• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV – Resultados e Discussão

4.7 Saber Constituído e Saber Investido

Para Pierre Trinquet, o saber constituído é o saber acadêmico, formalizado nos livros, softwares, normas técnicas, organizacionais e nos programas de ensino (Borges & Souza, 2010). É um saber genérico que nos ajuda a entender o trabalho prescrito. Para as professoras entrevistadas, os cursos de capacitação e aperfeiçoamento, via de acesso ao saber constituído, funcionam como um momento de troca de experiência com outros profissionais, reflexão e autoavaliação, bem como para aquisição de novos conhecimentos:

E1 - Eles nos ajudam a ter uma visão mais ampla, né, a conhecer de uma forma mais às vezes científica, né, mais fundamentada o trabalho da gente... Poder compartilhar com os colegas de curso experiências do dia a dia da sala de aula...

E3 - É de suma importância para adquirir novos conhecimentos, né?

E9 - Às vezes, você toma umas atitudes, toma uma direção, que quando você faz esses cursos, você vê que tava indo pelo caminho errado.

No mundo hodierno, os diplomas têm sido sobremaneira valorizados. Uma das explicações para esse movimento é que “os diplomas não validam apenas aquisições de conhecimentos. Validam igualmente, embora sob formas variadas, aquisições valiosas

92

no campo das competências” (Zarifian, 2001b, p.174-5), pois o espaço educativo, de onde os diplomas provêm, privilegia a aprendizagem do domínio da linguagem e de seus usos, a formação do interentendimento nas situações de comunicação e a aprendizagem da reflexão e da civilidade.

As docentes que tiveram a oportunidade de cursar o pedagógico (nível médio) no passado e depois o superior fizeram uma distinção bastante interessante sobre a importância de tais cursos para o exercício da docência:

E4 - O magistério me ajudou mais na prática a como trabalhar, porque a gente sempre fazia essas coisas lá, era muito prático, de trabalhar mesmo em sala de aula. E a pedagogia não, ela me ensinou mais a base teórica. Então a pedagogia me ajudou a entender o meu trabalho, e o magistério me ajudou a fazer.

Quando a LBD foi promulgada em 1996, o MEC instituiu a década da educação (1997-2007). Nesse período, diversas estratégias foram lançadas para melhorar o ensino brasileiro e para garantir que esse se estendesse a todos os cidadãos. Acreditando que o professor poderia ser uma alavanca para atingir esses objetivos, a formação docente foi tomada como um dos principais eixos das propostas de ação. Criaram-se os institutos superiores de educação e o curso normal superior, que substituiria seu equivalente, ministrado até então em nível médio. O intuito era ter todos os professores senão diplomados, ao menos tendo iniciado o curso superior até o fim dessa década, quando o nível médio seria extinto. Nas grandes cidades, essa meta foi alcançada, inclusive em João Pessoa.

93

Entretanto, a fala das docentes tem denunciado a ineficiência dessas iniciativas. Se o curso pedagógico (nível médio) proporcionou toda a base prática às professoras e o curso superior a base teórica, agora que aquele foi extinto, a quem cabe essa formação? O curso de pedagogia (superior) foi completamente reformulado em 2006, para sanar essa fragilidade, mas parece se mostrar insuficiente, hava vista as participantes desta pesquisa terem usufruido dessas mudanças e ainda assim apontarem a falha.

Reconhecemos que o conhecimento, o saber acadêmico é imprescindível em nossa sociedade, conforme aponta Zarifian (2001b), e que a iniciativa do governo de elevar a formação dos professores é acertada, contudo, o conhecimento somente torna- se produtivo pelo seu uso, exatamente no exercício da inteligência da prática, como constata uma docente:

E6 - Não daria nenhuma competência, nenhuma habilidade se não fosse a experiência do dia a dia. Muitas vezes é muito descontextualizada, eu diria que a universidade é muito descontextualizada da realidade. Você faz milhões de cursos na universidade, que não te levam a caminho algum. Claro que a teoria evidentemente ajuda... Eu jamais diria que alguém que termina um curso é um professor. Tanto que eu terminei e não me senti professora.

O conceito de inteligência da prática (Dejours, 1999; Dejours & Abdoucheli, 1994) valoriza a experiência profissional pregressa do trabalhador, já que esse tipo de inteligência se forma através de uma relação prolongada e perseverante do corpo com a tarefa. Na docência, como em outros ofícios, a insegurança inicial perante os imprevistos vai cedendo lugar a estratégias de gestão e planejamento, ao mesmo tempo

94

em que permite a criação de modos de fazer, truques e artifícios (M. Almeida, 2010) que facilitam a execução do trabalho. Isso pode ser observado nos fragmentos a seguir:

E1 - É mais essa questão mesmo do dia a dia de sala de aula, essa questão do planejar, de como lidar com os alunos, de algumas estratégias que a gente tem que ter às vezes de última hora, sabe?

E5 - A prática, ela nos ajuda, porque quando a gente tá há mais de um ano, a gente vai adquirir propriedade até dos conteúdos mesmo, então aquela rotina, aquele funcionamento, já sabe mais ou menos o que a gente vai fazer.

Para compreender uma situação de trabalho e as competências que ela mobiliza, é preciso identificar e valorizar o saber que advém da experiência. O saber investido é o saber pessoal, fruto da história individual de cada trabalhador, que é adquirido na experiência profissional, mas não somente nela, também nas experiências sociais, familiares, culturais, etc. Essa experiência é localizada no intelecto e/ou no corpo, por isso é individual e é investida na situação singular de trabalho, tentando suprir a distância entre o trabalho prescrito e o real.

Embora o saber constituído nos ajude a entender o trabalho prescrito, ele não é suficiente para analisar o trabalho real, por ser um saber desinvestido, ou seja, ser definido fora da atividade de trabalho. Segundo Trinquet (2010), “o saber investido remete à especificidade da competência adquirida na experiência de gestão de toda a atividade de trabalho” (p.101). Acreditamos que o reconhececimento do saber que provém da experiência pode melhorar as condições de trabalho das professoras, seu desempenho e, por conseguinte, a qualidade da educação.

95

Analisamos, a partir da compreeensão das profissionais, qual a importância do conhecimento formal escolar/universitário e da experiência profissional pregressa para o desenvolvimento de competências. Tomando a formação continuada como saber constituído que é colocado à disposição das professoras através do CEFOPE, passaremos agora a analisar sua importância.