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3. DIREITO FUNDAMENTAL À SAUDE

3.1. Saúde: conceito e atribuições jurídicas

O conceito de saúde, conforme entendimento da Organização Mundial de Saúde (OMS) não compreende somente a ausência de enfermidades, estendendo-se à situação de completo bem-estar físico, mental e social. A despeito de esta descrição aparentar simplicidade e objetividade, há uma dificuldade conceitual no termo saúde, posto que esta definição possui enfoque no panorama de doença, patologia e seus correspondentes, suprimindo aspectos importantes como a psicologia e a política, dentre outros115.

Por esta razão, Fernando de Oliveira Domingues Ladeira elucida que “o direito à saúde configura-se como direito social prestacional que objetiva assegurar à pessoa humana condições de bem estar e de desenvolvimento mental e social livre de doenças físicas e psíquicas116.”

Desta forma, a interpretação de saúde não compreende limitação de significado117, porém corresponde ao direito do indivíduo a uma vida saudável, construindo-se qualidade de vida, objetivando a democracia, igualdade, respeito ecológico e desenvolvimento tecnológico, com o intuito de proporcionar benefícios e evitar as enfermidades humanas118.

Sendo assim, o conceito de saúde não admite que esta seja compreendida como um fenômeno puramente biológico, visto que resulta, inclusive, de condições socioeconômicas e ambientais119, aplicando-se, desta forma, o entendimento de que a enfermidade corresponde a:

Um sinal estatisticamente relevante e precocemente calculável, de alterações do equilíbrio homem-ambiente, induzidas pelas transformações produtivas, territoriais, demográficas e culturais, incontroláveis nas suas consequências, além de sofrimento individual e de desvio duma normalidade biológica ou social120.

113 ALVES, Cândice Lisbôa., op. cit., p. 100.

114 PRADO, Ana Paula Barroso de Salles Paiva., op. cit., p. 51. 115 PRADO, Ana Paula Barroso de Salles Paiva., op. cit., p. 52.

116 LADEIRA, Fernando de Oliveira Domingues. Direito à saúde: a problemática do fornecimento de

medicamentos. Cadernos Jurídicos, São Paulo, v. 10, n. 32, p. 105-127, maio/ago. 2009. p. 110.

117 ALVES, Cândice Lisbôa., op. cit., p. 16. 118 HUMENHUK, Hewerstton, op.cit.

119 PRADO, Ana Paula Barroso de Salles Paiva., op. cit., p. 52.

Deste modo, torna-se inviável ponderar a saúde separadamente das condições que envolvem o indivíduo e a coletividade, uma vez que abordar o conceito de saúde sem considerar a maneira como o meio social e ambiental influenciam na condição humana consiste em regredir ao tempo em que a enfermidade era considerada um fenômeno meramente biológico, desprovido de interferência que não seja o indivíduo e o seu corpo121.

Assim sendo, é possível afirmar que a definição de saúde corresponde a uma incessante busca pelo equilíbrio entre influências ambientais, modos de vida e vários outros componentes, mantendo-se, assim, a qualidade de vida dos indivíduos122. Esta relação entre a saúde e os aspectos externos ao homem é a razão pela qual o direito à saúde não compreende apenas um aspecto individual, alcançando, porém, o aspecto público da saúde, que versa sobre os âmbitos políticos e legislativos123.

No entanto, do panorama das práticas e políticas de saúde no Brasil, o sistema de saúde implantado recebe críticas, uma vez que possui ênfase na dimensão curativa da enfermidade, correspondendo a um modelo assistencial individualista que acarreta custos elevados e baixa efetividade. Por esta razão, fortalece-se a necessidade de conceber e promover a saúde para além da função curativa, emergindo as ideias de vigilância da saúde, políticas públicas e cidades saudáveis, com a finalidade de promover a saúde pela transformação das condições de vida e trabalho da população124.

A promoção da saúde corresponde a um conceito tradicional, determinado como parte elementar do nível primário de atenção em medicina preventiva. Alguns países iniciaram uma revalorização da promoção da saúde, a datar das duas últimas décadas, adotando-se um discurso contemporâneo, retomando o pensamento médico social do século XIX, reconhecendo as relações entre saúde e condições de vida. Dentre as principais razões desta retomada está a necessidade de controle dos custos elevados da assistência médica, de forma desproporcional, uma vez que os resultados obtidos não são igualmente significativos125.

