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CAPÍTULO 2 – A CONFIGURAÇÃO DAS “REDES” DA SAÚDE DO TRABALHADOR E DA

2.2 A Saúde Mental

2.2.1 Os dispositivos da Saúde Mental no Brasil

Embora a preocupação da sociedade como um todo com a situação do doente mental seja antiga, no Brasil, é relativamente recente o estabelecimento de políticas específicas voltadas para a pessoa com sofrimento mental, o que parece estar relacionado com a mudança do lugar que esta passou a ocupar em nossa cultura. Durante várias décadas, observamos, em nosso país, o predomínio de práticas asilares com forma de “tratamento” da loucura. Às margens dessas práticas, algumas iniciativas pontuais resistiam, ainda que precariamente, à lógica manicomial. Mas foi somente ao final da década de 80 que a desinstitucionalização do louco começou a assumir uma forma mais concreta, dando nova direção ao movimento iniciado nos anos 60 e 70, com forte influência da Psiquiatria Democrática Italiana24. Importante papel desempenharam os profissionais do Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental: “Esse movimento foi, e é, importante agente de transformação, com expressiva participação na definição das políticas públicas na área da saúde mental”. (Vechi, 2004, p. 493). A esse movimento se associaram usuários da Saúde Mental e seus familiares. Nessa nova perspectiva, não se trata apenas de questionar as instituições asilares, mas o

24 Esse movimento teve, como maior expoente, Franco Baságlia, quando, em Trieste, propõe uma reforma da

psiquiatria, por meio da “desmontagem” dos Hospitais Psiquiátricos. Como assinala Ribeiro (2009), “a

Psiquiatria Democrática Italiana conseguiu sancionar em 1978 a Lei 180, que determinava o gradual fechamento dos manicômios e a criação de serviços substitutos capazes de garantir a continuidade do tratamento fora dos

próprio discurso científico construído em torno da loucura. Configurou-se, assim, “o Movimento de Luta Antimanicomial da atualidade, contra-hegemônico, que reclama pela Reforma Psiquiátrica” (Silva; Barros; Oliveira, 2002, p. 6).

A forma como as políticas de Saúde Mental estão organizadas hoje no país está diretamente relacionada à Reforma Psiquiátrica decorrente da Luta Antimanicomial. Evidentemente, não se trata, aqui, de descrever a Política de Saúde Mental adotada no país; e isso por várias razões, desde as de ordem prática, até aquelas ligadas aos objetivos propostos por esta tese. Nossa intenção é a de destacar a emergência de alguns dos principais dispositivos da Saúde Mental, de modo a permitir a análise dos limites e/ou possibilidades de articulação desse campo com o da Saúde do Trabalhador.

Uma das importantes estratégias de desinstitucionalização do louco, em nosso país, foi a criação do Programa “De Volta para Casa” um dos pioneiros nesse processo, associado à política para lidar com o problema do álcool e outras drogas. Outro fato importante foi a realização do primeiro Congresso Brasileiro de Centros de Atenção Psicossocial, realizado em São Paulo, que reuniu cerca de dois mil trabalhadores e usuários de CAPS (Brasil, 2005). Esses eventos assinalam a transição de um modelo centrado no hospital para um modelo de atenção comunitário, sendo que o período se caracteriza

por dois movimentos simultâneos: a construção de uma rede de atenção à saúde mental substitutiva ao modelo centrado na internação hospitalar, por um lado, e a fiscalização e redução progressiva e programada dos leitos psiquiátricos existentes, por outro. É neste período que a Reforma Psiquiátrica se consolida como política oficial do governo federal. (Brasil, 2005, p. 9).

Assim, passa a se configurar como estratégia permanente da nova estrutura da Saúde Mental, no país, constituindo-se como parte das políticas públicas em Saúde Mental, a progressiva redução de leitos e a consequente expansão de serviços substitutivos.

O Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH), assim como a instituição do Programa de Volta para Casa e a expansão de serviços como os Centros de Atenção Psicossocial e as Residências Terapêuticas, vem permitindo a redução de milhares de leitos psiquiátricos no país e o fechamento de vários hospitais psiquiátricos (Brasil, 2005, p. 13-4).

Também como parte do processo de desinstitucionalização, as Residências Terapêuticas surgem como equipamentos fundamentais, compostos por “casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, egressas de hospitais psiquiátricos ou não” (Brasil, 2005, p. 15).

Igualmente importante é o já citado Programa de Volta para Casa, considerado “um dos instrumentos mais efetivos para a reintegração das pessoas com longo histórico de hospitalização” (Brasil, 2005, p. 17). Por meio de um auxílio financeiro mensal aos beneficiários, busca-se a reabilitação psicossocial “num processo fundamental de inclusão social e garantia dos direitos fundamentais das pessoas com transtornos mentais” (idem, p. 18).

