizáveis versus políticas distributivas, não-contributivas, não-contratuais e desmercadorizáveis.

Quanto a influência de O’Connor (1977), é possível verificar sua presença nos trabalhos de vários autores brasileiros: Afonso e Souza (1977), Draibe e Aureliano (1989), Carvalho (1986), Costa (1998), Faleiros (2009), Gerschman (1989), Neder (1986), Pompermayer (1985) e Schmidt (1983). Na sua maioria, as obras se reportam à discussão das políticas públicas brasileiras como políticas de legitimação e/ou de acumulação, sendo que algumas já entrecruzam as análises com as denominadas políticas alocativas e/ou produtivas abordadas por Offe (1975).

As obras que tratam de políticas públicas específicas, a exemplo de Santos (1987), são: a de Schmidt (1983), que discute sobre política urbana; a de Faleiros (2009), que aborda a política social, especificamente a previdência e a assistência social; e a de Signoli (1985), que, de forma mais sistemática, trata das políticas de previdência, saúde, educação e habitação (SOUZA, 2010).

A partir desse breve percurso sobre as análises de políticas públicas no Brasil e do intuito de trabalhar a partir das tipologias de políticas públicas requereu, mesmo que amplamente, a apropriação e compreensão do papel do Estado, não obstante tenha sido apresentado sob diferentes perspectivas. Daí o cuidado com a precisão de sua análise, tendo em vista que a forma de interpretar como as políticas públicas e, particularmente, a assistência social são tratadas pelo aparato estatal, expõe, de uma maneira ou de outra, o seu conteúdo político-ideológico. Em outras palavras, a apreensão da política de assistência social, por vias diretas ou indiretas, mostra algumas faces do Estado capitalista no Brasil.

A partir dessas premissas, como poderíamos, afinal, definir a assistência social como política pública social? Reportando-nos à Coimbra (19943), é indispensável reafirmar que a conceituação de política social é muito genérica e imprecisa. Em seu artigo que trata das abordagens teóricas sobre o estudo das políticas sociais, ele recorre a distintas perspectivas teóricas de autores de diferentes países e chega a organizá-las em sete abordagens4. Contudo, ao analisá-las, chega-se à conclusão de que, mesmo tratando-se de estudos sobre políticas sociais, nenhum autor traz uma conceituação mais precisa do que seja uma política social. Até mesmo Marshall, considerado um dos pensadores mais importantes na história das políticas sociais não chegou a sistematizar uma conceituação precisa; contudo, como “advogado” das políticas sociais, sua noção de igualdade e cidadania se mostraram indispensáveis à discussão do referido campo temático.

Entretanto, esforçando-se intelectualmente por explicar o que é política social, Faleiros (2006) sintetiza que elas “são formas de manutenção da força de trabalho econômica e politicamente articuladas para não afetar o processo de exploração capitalista e dentro do processo de hegemonia e contra- hegemonia da luta de classes” (FALEIROS, 2006, p. 80). Assim como Faleiros (2009; 2006), Santos (1987) faz um histórico das políticas sociais no Brasil,

3 A obra referenciada foi publicada originalmente no ano de 1987. Algumas abordagens de

políticas públicas analisadas por Coimbra (1994) foram explicitadas no II capítulo a partir de outros autores. Dessa forma, no presente capítulo, não nos deteremos em uma explanação mais detalhada sobre a literatura internacional, mas, basicamente, na literatura nacional.

4 A partir de vários estudos Coimbra (1987) sistematiza as tipologias de políticas públicas em

sete abordagens: a perspectiva do serviço social; a teoria da cidadania; o marxismo; o funcionalismo; a teoria da convergência; o pluralismo; e as teorias econômicas da política social.

recorrendo às legislações sociais, especificamente, aquelas destinadas à previdência social. Outro esforço intelectual que convém registrar é o de Behring (2007) que, ao se reportar ao contexto de estagnação econômica, coloca a política social como “um terreno importante da luta de classes” (BEHRING, 2007, p. 175). Ao consultarmos esses trabalhos encontramos informações expressivas, contudo, insuficientes e pouco detalhadas para formularmos definições sobre as políticas públicas sociais e, mais especificamente, sobre a política de assistência social.

Em uma tentativa de encontrarmos uma alternativa exitosa para essa questão, recorremos a C. Souza (2006) que, a partir de uma revisão da literatura sobre políticas públicas, destaca, resumidamente, alguns elementos principais:

 A política pública permite distinguir entre o que o governo pretende fazer e o que, de fato, faz.

 A política pública envolve vários atores e níveis de decisão, embora seja materializada através dos governos, e não necessariamente se restringe a participantes formais, já que os informais são também importantes.

 A política pública é abrangente e não se limita a leis e regras.  A política pública é uma ação intencional, com objetivos a serem

alcançados.

 A política pública, embora tenha impactos no curto prazo, é uma política de longo prazo.

 A política pública envolve processos subsequentes após uma decisão e proposição, ou seja, implica também implementação, execução e avaliação. (SOUZA, C., 2006, p.9).

Isso implica considerar que: a política pública e, mais detalhadamente, a política social é resultante de uma correlação de forças (POULANTZAS, 2000); ela possui especificidades históricas (DRAIBE, 1985); é composta por fases ou momentos como agenda, formulação, implementação e avaliação (PEDONE, 1986); é modificada ao longo de sua implementação e avaliação (PRESSMAN; WILDAVSKI, 1998; DRAIBE, 2001); pode resultar em impactos não previstos (ARRETCHE, 2001) e, por fim, sua implementação explicita o que os governos/Estados ou organizações fazem ou deixam de fazer (DYE, 2005; FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1986; MENY; THOENIG, 1992).

Desse modo, corroboramos com Draibe (1989) quando ressalta que as políticas sociais são uma área destacada de ação estatal com órgãos

institucionais específicos (aparelhamento institucional), com programas de transferência de renda e de prestação de serviços básicos (característica, no caso, dos modernos sistemas de proteção social), com disponibilidade de recursos financeiros e um aparato normativo. E é nessa perspectiva que a política nacional de assistência social no Brasil foi considerada com o intuito de alcançarmos uma caracterização a partir das tipologias de políticas públicas.