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2 CONTEXTO E ANÁLISE POLÍTICA DOS GASTOS PÚBLICOS COM

2.2 SAÚDE E GASTOS COM SAÚDE NO BRASIL E NA REGIÃO

2.2.1 A Saúde e os Gastos com Saúde no Brasil

Esta subseção apresenta a análise dos principais indicadores de saúde para o Brasil e para a região nordeste a fim de traçar um panorama geral desse setor. Um dos principais subindicadores do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) mostrou que a longevidade da população brasileira aumentou. A expectativa de vida dos brasileiros cresceu, em média, 5,3 anos entre 2000 e 2010 o que representou um aumento de 7,76% (PNUD,

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Segundo a OMS, a atenção básica é o primeiro nível de contato dos indivíduos, da família e da comunidade com o sistema nacional de saúde pelo qual os cuidados de saúde são levados o mais proximamente possível aos lugares onde pessoas vivem e trabalham, e constituem o primeiro elemento de um continuado processo de assistência à saúde.

2013). O indicador de saúde8 da FIRJAN, o IFDM-saúde, também aumentou de 0,7575 para 0,8091 entre 2005 e 2010 (FIRJAN, 2013). A mortalidade infantil é outro importante indicador das condições de vida e do acesso à qualidade das ações e serviços de saúde. Na última década o número de óbitos infantis caiu significativamente no Brasil, passando de 70 mil no ano 2000 para 40 mil em 2010, conforme a Figura 1 (SIM, 2013).

Figura 1 - Número de óbitos infantis por grandes regiões – 2000 a 2010

Fonte: Elaboração própria, 2013 com base nos dados do BRASIL, 2013

A Figura 1 mostra que existe uma tendência natural decrescente devido às melhorias nas condições sanitárias e à ampliação dos serviços de atenção básica à saúde no Brasil no período analisado. Nas últimas duas décadas foram intensificados os investimentos em programas voltados para a medicina preventiva. Cabe destacar as campanhas de vacinação, que fazem do Brasil um exemplo nesse aspecto da saúde coletiva. Essas ações estratégicas foram fundamentais para o alcance das melhorias acima mencionadas. Várias doenças que antes causavam mortes, como por exemplo, a cólera, tuberculose, doença de Chagas, diarreia infantil, dentre outras, foram praticamente eliminadas. Embora as epidemias tenham sido controladas, novas doenças de maior nível de complexidade, como o câncer, surgiram, demandando novos investimentos.

Uma consequência resultante desse cenário foi o inevitável aumento da despesa total com saúde no Brasil. Entre 2005 e 2011 os governos federal, estaduais e municipais, foram responsáveis por 43% do total de gastos com saúde no País. O restante, 57%, ficou a cargo das famílias e instituições sem fins lucrativos. Segundo dados do Banco Mundial (BM) os gastos públicos com saúde no Brasil representaram 4,07% do PIB em 2011 (BM, 2013). Em 2005 esse percentual era de apenas 3,28%. Apesar dos gastos privados com saúde ainda representarem a maior parte no financiamento da saúde no Brasil, verifica-se que o aumento da despesa total com saúde no Brasil foi puxado principalmente pela elevação dos gastos públicos com saúde.

No período analisado, os gastos públicos e privados convergiram para o mesmo patamar, ao redor dos 4,5% do PIB (FIGURA 2). Ainda segundo dados do Banco Mundial, em 2011, a despesa total em saúde (pública e privada), em termos percentuais do PIB foi de 9,3% na Inglaterra, 9,4% na Espanha, 11,2% no Canadá e 9,0% na Austrália. No Brasil, que adota a cobertura universal, à semelhança dos países citados, esse percentual foi de 8,9%. De maneira geral, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, a maior parte do financiamento da saúde provém de fontes públicas. Nesses países a maior parte do gasto privado é realizado sob a forma de pré-pagamento na forma de planos e seguros privados. Já o desembolso direto, paradoxalmente, é maior nos países mais pobres (FIOCRUZ, 2012). Desse modo, a despeito do Brasil possuir um sistema de saúde universal e integral e ser considerado um país em desenvolvimento, a maior parcela do financiamento da saúde ainda é despendida pelo setor privado. Contraditoriamente, esta composição de gastos é, geralmente, encontrada, nos países pobres.

Figura 2 - Gastos Públicos e Privados com Saúde (%PIB), Brasil – 2005 a 2011

Fonte: Elaboração própria, 2013 com base nos dados do WORLD DEVELOPMENT INDICATORS (WDB), 2013

A saúde no Brasil revela-se como um setor extremamente desigual. A diferença entre a mais alta e a mais baixa expectativa de vida ao nascer era de 14 anos em 2010. Entre 2000 e 2010, 39% dos municípios apresentaram crescimento acima da média de crescimento nacional, com destaque para os municípios do Norte e Nordeste. Apesar desse avanço, em 2010 a menor expectativa de vida foi registrada no município de Cacimbas no estado da Paraíba enquanto a maior foi registrada em Santa Catarina (nos municípios de Brusque e Blumenau, empatados com uma média de 78,64 anos). Essas diferenças a nível municipal reproduzem a desigualdade existente entre as regiões Sul/Sudeste e Norte/Nordeste. A Figura 3 ilustra esse quadro. Ela apresenta a expectativa de vida para todos os municípios brasileiros nos anos de 2000 e 2010.