Outro dispositivo que tem surgido em alguns municípios do país são os Centros de Convivência e Cultura, que

são dispositivos públicos que compõem a rede de atenção substitutiva em saúde mental e que oferecem às pessoas com transtornos mentais espaços de sociabilidade, produção cultural e intervenção na cidade. Estes Centros, através da construção de espaços de convívio e sustentação das diferenças na comunidade, facilitam a construção de laços sociais e a inclusão das pessoas com transtornos mentais (Brasil, 2005, p. 38).

Ainda como parte das estratégias de desinstitucionalização, há o Programa de Inclusão pelo Trabalho, sendo este considerado um importante “instrumento de inclusão social dos usuários dos serviços” (Idem, p. 36). A ideia é que sejam articuladas as práticas às iniciativas da Economia Solidária.

A Economia Solidária, hoje política oficial do Ministério do Trabalho e Emprego, é um movimento organizado de resposta à exclusão por gênero, raça, idade, estilo de vida e instrução, entre outros fatores, das pessoas do campo do trabalho. (…) Como horizonte da Economia Solidária está a instauração da solidariedade como norma social e a construção de empreendimentos coletivos e autogestionários como resposta à exclusão do mercado. É através de um diálogo permanente entre os campos da saúde mental e da economia solidária que o Programa de Inclusão Social pelo Trabalho das pessoas com transtornos mentais e transtornos decorrentes do uso de álcool e outras drogas começa a ser delineado (Brasil, 2005, p. 37).

A proposta é que todos esses dispositivos funcionem “em rede”, juntamente com os demais serviços de saúde. Ou seja, “a rede de atenção à saúde mental brasileira é parte integrante do Sistema Único de Saúde (SUS), rede organizada de ações e serviços públicos de saúde, instituída no Brasil por Lei Federal na década

de 90” (Brasil, 2005, p. 24). Na organização dessa rede, o CAPS ocupa papel fundamental.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), entre todos os dispositivos de atenção à saúde mental, têm valor estratégico para a Reforma Psiquiátrica Brasileira. É o surgimento destes serviços que passa a demonstrar a possibilidade de organização de uma rede substitutiva ao Hospital Psiquiátrico no país. É função dos CAPS prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando assim as internações em hospitais psiquiátricos; promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais através de ações intersetoriais; regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação e dar suporte à atenção à saúde mental na rede básica. É função, portanto, e por excelência, dos CAPS organizar a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios. Os CAPS são os articuladores estratégicos desta rede e da política de saúde mental num determinado território (Brasil, 2005, p. 27).

A figura seguinte ilustra o que seria a “Rede de Atenção à Saúde Mental”

Dessa forma, além de ser o dispositivo de acolhimento às pessoas com transtornos mentais graves e persistentes, os CAPS funcionam como o polo articulador dos demais dispositivos da rede, quando a questão envolvida é relativa à Saúde Mental, inclusive dando apoio matricial à Atenção Básica. Esse apoio consiste em “arranjo organizacional que viabiliza o suporte técnico em áreas específicas para as equipes responsáveis pelo desenvolvimento de ações básicas de saúde” (Brasil, 2005, p. 33).

Os CAPS são classificados em CAPS I, II e III, tendo cada um deles sua especificidade. O que marcará a diferença desses serviços entre si é o número de cidadãos que ele abrange, pois esse número é que determinará o funcionamento do serviço referente ao horário e número de trabalhadores. O Ministério da Saúde classifica os CAPS da seguinte forma: o CAPS I funciona de segunda a sexta, atendendo entre 20 e 70.000 mil habitantes. Os CAPS II abrangem uma população de até 200.000 mil habitantes, e também funcionam de segunda a sexta de 8 às 18 horas. O CAPSi é destinado à população infantojuvenil e se enquadra na descrição acima, pois o funcionamento do mesmo está condicionado ao contingente populacional do município. O CAPS AD, voltado para o atendimento de usuários de álcool e outras drogas, é instalado quando o município tiver uma população igual ou superior a 100.000 habitantes, tendo seu funcionamento semelhante aos outros dispositivos citados acima. Por fim, o CAPS III é implantado quando a população for igual ou superior a 200.000 habitantes, mas funciona atendendo às urgências, podendo ter permanência dia e noite dos seus pacientes (Brasil, 2005).

CAPÍTULO 3 – O CAMPO DA PESQUISA: SAÚDE MENTAL & TRABALHO NO

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