Por esta razão, estes países transformaram em proposta governamental a ampliação, para mais do que uma abordagem puramente médica, enfrentando as causas de enfermidades na população126, objetivando reduzir a incidência de doenças de grave risco mediante políticas públicas de prevenção127. Este discurso renovado de saúde pública se difundiu entre as

121 PRADO, Ana Paula Barroso de Salles Paiva., op. cit., p. 53. 122 HUMENHUK, Hewerstton, op. cit.

123 PRADO, Ana Paula Barroso de Salles Paiva., op. cit., p. 53. 124 Ibidem.

125 Ibidem. 126 Ibidem.

sociedades capitalistas neoliberais, não logrando acolhimento pelo Brasil. Um dos pilares do discurso da promoção da saúde é proporcionar autonomia aos sujeitos e grupos sociais, diminuindo as responsabilidades do Estado e delegando aos indivíduos, de forma progressiva, a função do auto cuidado128.

Posto isto, o direito à saúde está além do acesso à medicina curativa, compreendendo o direito à saúde física e mental mediante o esclarecimento e educação da população, higiene, saneamento básico, condições dignas de moradia e de trabalho, lazer, alimentação saudável e em quantidade suficiente, campanhas de vacinação, dentre outras políticas públicas viáveis129. Sendo assim, o direito à saúde comporta duas vertentes:

[...] uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenha de qualquer acto que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas130.

Cumpre reforçar, diante destas considerações, que o direito fundamental à saúde foi elevado pela Constituição Federal de 1988 a categoria dos direitos subjetivos públicos, por estar interligado ao direito à vida e a existência digna, bem como por constituir uma obrigação do Estado e garantia de todos os indivíduos131. Assim expõe o ministro Celso de Mello:

Entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5°, “caput”, e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema – que as razões de ordem ético-jurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humana.

Cumpre não perder de perspectiva que o direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República. Constitui bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integralidade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular – e implementar – políticas sociais e econômicas que visem garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência médico- hospitalar132.

Por esta razão, compete ao Estado assegurar a saúde individual e coletiva através das

<https://helenadmab.jusbrasil.com.br/artigos/190097706/politicas-publicas-de-saude-no-brasil>. Acesso em: 26 nov. 2017.

128 PRADO, Ana Paula Barroso de Salles Paiva., op. cit., p. 54. 129 Ibidem.

130 SILVA, José Afonso da., op. cit., p. 309. 131 MALLMANN, Eduarda.,op. cit.

132 BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 393175-0/RS.

Relator: Ministro Celso de Mello. 12 de dezembro de 2006. Rio Grande do Sul-RS, fev. 2007. Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=402582>. Acesso em: 27 nov. 2017.

ações de governo, que podem ser divididas em atividades diretas de produção de serviços pelo próprio Estado e atividades de regulação de outros agentes econômicos, incluindo um conjunto de disposições, medidas e procedimentos que manifestam a orientação política do Estado e regulam as ações governamentais associadas às funções de interesse público. Desta forma, o poder público é responsável pela formalização, legitimação, implementação e controle das políticas públicas133.

Portanto, frente ao conceito estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal, em que “saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”, renunciou-se um sistema que considerava a saúde pública como obrigação do Estado somente no intuito de inibir ou evitar a disseminação de doenças que apresentavam risco à saúde da coletividade, reconhecendo-se que a obrigação do Estado consiste em garantir a saúde mediante a criação e execução de políticas econômicas e sociais, bem como a prestação de serviços públicos na promoção, prevenção e recuperação da saúde. Sendo assim, a visão epidemiológica do tema saúde-doença, que favorece o estudo de fatores sociais, ambientais, econômicos e educacionais capazes de acarretar enfermidades, passou a integrar o direito fundamental à saúde134.

Em suma, a saúde é uma obrigação constitucional do Estado e representa um direito social efetivo pautado em princípios jurídicos, em que a definição de saúde abrange determinantes e condicionantes, quais sejam alimentação, saneamento, meio ambiente e educação, dentre outros, impondo aos órgãos constituintes do Sistema Único de Saúde (SUS) a função de identificar esses fatores sociais e ambientais para que o Estado seja capaz de corrigi-las mediante a formulação de políticas públicas destinadas a elevar a qualidade de vida dos indivíduos135.

3.2.

O dever constitucional do Estado em assegurar a saúde e os