• Nenhum resultado encontrado

Saberes docentes e a constituição das ações pedagógicas

CAPÍTULO 3 – CULTURAS ESCOLARES E SABERES DOCENTES

3.2 Saberes docentes e a constituição das ações pedagógicas

Dada a importância dos sujeitos para a constituição da cultura escolar e, consequentemente, para as ações realizadas nas escolas, é imperativo que consideremos seus discursos, suas trajetórias enquanto profissionais docentes, saberes, modos de pensar e agir e, mesmo quando nos referimos aos diretores de escola e professores coordenadores, estamos nos referindo aos profissionais docentes em sua essência, pois todos, embora ocupem cargos e funções distintos na carreira do magistério, são profissionais docentes em sua formação, sem a qual não poderiam exercer tais cargos e funções.

Os sujeitos, seus discursos e suas ações são nucleares para o entendimento das culturas escolares, culturas essas que são plenamente passíveis de mudanças, continuidades, descontinuidades e permanências. Não podemos desconsiderar, sob nenhuma hipótese, os sujeitos, seus saberes e suas ações.Segundo Tardif,

O trabalho não é primeiro um objeto que se olha, mas uma atividade que se faz, e é realizando-a que os saberes são mobilizados e construídos. Esse enfoque considera que o profissional, sua prática e seus saberes não são entidades separadas, mas “co-pertencem” a uma situação de trabalho na qual “coevoluem” e se transformam. Querer estudar os saberes profissionais sem associá-los a uma situação de ensino, a práticas de ensino e a um professor, seria então, um absurdo. É a mesma coisa de querer estudar uma situação real de trabalho, uma situação real de ensino, sem levar em consideração a atividade do professor e os saberes por ele mobilizados. Finalmente querer estudar os professores sem estudar o trabalho e os saberes deles seria um absurdo maior ainda (TARDIF, 2000, p.11).

Os professores, sujeitos diretos das ações pedagógicas, possuem e dispõem de um conjunto de saberes que são utilizados em seu trabalho pedagógico, assim os docentes não partem exclusivamente do saber teórico para desenvolver seus trabalhos no cotidiano escolar, aliás, segundo Azanha (1995), “o ensino seria um malogro se não fosse a exigência no âmbito da escola de um ‘saber’ não codificado nem expresso numa linguagem teórica, mas que no fundo constitui a base da atuação docente” (AZANHA, 1995, p. 68).

Esse saber não codificado, mas constituinte da base da atuação docente, é discutido por Tardif (2000) quando o autor trata, em seus estudos, dos saberes profissionais dos professores. O autor dá à noção de saber um sentido amplo, englobando os conhecimentos, as competências, habilidades ou aptidões e as atitudes, ou seja, o que, por vezes, é chamado de saber-fazer e saber-ser. Esse sentido amplo reflete o que os próprios docentes dizem a respeito de seus saberes profissionais.

Tardif (2000) chama de epistemologia da prática profissional “o estudo do conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenharem todas as suas tarefas” (TARDIF, 2000, p. 10). A finalidade da epistemologia da prática profissional é compreender a natureza de tais saberes, o papel que desempenham no processo do trabalho docente e, obviamente, desvelar esses saberes docentes, compreendendo como são integrados às tarefas pedagógicas, como são incorporados produzidos, utilizados e transformados em função dos limites e recursos das atividades docentes.

O professor não se constitui professor por meio de uma determinação social ou política, tampouco pela força do Estado e das instituições de ensino superiores, mas sim por um conjunto de saberes construído ao longo de sua história profissional, que agregam também elementos sociais, políticos e de formação acadêmica, mas que os ultrapassam, abrangendo os elementos da prática e experiência docente, vivenciados, como aluno e professor, no interior das salas de aula, no cotidiano escolar.

Entende-se, pois, desse modo, que as ações escolares produzidas e/ou reproduzidas são carregadas de valores, símbolos e vestígios das condições e das relações sociais entre os sujeitos e de seus diversos saberes. Sobre isso, relata a professora Esmeralda,

Eu sou muito tradicional, né. E aqui tem uma visão mais construtivista. Então, eu fui me adaptando, fui mostrando que eu não ia mudar pro construtivista de uma hora pra outra e, não ia deixar o que eu já sabia (...) (Professora Esmeralda).

Considera-se, assim, que as ações escolares, produzidas e/ou reproduzidas pelos sujeitos, carregam em si elementos do conjunto dos saberes dos sujeitos e a compreensão desses saberes é essencial para a compreensão das ações pedagógicas constituídas na escola e constitutivas da cultura escolar. Segundo Tardif (2000, p. 18), “os saberes docentes são temporais, plurais e heterogêneos, personalizados e situados, e carregam consigo as marcas do seu objeto, que é o ser humano”.

Os saberes dos docentes são temporais, pois são adquiridos ao longo do tempo, por meio das histórias e experiências pessoais antes de tornarem-se professores; por meio das vivências e experiências adquiridas nos primeiros anos da carreira docente, no que se refere à estruturação das ações pedagógicas, da organização da rotina de trabalho e da aquisição de competências necessárias para ensinar e após o estabelecimento de certa experiência profissional, no decorrer dos anos de exercício do magistério, os professores constituem sua identidade profissional.