Figura 3 - Expectativa de Vida ao Nascer, Municípios do Brasil – 2000 e 2010

2000 2010

Fonte: PNUD, 2013

Embora o Brasil tenha avançado como um todo no indicador de expectativa de vida ao nascer, o contraste entre Norte e Sul ainda é evidente. Conforme a Figura 3 é possível observar que a região Nordeste em 2010 se assemelha à região Sudeste de uma década atrás. Essas diferenças também persistem em outras áreas estratégicas como no acesso a educação e a renda, por exemplo. Esse cenário demonstra o quadro de desigualdade socioeconômica latente entre as regiões do Brasil. No caso do setor de saúde, essa desigualdade é agravada pela forte participação do setor privado nesse setor. Segundo Wagstaff e outros (1999) a participação do setor privado pode acarretar iniquidade. O pagamento direto pelo próprio usuário depende da capacidade de pagamento das famílias, em outras palavras, da disponibilidade de recursos financeiros. Assim, quanto mais rica a família maior será sua capacidade de pagamento. Por esta razão, não é possível negar a relação existente entre o perfil de desigualdade no acesso e na qualidade da saúde e o perfil de desigualdade de renda.

A melhora na expectativa de vida de uma população não resulta apenas de mais investimentos na área de saúde, mesmo considerando que esta área seja fundamental para o alcance de melhores indicadores de saúde. Ainda que a quantidade de gastos seja um fator relevante, a respectiva qualidade desses gastos pode ser determinante para o alcance de indicadores de saúde mais aceitáveis. Nem todas as economias que gastam mais são as que alcançam os

melhores níveis de saúde. A Figura 4, a seguir, apresenta a expectativa de vida em função dos gastos públicos como uma proporção do PIB para um conjunto de 195 países em 2010. É possível observar que, embora a tendência se verifique, países que gastam muito, não necessariamente apresentam um alto nível de expectativa de vida. Destaque para Lesotho, cujo gasto de 8,5% do PIB está associado a uma expectativa de pouco mais de 47 anos. A Áustria, por outro lado, que em 2010 gastou o mesmo percentual com saúde que Lesotho, alcançou a expectativa de vida de 80,7 anos, quase o dobro. Essa ambiguidade requer que a análise sobre a existência de um possível vínculo causal entre gastos e saúde seja ainda mais criteriosa.

Figura 4 - Expectativa de vida e Gastos Públicos com Saúde (% PIB), Países - 2010

Fonte: HUMAN DEVELOPMENT REPORT, 2013 Nota: Dados de 195 países.

O caso de Lesotho é muito particular, uma vez que o país que apresentou a menor expectativa de vida em 2010 e entre 1995 e 2005, apesar de ter mantido o nível de gastos constante ao longo desse período, sua expectativa de vida caiu 9,7 anos. Após 2005 o aumento concomitante dos gastos com saúde foi acompanhado do aumenta da expectativa de vida chegando a 47,6 anos em 2010. Lesotho é um país pequeno, com uma população de pouco

mais de 2 milhões de habitantes e está situado no centro da África do Sul. Diferentemente da maioria dos países africanos, conquistou sua independência somente em 1996. Além disso, trata-se de um país que enfrenta vários problemas socioeconômicos, tais como insegurança alimentar e HIV. Essa queda significativa no indicador de expectativa de vida ao nascer, pode estar relacionada à epidemia provocada pelo vírus HIV, que além de prejudicar a qualidade de vida das pessoas infectadas, na falta de cuidados médicos específicos pode provocar o óbito precoce desses indivíduos.

O Brasil apresenta uma relação positiva entre o aumento dos gastos públicos e o aumento da expectativa de vida. O país que em 1995 aplicava 2,9% do PIB e apresentava expectativa de vida de 68,3 anos, aplicou 4,24% do PIB em 2010 e alcançou 73,9 anos de expectativa de vida (PNUD, 2013). De um modo geral, é possível observar que a expectativa de vida se relaciona positivamente com o nível de gastos de saúde. No entanto, a partir de um certo nível de gastos públicos com saúde essa relação deixa de ser óbvia. Este fato indica que o gasto público com saúde é côncavo com relação ao status de saúde. Isso equivale a dizer que o status de saúde aumentará até um certo ponto com o aumento dos gastos com saúde. A partir desse ponto, incrementar a expectativa de vida pode tornar-se um processo ainda mais oneroso.

Na literatura empírica sobre a correlação entre a expectativa de vida e o nível de gastos públicos de saúde há evidências de que há uma relação significativa entre estas variáveis. O gasto público per capita em saúde tem um impacto positivo, mas não linear, sobre a expectativa de vida. Segundo Pelegrini e Castro (2012) a expectativa de vida aumenta com o aumento dos gastos públicos em saúde. No entanto, o impacto na expectativa de vida depende dos níveis de gastos já existentes em cada país. Onde os gastos públicos são baixos, essa relação tende a ser maior. Já nos países com altos níveis de gastos pré-existentes, o aumento dos gastos deverá ser ainda maior para que se verifique um impacto significativo na expectativa de vida. Para o caso do Brasil, ou mais especificamente, os municípios brasileiros, que ainda se encontram em um nível de gastos baixo ou intermediário9, pode-se esperar que a elasticidade dos gastos seja positiva com respeito a expectativa de vida, ou seja o impacto de uma unidade adicional de gasto deve provocar um incremento superior a unidade na expectativa de vida.

9 Baixo ou intermediário quando comparado ao nível de gastos da maioria dos países desenvolvidos que dispendem com saúde acima dos 10% do PIB (WORLD DATA BANK, 2013).