No momento em que passam a frequentar a escola na condição de alunos, antes mesmo de se tornarem trabalhadores, os docentes passam vários anos de suas vidas ambientados no espaço escolar e a imersão nesse ambiente escolar possibilita ao futuro professor a construção dos conhecimentos, representações e certezas sobre o trabalho docente. A seguir, a professora Rubi descreve, exatamente, como entende o processo da constituição da identidade docente,

(...) a gente que se forma né? Não é isso? A gente que corre atrás... Porque, a gente carrega muito resquício daquilo que tivemos no passado, né... O modo como a gente foi formado... a gente reproduz muito daquilo que a gente teve lá no passado, aquilo que a gente tem de lembrança é a escola que a gente cursou... Porém eu imagino que não tem jeito, você carrega isso, mas você sozinho é que tem que correr atrás e perceber... E se perceber como professora (Coordenadora Rubi).

Segundo Tardif (2000) os professores, ao iniciarem no trabalho pedagógico, não modificam suas crenças sobre o ensino por meio dos cursos de formação de professores, eles recorrem, principalmente, às crenças que adquiriram em sua história familiar e escolar para solucionar seus problemas profissionais.

Os saberes dos docentes são personalizados no sentido de que são apropriados, ao longo de suas histórias, são incorporados às suas situações de trabalho, não se trata de um saber puramente advindo do sistema cognitivo dos professores, mas que são atrelados, também, à sua vida pessoal, suas emoções, seus valores e sua cultura. Tais saberes são situados na medida em que são construídos e utilizados numa situação particular de trabalho. Compreendendo como Lefebvre (1980), os professores possuem os saberes concebidos cientificamente e os saberes vividos, acumulados pelos próprios sujeitos ao longo de sua história.

Os saberes dos docentes também são plurais e heterogêneos, pois provêm de várias fontes, da cultura pessoal do professor, de sua história de vida e de sua história escolar. Além disso, os professores utilizam um repertório de conhecimento variado, raramente é utilizada uma teoria ou uma concepção única de ensino. Ao contrário, eles se valem de tantas teorias, concepções e técnicas quanto forem necessárias para atingirem seus diversos objetivos junto aos alunos e, ainda, os professores procuram atingir os diferentes objetivos, que exigem conhecimentos e competências distintos, muitas vezes de forma simultânea. A essa pluralidade de saberes docentes Tardif (1991) atribui como sendo provenientes da formação profissional, das disciplinas, do currículo e da experiência. A professora Esmeralda evidencia em seu relato, essa pluralidade de saberes para seu trabalho pedagógico,

Tanto é que tem crianças que eu consigo alcançar com o Ler e Escrever e outras não, outras eu alcanço com o ba, be, bi, bo, bu. A gente precisa de resultados, como você vai alcançar, não me interessa, eu quero que ele aprenda a ler, não é isso? Então, deixa comigo, porque eu vou usar de um jeito ou do outro. Eu vou me virar (Professora Esmeralda).

Os saberes oriundos da formação profissional referem-se ao conjunto de saberes transmitido pelas instituições de formação de professores e programas de formação continuada, constituindo nos saberes pedagógicos, concepções e teorias educacionais, que pretendem ser cultivadas nas práticas docentes. Os saberes oriundos das disciplinas dizem respeito aos saberes dos diversos campos ou áreas de conhecimentos, como: Matemática, História, Literatura, etc. Tais saberes emergem da tradição cultural, dos grupos sociais produtores de saberes e são saberes historicamente acumulados. Já os saberes curriculares correspondem aos objetivos, conteúdos, métodos utilizados pelas instituições de ensino para a categorização e transmissão dos conhecimentos, por elas, definidos. Tais saberes apresentam- se sob a forma de programas, tal qual o currículo do estado de São Paulo, que os professores devem aprender e aplicar. E, os saberes da experiência são os saberes desenvolvidos pelos próprios professores no exercício de sua profissão. São os saberes fundados no trabalho cotidiano, que emergem da experiência e por ela são validados, incorporando-se à vivência individual e coletiva dos profissionais docentes, do saber-fazer e do saber-ser.

Tanto a professora Topázio, quanto a professora Safira, em seus relatos, alegam que tiveram uma boa formação docente nos cursos para o Magistério, mas esclarecem também que aprenderam a lecionar na prática cotidiana, por meio da experiência docente. Segundo a professora Safira evidencia, “(...) eu acho que eu tive bons conteúdos, né, só que eu não tive tudo, depois com o tempo a gente vai aprendendo de verdade o que é ser professor, né” (Professora Safira).

Compreendemos, neste trabalho, que os professores carregam para a realização de suas ações pedagógicas uma “caixa de ferramentas” onde estão os saberes, saberes esses que os próprios docentes lançarão mão, tão logo deles necessitem ao se depararem com dada uma situação, no espaço escolar. Desse modo, a ação pedagógica integra os saberes docentes, constituídos ao longo do tempo, de maneira plural, heterogênea, personalizada e situada e a compreensão desses saberes docentes é imperativo para a compreensão das possíveis influências do SARESP para as ações pedagógicas de regulação da aprendizagem na unidade escolar, pois gestores e docentes ao planejarem, elaborarem e executarem suas ações pedagógicas, com vistas à regulação da aprendizagem dos alunos, valem-se dos seus diversos

saberes, construídos por sua biografia, mas também no trabalho coletivo junto aos pares, agregando diversos elementos sociais e da cultura escolar.

A seguir, refletiremos sobre as ações pedagógicas de regulação da aprendizagem e, também, as relações dessas ações com as avaliações internas e externas no interior da unidade escolar.

CAPÍTULO 4 – O SARESP NO INTERIOR DA ESCOLA OURO: MOTIVAÇÕES,

Documentos relacionados